domingo, outubro 31, 2010

santos (SP), 9h do dia em que nosso próximo (a) mandatário (a) será eleito. É isso mesmo? Onde está a festa democrática, a militância, os santinhos? Um brasileiro que por acaso, após muito tempo fora, estivesse retornando ao país, chegando pelo Porto de Santos, demoraria para perceber que as eleições 2010 se encerram hoje (31). A impressão que se tem é que, no afã de coibir excessos e limitar o poder econômico, a Justiça Eleitoral terminou por desmotivar a maior participação do eleitor, que há não mais de dez anos tomava as ruas vestindo as cores de seu candidato e do partido com que mais se identificava.

sábado, outubro 30, 2010

Insolação resulta no filme mais chato dos últimos tempos

A capacidade de alguns artistas brasileiros de desperdiçarem tempo, talento e, o mais grave, dinheiro público para não dizer nada é impressionante e indica a eventual necessidade de uma revisão das leis de incentivo cultural.
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Se por um lado há os que acusam a atual política de renúncia fiscal de promover a "mercantilização" da produção cultural, com as empresas apoiando e patrocinando apenas obras e eventos capazes de atrair grandes públicos, há, evidentemente, um outro lado, graças ao qual os beneficiados pelas leis de incentivo podem simplesmente ignorar o público. Tanto faz que o filme não seja visto por ninguém mais que críticos e amigos dos envolvidos.
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Não sou grande conhecedor destes mecanismos, mas pensava nisso enquanto assistia ao filme "Insolação", de Felipe Hirsch e Daniela Thomas, mais uma destas obras pretensiosas que tentam transformar o hermetismo em arte e que conseguem nada além de aborrecer os espectadores.
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Quando entrei na pequena sala do Cine Arte, na orla da praia de Santos (SP), eu não sabia absolutamente nada sobre o filme. Nem mesmo que a história se passava em Brasília. Vendo o elenco de atores escalados (Simone Spoladore, Leonardo Medeiros, Maria Luisa Mendonça, Leandra Leal e o consagrado Paulo José) e o próprio nome de Hirsch, diretor de teatro consagrado (Sutil Companhia), imaginei que não podia ser algo ruim. Estrepei-me.
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Já não tenho mais paciência para este tipo de "obra autoral". Para mim, duas falas resumem bem o filme: "Você não sabe o que está acontecendo aqui" (da personagem de Simone Spoladore) e "Não aconteceu nada", de Paulo José. Também, o que esperar de "pessoas" que "confundem a sensação febril da insolação com o início delicado da paixão"....
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A única coisa que se salva é a fotografia e a opção por explorar a arquitetura modernista de Brasília sem localizar onde se passa a história, não mostrando em nenhum momento a qualquer dos pontos turísticos da capital.

quarta-feira, outubro 27, 2010

Topetudos Esquecidos - Stray Cats

Embora tenham nascido nos Estados Unidos, na década de 1960, Brian Setzer (guitarra), Lee Rocker (baixo) e James McDonnell (bateria) amavam Eddie Cochran, Carl Perkins e Jerry Lee Lewis, ícones precursores do rock´n´roll feito por brancos, lá nos idos de 1950.


Ainda que tenham chegado aos palcos com quase 30 anos de atraso, numa época em que o estilo que mais os interessava – o rockabilly - já não possuía qualquer atrativo comercial, os três não tiveram vergonha de se apropriar dos topetes, ternos e da musicalidade imortalizada por seus ídolos para conseguir a atenção da mídia, das novas gerações e de alguns saudosistas da picardia e da sonoridade “perdida” em meio à lisergia dos anos 60.

Juntos, eles formaram a Stray Cats (clique aqui para ouvir o cd The Best Of...). Não encontrando boa receptividade nos Estados Unidos, os três se mudaram para a Inglaterra, onde, em 1981, já haviam conquistando suficiente número de fans e receberem um convite para gravarem seu primeiro disco. A partir daí, foi questão de tempo para que os Stray Cats voltassem a se apresentar em seu próprio país. De volta aos Estados Unidos, contaram com o providencial surgimento de um novo veículo e do aprimoramento técnico de uma então incipiente linguagem artística: a MTV e os videoclips.

