quinta-feira, maio 30, 2013

O Lixo Humano


"Índios. Lixo humano"

"Índio foi tudo civilizado, o que resta é bandidos sem vergonha, e vocês que defendem essa classe de bandidos, que é só mais uma das brasileiras, deveria pensar melhor antes de sair falando. É do setor agropecuário que vem tudo que você come"

"DEVERIAM TER MATADO A TRIBO TODA"

"índios não são donos de nada, ninguém é dono de uma terra que não possui capacidade para manter e proteger, isso é seleção natural, darwinismo social. Se não evoluíram e criaram armas para defender suas fronteiras, agora não adianta chorar, perderam faz 500 anos, o choro é livre. O povo que não se forja como martelo não tem o direito de reclamar quando se torna a bigorna"

"METE BALA NOS INIDIOS, POIS ELES SAO FOLGADOS E SE ACHAM DONOS DO MUNDO!!"

 "difícil acreditar que ainda existam índios no Brasil, o que vejo nas reportagens são pessoas que se dizem índios, com Carrões, tv a cabo, vendendo pedras preciosas e plantas raras de nossas florestas e muitas vezes invadindo propriedades alheia"

"Tem mais é que meter bala"

"O índios já tem 15% do território brasileiro" [?!?!?!?!]

Isso, e um pouco mais, pode ser lido aqui, nos comentários dos leitores.

A internet possibilitou que mais gente pudesse fazer com que sua `voz´ fosse ouvida. O problema é que isso permitiu que nos certificássemos do quanto essas vozes são feias e a humanidade, na média, desafinada. 

ão sei se a ocupação de terras reivindicadas como tradicionais para, com isso, pressionar os governos a desapropriá-las para criar ou ampliar reservas indígenas é certo ou errado. Tampouco acho que fazendeiros (mesmo aqueles que detém áreas enormes que  nos levam a questionar como alguém pode acumular tanto patrimônio) são, por natureza, criminosos avarentos. Sei apenas que a questão fundiária é complexa demais para comportar julgamentos fascistas baseados em informações parciais e manipuladas de acordo com os interesses da mesma turma de sempre (aquela que acha que proibir um jogo no Maracanã em obras, ou a verticalização sem fim da orla litorânea, ou a exploração de petróleo em quaisquer condições, etc, etc, etc, enfim, os que acham que isso é retardar o progresso e o desenvolvimento econômico do país). E se você está repetindo teses estapafúrdias sem uma pausa para refletir ao menos por um breve instante sobre a possibilidade de estar soando como um idiota, então, meu caro, me desculpe, mas você de fato é um idiota. Não porque discorde ou concorde com as ações de índios, sem-terras, quilombolas, trabalhadores em greve ou de qualquer outro grupo que tenha decidido se mobilizar para cobrar o que acredita ser seu direito. Não por isso. Afinal, mesmo que sem se mobilizar, sem se organizar com outros, sem lutar por qualquer coisa que não seja a também difícil mas mesquinha subsistência (se a sua já não foi devidamente garantido por um antepassado seu, às custas do suor de outros), mesmo assim você tem direito a escolher um lado. Não tem, contudo, o direito de defender, pior, de estimular, que esses grupos sejam mortos ou agredidos. 

Um índio foi morto hoje (30), no Mato Grosso do Sul, durante uma a reintegração de posse de uma fazenda ocupada há 15 dias por índios terenas. Não se sabe ainda ao certo o que aconteceu, mas o fato é que o índio foi baleado durante ação policial em cumprimento a uma decisão judicial. A Justiça entendeu que os índios deviam deixar ou então serem retirados da fazenda explorada por um ex-deputado estadual. A questão é que o governo federal, por meio do MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, já reconheceu que a propriedade está no interior de uma terra antes ocupada pelos índios. Assim, quem estava "invadindo" a área? Os índios? O fazendeiro? Geralmente, quando colocada diante de tal dilema, os magistrados costumam se inclinar a favor dos fazendeiros, que afirmam ter títulos de propriedade. Mesmo quando estes são juridicamente questionáveis. Os papagaios-idiotas não veem isso. Porque não sabem ou porque não querem ver. E se põem a vomitar besteiras garantidos pelo anonimato e pela distância proporcionados pela internet. 

