domingo, abril 05, 2009

UM SUSTO

Há 23 dias, o relato das experiências vivenciadas pelo mais assíduo colaborador deste blog – o surfista brasiliense Carlos Leite – ao longo “das carreteras” equatorianas foi interrompido devido a um susto. Ou melhor, por causa do meu medo de perder meu pai, internado às pressas por causa de um grave quadro de insuficiência renal causado por um problema em sua próstata, ainda não devidamente esclarecido.

Em um irônico contraponto à viagem de Leite em busca de “emoções” e de “experiências de vida” (LEIA OS POSTS ABAIXO), eu, o semifosco autor deste blog me vi obrigado a lidar com situações muito mais desagradáveis que os ônibus velhos, a comida ruim ou os efeitos da altitude. E sem a compensação das belas paisagens e das ondas encontradas por meu amigo no país vizinho.

Foram 22 dias enfurnado em um hospital público de Santos (SP). Quatorze noites dormindo, ou melhor, cochilando, sentado em uma cadeira desconfortável, às voltas com sondas, soros, medicamentos, injeções e uma coletânea de histórias e situações escabrosas que, no fim, serviram para me devolver a esperança no serviço público de saúde (ainda que haja muito que melhorar).

Graças ao esforço e à competência dos médicos e enfermeiros do Hospital Guilherme Álvaro, meu pai deixou a UTI em dois dias, superando o momento mais crítico, durante o qual chegamos a temer o pior. Infelizmente, nos dias seguintes, outros pacientes teriam sorte diferente. Só da ala médica em que estávamos eu presenciei oito deles sendo retirados já sem vida. Um stress a mais na já estressante rotina de quem está internado.

Passando tanto tempo em um mesmo lugar, é natural que as pessoas acabem por se aproximar e passem a conversar umas com as outras. Ainda mais em se tratando de um hospital, local onde as pessoas estão mais fragilizadas e receptíveis a compartilhar suas angústias. E de tudo que vi e ouvi nestes dias, o que mais me impactou foram os relatos dos parentes de duas pessoas internadas devido à toxoplasmose, contraída após comerem carne de porco. Detalhe: não há qualquer vínculo entre os dois pacientes, cada qual morando em uma cidade diferente.

Uma das vítimas, uma garota de 21 anos, teve os movimentos, a fala e a memória comprometidos e, segundo seu namorado, ficará internada até julho ou agosto. Durante esses quatro ou cinco meses, seus parentes terão que se revezar para não deixá-la sozinha no hospital. Apesar do atendimento digno de elogios, não há enfermeiros em quantidade suficiente para acompanhar os pacientes o tempo todo. Quando chega um novo interno, seus parentes são logo alertados por outras pessoas sobre a necessidade de “não darem bobeira” e de estarem atentos o tempo todo. Principalmente durante as madrugadas.

Eu mesmo pude comprovar que o alerta não é exagero. Certa noite, às vésperas da primeira alta prevista e não concretizada, sem ninguém mais no quarto além de nós dois, meu pai foi abatido por uma infecção que provocou uma forte febre. Tremendo muito, ele quase não conseguia respirar e com dificuldade conseguiu chamar meu nome e me despertar.

Tentando manter a calma, pedi para que ele inspirasse e expirasse pausadamente enquanto eu chamava a enfermeira. Não encontrei ninguém no corredor e nem na enfermaria. O único profissional presente dormia na sala de medicamentos. Ficou a dúvida. E se eu não estivesse com meu pai? Ele teria conseguido chamar a atenção de alguém? O que poderia ocorrer caso ninguém notasse o que estava se passando com ele? Felizmente nunca irei saber.

Apesar disso, sobram elogios para a qualidade do serviço prestado. Não só meus, mas todos com quem conversei repetiam o mesmo discurso, o de que outros hospitais públicos deveriam funcionar como o Guilherme Álvaro. Referência no tratamento de algumas doenças, o hospital escola é mantido pelo governo paulista. Grande e bem-equipado se comparado com outros da região, ele recebe gente de toda a Baixada Santista e do Litoral Sul. Muitos são trazidos em ambulâncias das secretarias municipais de suas cidades.

Ao contrário do senso comum, o Sistema Único de Saúde (SUS) atende a pacientes de diferentes classes sociais. Prova dessa diversidade são o dentista que primeiro dividiu o quarto com meu pai (e que, infelizmente, faleceu) e o pedreiro especialista em campas de cemitério. Ou o bancário aposentado e o casal de travestis internados juntos. Uma modelo de pouco mais de 20 anos cujo pai estava internado devido a um câncer passava a noite em um colchão de camping estirado diretamente sobre o chão do quarto em frente ao de meu pai.

Embora não vá escapar de uma cirurgia de próstata, pode-se dizer que meu pai está bem melhor. Continua com a sonda, da qual só vai se livrar após a cirurgia, mas, antes, teremos que esperar pelos resultados da biópsia feita na última sexta-feira, o que deve demorar cerca de um mês. De qualquer forma, como ele mesmo diz, a primeira fase já passou. Nos últimos dias eu inclusive pude deixá-lo só (para ser exato, sob os cuidados espertos do seu colega de quarto, Marcos, um cara de 31 anos sem histórico de pressão alta que sofreu um AVC e que, apesar disso, não perdeu o bom humor, rindo o tempo todo).

Qualquer que seja o resultado, meu pai diz ter aprendido uma lição com o susto. Promete maneirar na bebida, se alimentar melhor, se cuidar mais, procurar um médico ao primeiro sinal de que algo não está bem com sua saúde (desta vez ele demorou uns 15 dias para se licenciar do trabalho e ir ao médico). Além disso, diz que irá passar a recomendar a todos os amigos para fazerem o exame de próstata. Uma mudança de hábito já perceptível é que ele jamais tomou tanta água quanto nos últimos dias.

Nossas melhores expectativas é de que ele tenha alta nos próximos dias.