Apesar dos três (principalmente Lee Rocker) serem excelentes músicos, a energia da banda aos poucos foi se extinguindo e o resultado final do trabalho começou a soar engessado, repetitivo. Hoje, embora a banda continue contando com um site oficial, cada integrante tem sua carreira solo e agenda de shows própria.
O irônico é que, assistindo hoje aos clipes da banda, chega-se à conclusão de que o visual retrô dos Cats não consegue ser tão estranho nem tão irônico quanto os modelitos e os cortes usados pela parcela do público vestido conforme à moda dos anos 80.

sábado, outubro 23, 2010

Weslian Roriz - A nova musa da MPB

O Brasil há muito tempo tem demonstrado ser solo fértil para o surgimento de grandes vozes femininas. Outrora marginalizadas, as cantoras tem dominado as paradas de sucesso nas últimas décadas e novas candidatas à musa da vez não deixam de surgir, saltando das redes sociais para as páginas dos cadernos culturais quase todos os dias.

A última grande revelação feminina a arejar o mercado fonográfico vem do Centro-Oeste, mais precisamente do Distrito Federal. Embora não seja exatamente uma "garotinha" - pois demorou um longo tempo apurando seu estilo até que seu marido, o ex-senador ficha-suja Joaquim Roriz a convencesse de que ela estava pronta para encarar o público - Dona Weslian Roriz é detentora de uma musicalidade moderna, mesclando elementos da sonoridade tradicional da região centro-oeste à música eletrônica.

Cool, mas sem afetação, Weslian é a prova de que o público brasileiro está ávido por artistas com personalidade própria e responsáveis perante a Arte. E de que a característica de opinar sobre assuntos polêmicos e antever a direção que o vento vai tomar amanhã é natural de quem se propõe a ocupar o papel de "antena da raça".
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Biscoito fino para as massas, Weslian é o novo Ídolo do Brasil. Foi só a música "Eu Quero Defender Toda Aquela Corrupção" vazar na internet para ela se tornar febre em todo o país, tocando das festas mais bombadas do Jurerê Internacional às carrapetas de Belém.



E confirmando que Dona Weslian não é apenas só mais um rostinho bonito a contar com as benesses de um marido rico e produtores competentes (Dino Mars e Faroff), ela já emplacou um segundo hit no You Tube, As Laranja, bem-humorada crítica que conta com diversas participações especiais, incluindo Tiririca, candidato a deputado federal mais votado nas últimas eleições.

sábado, outubro 16, 2010

Diálogos com Jean Plantu

Em exposição no Sesc Consolação, em São Paulo (SP), até o próximo dia 30, a mostra Diálogos com Jean Plantu reúne charges do francês Plantu as dos brasileiros Angeli, Chico Caruso e Loredano, estabelecendo uma espécie de diálogo entre os quatro chargistas. A exposição é parte do projeto São Paulo Polo de Arte Contemporânea, que integra à 29ª Bienal de São Paulo, e está aberta à visitação de segunda a sexta-feira, das 10h às 22h, e aos sábados e feriados, das 9h às 18h. (R. Dr. Vila Nova, 245 - Vila Buarque).
(impressionante o que se pode fazer com um celular moderno)

Francisco Alambert - curador da exposição

O chargista francês Plantu (Jean Plantureux) é um homem do mundo, um realista curioso. Mesmo que seu mundo seja a França, ele gosta muito de desenhar o que se passa em outras partes (o que vem fazendo desde 1972 no jornal Le Monde). "Sou totalmente dependente da realidade", já disse ele. Só que por mais realista que seja, a utopia não lhe escapa.

Plantu acredita na força da imagem esclarecedora e na entrega total do desenhista, como artista e como militante. Seu traço é definido pela crença no poder de fogo da representação. Seu gesto pode ser poético e divagante ou afirmativamente decidido. Crítica sem rancor e leveza sem pieguice: esse poderia ser seu lema.

Seus temas centrais poderiam ser resumidos assim: a Justiça para (e no) o Terceiro Mundo, a crítica geral do racismo e do preconceito (sobretudo religioso), a busca da verdade na política e a defesa dos direitos humanos. Uma moral social-democrata e republicana, muito francesa, que a própria França nem sempre seguiu.

Se a política é o terrorismo das convenções, a charge é o seu desvelamento e, por isso, é uma forma de guerrilha contra o poder. Isto porque a política não teme o ridículo (que é sua profissão de fé), mas teme muito a sua representação. Um político como Jean Marie Le Pen, o líder da extrema direita francesa, não vive sem exprimir seu racismo odioso, mas sempre se incomodou com o fato de Plantu desenhá-lo como algo próximo a um nazista. Isso porque ele quer ser entendido como um nazista à francesa, mas não quer ser mostrado como tal.

O que a arte de Plantu faz é coincidir expressão com representação. Ele não faz caricatura: ele dá conteúdo à imagem. A grande charge política é sempre uma crítica ao cinismo.

sexta-feira, outubro 15, 2010

Notas sobre um velho safado

Charles Bukowski

Tempos atrás eu tentei reler Kerouack. Além do On The Road (Pé Na Estrada - que está sendo adaptado para o cinema pelo brasileiro Walter Salles), não deu. Aí então eu tentei voltar a Hermann Hesse. Também não rolou. "Quem sabe André Gide... Os Subterrâneos do Vaticano ou mesmo o Frutos da Terra", pensei? Qual o quê. Emperrei na nona ou décima página do segundo.

Há livros, autores, filmes e diretores aos quais não devemos retornar sob pena de nos desapontarmos não pela qualidade da obra, mas por ela já não nos arrebatar como no primeiro contato. Em alguns casos, óbvio, o problema é mesmo com a qualidade, já que, com o acúmulo, estabelecemos parâmetros e nos tornamos mais exigentes. Não foi isso, no entanto, o que sucedeu entre mim e os autores citados.

O que aconteceu é que, para mim, os escritores acima parecem ter perdido o viço. Tentar reler um de seus livros, mesmo um que tenha marcado minha adolescência, como O Lobo da Estepe, do Hesse, foi como almoçar com uma ex-namorada e descobrir que, apesar de bonita, sua presença já não me diz muita coisa. E há casos em que nem mesmo um encontro fortuito para verificar os efeitos do tempo que passou me interessa.

Estou certo de que, hoje, não riria tanto quanto da primeira vez que li a O Grande Mentecapto, do Fernando Sabino, ou mesmo a Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva. E de que os livros do hoje deputado Fernando Gabeira, que por algum tempo me inspiraram o desejo de viajar e ver o que se passava em outras terras, na melhor das hipóteses me causariam uma brutal indiferença. Justo o Gabeira que ao retornar do exílio arrebatou a uma penca de leitores jovens com suas observações a respeito da política, do regime militar, luta armada, desbunde, contracultura, drogas, sexo livre e do então incipiente movimento ambientalista que começava a ganhar corpo nos países desenvolvidos.

É inevitável. Há obras que, apesar de longevas, parecem estar cincunscrita ao públ
ico de uma determinada fase ou classe social. Não me ocorre agora exemplos de bons autores consumidos exclusivamente por jovens, mas no caso dos livros, lembro de O Apanhador no Campo dos Centeios, As Aventuras de Tom Sayer e Revolução dos Bichos e 1984 como casos cuja leitura parece ser quase que obrigatória entre adolescentes que descobrem o prazer da cultura.

Apesar de tudo isso, imagino que todos tenham ao menos um autor, um diretor, um músico ao qual podem voltar frequentemente a fim de reencontrar-se não apenas com a obra, mas com algo entre o que eram e o que se tornaram graças a um acúmulo de experiências do qual a própria obra faz parte. Para mim, este cara é Charles Bukowski (Alemanha, 1920 – EUA, 1994).

Pode até soar estranho que eu diga isso do autor de livros entitulados "Notas de Um Velho Safado", "Ereções, Ejaculações e Exibicionismo" ou "A Mulher Mais Linda da Cidade", mas é verdade. Não há nada de Hesse que eu releia com o prazer de uma frase de Bukowski como "Deus é um anzol a nossa espreita". E o bom é que como no Brasil sua obra demorou muito para ser levada a sério, desde sua morte por pneumonia, em 1994, não param de surgir novidades suas.

Comparado a Henry Miller e a Ernest Hemingway e apontado como o último autor beatnik - movimento do qual o já citado Kerouack é o simbolo máximo, formando a tríade sagrada junto a Allen Ginsberg e Willian Burroughs - Bukowski faz parecer fácil escrever. Seus textos soam autobiográficos, se amparam em muitas experiências de uma vida errática de quem teve que trabalhar como carteiro, catador de uvas e se sujeitar a toda sorte de subemprego, para mostrar o outro lado do American Way of Life.

Mesmo que muitos só percebam seu humor negro e considerem seu estilo irremediavelmente tosco, a mim Bukowski demonstra ter um olhar apurado para as questões sociais e comportamentais. Até hoje, quando leio notícias sobre algum jovem norte-americano que decidiu descarregar todo o pente de uma arma semi-automática no pático escolar, lembro de Bukowski contando o quanto ele quando criança sofria com o que apelidou de Síndrome do Pátio, primeiro sintoma do modelo de estímulo à concorrência de um contra todos que marcará a vida de uma Nação individualista e egocêntrica.

Morto aos 73 anos, na Califórnia, o velho Buck teve uma vida de muitos excessos, sempre tentando conciliar as ressacas e o relógio de ponto com a literatura e as mulheres. Escreveu quase 50 livros de crônicas, poesia e romances além de ter colaborado com jornais alternativos. Teve ao menos uma filha reconhecida. Há dois filmes inspirados em sua obra, mas nenhum é lá grande coisa: Barfly (tradução: mosca de bar), com Mickey Rourke e Faye Dunaway, e Factótum, com Matt Dilon. Bukowski parecia não se levar a sério. E por isso mesmo eu diria que, em dias como estes, isso é absolutamente imprescindível.

quarta-feira, outubro 13, 2010

Aos amigos que ainda acreditam na Veja


"Existem duas formas de tentar intimidar a imprensa: uma é vindo a público e colocando de forma infeliz uma série de críticas, outra é aquela que, de forma velada, tenta agredir jornalistas, pedir cabeça de jornalista, o que dá na mesma, porque o respeito pela democracia e pela liberdade de imprensa é permitir que a informação circule. Durante a campanha eu tenho ouvido relatos sobre momentos em que, quando são feitas perguntas que não são consideradas agradáveis, há uma atitude de intimidação dos jornalistas".
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Da candidata à Presidência da República, Marina Silva, equiparando a pouco conhecida faceta do candidato tucano, José Serra, a tão criticada "postura autoritária e intervencionista" do PT, acusado de, entre outras coisas, ameaçar a liberdade de imprensa. Acho desnecessário qualquer outro comentário à matéria e aos vídeos abaixo.

Serra se irrita com pergunta sobre ex-diretor da Dersa
Ao ser questionado sobre Paulo Preto, candidato diz que assunto é "pauta petista" e abandona entrevista

13/10/2010 18:47
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O presidenciável tucano José Serra irritou-se nesta quarta-feira em Porto Alegre (RS) ao ser questionado sobre a denúncia contra o ex-diretor da Dersa, Paulo Vieira Souza, conhecido como Paulo Preto, que teria desviado R$ 4 milhões da campanha do PSDB.

Primeiro, Serra classificou de "preconceito odiento" a forma como o jornalista se referiu ao ex-diretor, como Paulo Preto, e afirmou que o preconceito estava "embutido na pergunta". Em seguida, o presidenciável disse que o assunto faz parte da "pauta petista”.

Depois, Serra perguntou ao repórter para qual veículo de comunicação ele trabalhava. Ao ouvir que o profissional era do jornal Valor Econômico, Serra afirmou que o jornal não se interessava pelo o que estava acontecendo na Casa Civil e que “faz manchetes para o PT botar no horário eleitoral”.

Quando o repórter do Valor Econômico rebateu dizendo que as afirmações eram preconceito da parte dele, Serra decidiu encerrar a entrevista coletiva e deixou o local.

No último domingo, a presidenciável petista Dilma Rousseff usou a denúncia sobre o ex-diretor para atacar Serra no debate organizado pela TV Bandeirantes. Ontem, em Aparecida, Serra defendeu Paulo Souza e negou que tenha havido desvio de verbas de sua campanha. Antes disso, Serra havia negado conhecer Paulo Souza.
A série de "mal-entendidos" do candidato












terça-feira, outubro 12, 2010

Reencontrando Carlos Leite

Como é bom rever os amigos.
Em especial quem compartilha comigo a paixão por praias, viagens e pelo surf, caso do meu brother Carlos Leite. Não nos víamos desde que me mudei para São Paulo, há pouco mais de quatro meses. Neste meio tempo eu já retornei várias vezes à capital federal, mas ele sempre estava em meio a uma de suas expedições em busca da onda perfeita (que ele já sabe que não existe) ou então numa viagem às custas de um trabalho maluco qualquer.

Desta vez eu o avisei previamente e ele me garantiu que estaria na cidade, de forma que eu não esperava menos do que ele de fato fez, ou seja, que ele fosse me encontrar no aeroporto. E ele foi. De ônibus. E ficou lá, com sua cara de pau, me aguardando com um papelão onde se lia "seme-fosco".

"Seu analfabeto! É semi. Com i. Semifosco", eu disse enquanto o abraçava efusivamente. O bronco me pareceu mais forte. Ou então fui eu que emagreci com a correria da paulicéia desvairada.

"Não tão te dando o que comer, não, ô semifosco? Tô te achando pálido, hein, rapaz!", provocou o prego, passando um dos braços em torno do meu ombro e fingindo querer me dar um golpe. Deixei cair no chão a blusa que tirei tão logo sai do avião e pensei para que merda eu havia trazido aquele volume desnecessário. O relógio marcava 32 graus e eu tive vontade de ir ao banheiro trocar a calça por uma bermuda.

Olhei o céu enquanto caminhávamos para o ponto de ônibus e falei baixo, "depois de saber que ele está aí em cima você passa a dar um valor enorme para isso. E depois que está habituado você passa a sentir a falta quando não o vê". Leite pareceu não entender, mas riu como se estivesse chapado. Na verdade, ele me pareceu estar chapado.

A caminho da casa da minha namorada meu corpo foi acusando o efeito do sol, do ar mais puro, da claridade. Era como se cada músculo meu passasse por um descompressão. "E aí? O que veio fazer nesta terra desolada pela seca?", perguntou Leite querendo tirar uma onda ao perceber minha reação ao ritmo particular da cidade. De fato, a vegetação do Cerrado ainda não havia se recuperado da severa seca deste ano, mas bastou as primeiras chuvas cairem para o verde começar a ressurgir. E também para que as cigarras dessem o ar da sua graça. A cidade, como todos os anos, parecia pulsar no ritmo do canto das cigarras.

"Ué! Eu ainda tenho uma garota aqui", respondi. "E eu tinha quatro dias de folga e a previsão era de chuva e frio em São Paulo e litoral e, pior, sem ondas". Rimos os dois, lembrando de nossas conversas anteriores - Não queremos ser profissionais ou ases do surf. Queremos apenas nos divertir. Portanto, sol, água quente e ondas nem muito pequenas, nem muito grandes para nós. "Atualmente, de fria já me basta a rotina", completei.

Para comemorar o reencontro, assaltei duas cervejas do que seria minha própria geladeira caso ela não estivesse no que hoje é a casa da minha namorada (isso é uma outra história). Saquei da bolsa dois novos vídeos de surf (The Drifter e The September Sessions) para a minha dvdteca que permanece em Brasília junto com todos os meus livros e cds e colocamos a conversa em dia enquanto admiravamos Rob Machado, Kelly Slater, Luge Egan, Brad Gerlach e outros deslizando, entubando e voando sobre ondas de sonho na Indonésia. E enquanto isso Leite ia me pondo a par dos últimos fatos.

Quem vai ser pai. Quem vai ser mãe. Quem está saindo com quem. As últimas piadas e a vergonha decorrente de a candidata ao governo Weslian Roriz ter passado para o segundo turno. O medo de quem ocupa cargo comissionado na esfera federal de perder a boquinha. As festas que aconteceriam no sábado, uma no Conic (Frenéticas), outra na Velvet (Bizarre Love Triangle). Os shows. E, principalmente, suas últimas e próximas viagens. E então seus olhos brilharam, seu rosto se transfigurou e ele deu um salto. "Véio! Você tem que quer meu quiver novo", agitou-se. "Quiver?!?! Você agora tem um quiver?", ironizei. "YEAH! Euagoratenhoumquiver. E vou testar meus foguetinhos na semana que vem, em Floripa. Uma semana pegando onda em Florianópolis".

Rapaz, é em momentos como este que você entende o sentido do termo inveja incontida. Senti um despeito profundo por aquele prego, aquele calango do Cerrado a quem eu mesmo havia incentivado a começar a pegar onda e que agora dizia ter não uma ou duas pranchas, mas sim várias. "Uma para cada tipo de onda que eu espero encontrar em Floripa e no litoral Norte de São Paulo, onde devo passar outra semana", arrematou Leite já me puxando pelo braço para irmos a sua casa ver as pranchas novas, esculpidas por um shaper carioca para quem Leite fez o servicinho de contrabandear parte da fibra usada na confecção de pranchas.

As pranchas de fato eram bacanas. Quatro triquilhas brancas, variando entre uma 5'11 e uma 6'4, sendo duas fish e duas round-pin. Dignas de serem levadas para a cama durante a noite. A beleza da proporcionalidade entre a espessura, a largura e as curvas me fez sentir algo como despeito. Pra que diachos esse cara precisa de cinco pranchas (pois ele mantinha a antiga, que chamava de Geniosa) morando em Brasília se eu que estou vivendo a pouco mais de 80 quilômetros da praia não peguei onda uma única vez nestes últimos meses.

E, então, algo clareou a minha frente. Dei-me conta de algo que ainda não havia notado, algo inexorável: eu já não surfava há pelo menos oito ou nove meses. Sendo que, há quatro meses, esta tinha sido uma das razões de maior peso na hora de aceitar me transferir para São Paulo. Desde então, nem surf, nem skate, nem academia, nem estudo, nem nada que não trabalho. Além disso, tirando meu companheiro de apartamento, vi muito pouco meus amigos de São Paulo. A maior parte do tempo, ou quase todo ele, eu passei foi trabalhando. De forma que devo ter olhado para Carlos Leite com uma expressão de desalento.
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Fiquei mais uma meia hora conversando com Leite sobre sua ida para Floripa na semana que vem e então voltei pra casa da minha namorada. Voltei a pé, pensando em todas aquelas pessoas que as cinco e meia da tarde faziam cooper ou uma caminhada após um provável dia de trabalho. Liguei para minha namorada, pedi (sem dar muita bandeira) para que não demorasse e sugeri um cinema para mais tarde. Enviei um e-mail confirmando minha presença no futebol de todos os sábados. E então sai para correr em meio à sinfonia das cigarras. O resto da história se resume a uma personagem refletindo durante os três dias seguintes, mas para bom entendedor...a parábola do surfista prego brasiliense ajuda a entender porque se diz que a onda do vizinho nos parece sempre mais verde e tubular. Mesmo que ela esteja quebrando em meio ao Planalto Central.

sábado, outubro 09, 2010

A capital de Nicolas Behr

São Paulo, 08/10/2010, 10 horas, 22 graus

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Brasília, 08/10/2010, 15 horas, 31 graus

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desço aos infernos

pelas escadas rolantes

da rodoviária de Brasília

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duas asas partidas

duas pistas falsas

dois traços invisíveis

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blocos melancólicos

supequadras sem superegos

eixos se retorcendo

monumentos em agonia

gramados deprimidos

linhas suicidas

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a cidade é isso mesmo que você está vendo

mesmo que você não esteja vendo nada

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anunciaram a utopia

mas foi Brasília que apareceu

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a incapacidade do contato afetivo

entre a laje e o concreto

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merda de cidade

bosta de cidade

porcaria de cidade

Amo esta cidade


* (colagem com trechos de vários poemas do poeta brasiliense Nicolas Behr)

quinta-feira, outubro 07, 2010

No texto anterior eu admiti não entender nada sobre dança. Não sei sequer dançar e talvez por isso mesmo, pela falta de molejo, o rock sempre tenha sido meu ritmo preferido. Embora sinta que a compreensão real da linguagem me escapa, curto apresentações de dança. O interesse inicial, confesso, era pelas bailarinas, mas aí fui pegando gosto pela coisa e, hoje, mesmo sem entender do riscado, posso ao menos dizer que já assisti a um bom número de ótimos espetáculos. Eis abaixo a listinha dos que mais me marcaram, pela ordem de preferência.

Dança das Marés (2002) - Ivaldo Bertazzo e Corpo de Dança da Maré (Rio de Janeiro)

Um dos três trabalhos que Bertazzo coreografou com jovens moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Todos os 62 bailarinos são adolescentes que viviam em situação de risco e que o coreógrafo arregimentou para participar de um projeto que visava não necessariamente formar dançarinos profissionais, mas sim cidadãos conscientes. A música é do grupo instrumental mineiro Uakti - que tocava ao vivo nas apresentações - e o roteiro foi escrito pelo médico-escritor Dráuzio Varella.

Breu - Grupo Corpo (Belo Horizonte)

Coreografado por Rodrigo Pederneiras, com música de Lenine, o espetáculo é, segundo o próprio grupo, uma "tradução poética da violência e da barbárie dos dias que vivemos" cuja encenação obrigou os bailarinos a deixar de lado a sensualidade, o lirismo e a alegria que marcam os trabalhos anteriores da companhia mineira. "Para se manter de pé ou ficar por cima, é preciso ignorar o outro e encará-lo como inimigo".

Céu na Boca, Quasar Cia. de Dança (Goiânia)

Segundo o coreógrado do grupo goiano, Henrique Rodovalho, o vigésimo segundo trabalho da companhia surgiu da curiosidade pelas leis da física e teorias do universo. Explosões estelares e movimentos gravitacionais (?) serviram como alegorias para a criação de Céu na Boca, espetáculo que mistura música eletrônica à de Ray Conniff.

ONQOTÔ (2005) - Grupo Corpo (Belo Horizonte)

Mais uma coreografia de RODRIGO PEDERNEIRAS para música de Caetano Veloso e José Miguel Wisnik, a expressão Onqotô é uma brincadeira com o modo mineiro de dizer "onde que eu estou". De acordo com seus idealizadores, a dança quer demonstrar, de forma bem-humorada, "a perplexidade e a inexorável pequenez do Homem diante da vastidão do universo". Sei...


Aquilo De Que Somos Feitos (2000) - Lia Rodrigues e Cia. de Danças (Rio de Janeiro)


Do pouco que inferi, Lia Rodrigues é uma provocadora, uma iconoclasta. Já assisti a três diferentes espetáculos coreografados por ela, mas este foi o que mais me marcou. (não sei o quanto pesou o fato de tê-lo assistido ainda durante a primeira fase de encantamento exclusivo pelas bailarinas que, aqui, dançam nuas boa parte do tempo). Com música de Zeca Assumpção, tem uma forte carga de questionamento político, social e ético, além da opção por provocar o espectador.


EMBODIED VOODOO GAME - Cena 11 Cia de Dança (Florianópolis)

Dança e video-game. O joystick como extensão do corpo, que é a ferramenta de trabalho do dançarino. Uma coreografia de Alejandro Ahmed, trilha sonora de Hedra Rockenbach. Até onde sei, é o único grupo de projeção nacional em Floripa.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Mix, de Debora Colker

Como diabos eles fazem isso?!?!?!


Por mais espetáculos de dança que já tenha visto, alguém que assiste a qualquer apresentação da Companhia Déborah Colker haverá de se impressionar com o vigor, a força física e a flexibilidade dos bailarinos selecionados pela coreógrafa carioca e, consequentemente, irá se fazer esta pergunta.

Alguns chegarão inclusive a manifestar sua admiração já durante a apresentação, como ocorreu no último sábado (2), no Teatro do Sesc, em Santos (SP), praticamente lotado por conta da exibição de `Mix´.

Concebido em 1996 para a Bienal de Dança de Lyon, o espetáculo reúne trechos dos dois primeiros trabalhos da companhia (Vulcão, de 1994, e Velox, de 1995) e deu ao grupo o Prêmio Lawrence Olivier, considerado a maior distinção inglesa nas artes cênicas. Ao todo, são sete `cenas´, sendo as duas últimas - Sonar (de 2min22seg) e Alpinismo (10min22seg), as que mais empolgam a platéia. Esta última é a já famosa coreografia feita numa parede de escalada de quase sete metros de altura, um verdadeiro desafio à lei da gravidade.

Eu não entendo lhufas de dança. Não compreendo a "gramática" que rege a combinação dos movimentos, nem o sentido pelo qual um coreógrafo opta por uma música em detrimento de outra. Nunca sei ao certo quando o espetáculo tem uma "mensagem" para além da beleza estética, mas sei o que me emociona (não necessariamente por ser "belo" ou "agradável") e, por este critério, devo admitir que das duas vezes em que assisti a algo da Déborah Colker fiquei com uma impressão de estar vendo a atletas muito bem ensaiados se passando por dançarinos e não o contrário, como me parece que uma certa leveza deveria garantir. Tese que, para mim, ficou clara num breve lampejo da segunda `cena´, Desfile, em que os bailarinos dançam ao som de sambas, maxixe, bossa-nova, maracatu e baião, mas que, obviamente, tem que ser relativizada numa coreografia como a de Alpinismo.

Não quero dizer com tudo isso que o trabalho da companhia não seja interessante. Aliás, minha opinião talvez não queira mesmo dizer nada. Até porque, meu comentário era para ter sido exclusivamente sobre Santos. Em apenas um mês a cidade recebeu o Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, o Festival Internacional de Literatura - Tarrafa Literária, vários shows e, agora, Débora Colker (além, óbvio, dos meninos da Vila). Programação para ninguém reclamar e que o público santista tem sabido aproveitar.

sábado, outubro 02, 2010

Exclusivo: Ação entre Amigos

"Nossa democracia ainda é frágil, mas não está sendo ameaçada", diz Zuenir Ventura


Há mais de 40 anos exercendo o jornalismo, Zuenir Ventura já escreveu que o jornalista leviano é tão nocivo à profissão quanto um censor, com a desvantagem de que o primeiro finge servir à imprensa. Não é de estranhar, portanto, que no mesmo dia (23/09) em que a mídia noticiava com destaque a tese de que a liberdade de imprensa estaria sendo ameaçada, o autor de `1968 – O Ano Que Não Terminou´ afirmasse não ver qualquer risco à democracia brasileira.

“Apesar de a democracia brasileira ainda ser frágil, eu não acho que haja qualquer ameaça no horizonte. Ela ainda não está consolidada, é claro, mas esta é uma das características da democracia em qualquer parte: a de estar em permanente aprimoramento”, disse Zuenir pouco antes de participar, no último dia 23, em Santos (SP), da 2ª Tarrafa Literária – Festival Internacional de Literatura (leia mais sobre o evento nos posts abaixo)

Ventura esteve na cidade litorânea acompanhado pelo escritor e amigo de quase duas décadas Luis Fernando Verissimo e do também jornalista Arthur Dapieve, com quem acaba de lançar o livro `Conversa Sobre o Tempo´, transcrição das conversas gravadas durante os cinco dias em que os três passaram em uma fazenda a cerca de 100 quilômetros de distância da capital fluminense falando sobre amizade, família, paixões, política e morte.

No livro, Ventura comenta que, do ponto de vista político, o país avançou bastante nos últimos 40 anos, mas que ainda necessita resolver o problema das diferenças e injustiças sociais. E ao mesmo tempo em que afirma haver uma má-vontade da imprensa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cobra que Lula “não pode ter essa leniência em relação à corrupção”.

Durante o rápido bate-papo, Zuenir ainda criticou o acirramento da disputa eleitoral dos últimos dias. Citando um episódio traumático da história política brasileira - o suicídio de Getúlio Vargas -, o jornalista comentou que o clima “meio passional” de denúncias e acusações que tomou conta do processo eleitoral não é bom para o país. Para Zuenir, a imprensa não está acima do bem e do mal e não se pode confundir críticas bem-fundamentadas à qualquer ameaça à liberdade de expressão.

“Não acho que devemos ter uma posição corporativa de achar que a imprensa é intocável e não deva ser criticada. Não defendo a impunidade ou qualquer tipo de imunidade para a imprensa. Acho que ela está sim sujeita à críticas, até para que melhore. Agora, óbvio que censura é outra coisa e sempre que houve censura isso fez mal a toda a sociedade”, disse Ventura.

Assim como no livro, em nossa conversa Ventura também se referiu ao seu desconhecimento sobre o sindicalista e ambientalista Chico Mendes à época em que este foi assassinado, em dezembro de 1988, para indicar o que considera um problema nacional: nossa dificuldade de criar e reconhecer novas lideranças. Apesar de já ser um repórter experiente na ocasião, Zuenir admite que, até então, não sabia direito quem era Chico Mendes, mesmo ele já tendo recebido alguns prêmios no exterior e estando jurado de morte.
“Só fui descobrir a questão ecológica quando viajei ao Acre para cobrir o assassinato do Chico Mendes. O problema é que o país é muito grande, muito complexo, e a imprensa nem sempre dá conta de cobrir tudo o que acontece. E isso tem ficado cada vez mais difícil já que, hoje, temos um excesso de informação e pouca explicação", comentou o jornalista, lembrando que "excesso de informação é ruído”.

Entre os cinco temas de Conversa Sobre o Tempo, Ventura considera que os momentos em que ele, Verissimo e Dapieve refletiram sobre a essência da amizade foram os mais agradáveis e os que resultaram nas considerações com maior potencial de surpreender os leitores. Para Ventura, por exemplo, a amizade é mais importante inclusive que o amor.

O autor de 1968 - O Ano Que Não Terminou ri quando questionado se nenhum dos três participantes do encontro chegou a sugerir que a política fosse englobada ao tema paixões, algo que não causaria estranheza aos leitores de nenhum dos dois articulistas. "Para mim - e acho que também para o Luis Fernando [Verissimo] - a política não é uma paixão. Não no sentido de fanatismo, do sectarismo e do radicalismo, que é algo que faz muito mal. Logicamente eu estou falando da política partidária, de que eu não gosto. A Política, lógico, é algo fundamental", concluiu Ventura.