Há algo que não tem muito a ver com esta discussão, mas que me chamou a atenção como um indício do ódio que parte significativa da sociedade parece alimentar pelos índios e demais movimentos sociais organizados. Após dez anos, vários desacertos e algumas grandes decepções, parece estar na moda ser anti-PT. Qualquer notícia veiculada pela internet logo recebe um e-mail mal-humorado dizendo que o PT isso o PT aquilo. Menos quando se trata de violência contra os índios. Se um índio é morto pela PF, que está diretamente subordinada ao Ministério da Justiça, ninguém diz que o PT fez mal, que o PT é autoritário ou coisa que o valha. Porque, em geral, a maioria dos que criticam o PT parecem ser os mesmos que acham que índios e pobres devem ser tratados à bala e cassetete. 



domingo, maio 26, 2013

Vale Cultura (II)



Adeus (Bé Omid É Didar, 2011), mais um filme da mostra dedicada aos cineastas iranianos Mohammad Rasoulof e Jafar Pahani, encerrada hoje (26), na Caixa Cultural, em Brasília, mas ainda em cartaz na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, até 2 de junho: R$ 2

Um bem-servido prato de uma muito bem-feita galinhada na festa junina da Igreja Dom Bosco, na 702S; jantar que nada deixou a dever a bons restaurantes: R$ 6.

Excelente show do cantor pernambucano Otto, pelo projeto Todos Os Sons, do CCBB: DE GRAÇA. Incluindo o ônibus da e para a Rodoviária do Plano Piloto. 

Contabilizando a passagem de ônibus que gastei para chegar até a Rodoviária a tarde, dá um total de DEZ REAIS. 


A (falta de) lógica das companhias aéreas


Por que as decisões corporativas não fazem sentido para quem vive sujeito à burocracia e, principalmente, aos preços impostos pelas empresas e prestadores de serviços?

Veja o caso do setor aéreo? Você sabe quanto seria o valor justo de uma passagem? Se optar por pegar um ônibus interestadual, R$ 50 a mais ou a menos serão facilmente contabilizados como uma boa ou má opção, não? Já no caso das passagens aéreas isso não acontece e não há parâmetros que nos permitam saber, com segurança, se estamos pagando muito ou pouco. Se as promoções de fato são promoções ou se, ao contrário, é no restante do  tempo que as companhias estão nos tungando. 

Meu amigo brasiliense Carlos Leite, um surfista beatnick que vive a vida a rodar, anda pesquisando passagens para a Venezuela, a pouco mais de 5 horas de São Paulo. Partindo da capital paulista no início de julho, a opção mais em conta sai a salgados R$ 2.189. Antes de pousar em Caracas, o voo segue até o Panamá. Só então a aeronave retorna ao destino desejado por meu amigo, onde chega 10h15 depois de partir de Guarulhos.

Leite não entendeu a lógica, mas concluiu que se descesse no Panamá ao invés de voltar a Caracas consumindo mais combustível, alimentos, trabalho-hora da tripulação e usando o banheiro, pagaria menos pela passagem. Ledo engano. Embora fosse passar apenas 6h57 a bordo de uma aeronave da mesma companhia, gastaria R$ 2.398. Ou seja, quase R$ 210 a mais para voar 3h15 a menos.  A pesquisa, de toda forma, acabou tendo alguma serventia: Leite aprendeu que, caso decida conhecer o Canal do Panamá, o melhor a fazer é comprar uma passagem para Caracas e, durante a escala, simular um mal estar que o impeça de seguir viagem, forçando a empresa a desembarcar sua bagagem. Depois, é só ficar por lá mesmo. 

Por curiosidade, Leite decidiu checar os preços das passagens para Bogotá, na Colômbia. Imaginando uma linha reta, a diferença das distâncias de São Paulo à capital colombiana ou à capital venezuelana (ou seria bolivariana?) não são assim tão grandes. Pelo menos não no mundo real. Já no mundo corporativo, a diferença deve ser significativa a ponto de justificar que uma outra empresa aérea ofereça passagens a R$ 1.279. O custo da economia? Passar 11 horas em Lima, Peru, gastando 21 horas para percorrer uma distância que exigiria apenas 6 horas.     

Leite teve ainda uma última ideia. E se ele fosse pra Manaus de ônibus e, de lá, pegasse um voo para Bogotá, que fica ali do lado? Bom, aí, ao invés de R$ 1.279, ele pagaria, à mesma companhia, R$ 1.837. Mas ao invés de perder 21 horas, gastaria apenas 15 horas. "Quinze?!?!?!", se espantarão meus três leitores. Sim, 15 horas. Porque, ao invés de ser despachado direto para Bogotá, cruzando a Amazônia, Leite passaria quase cinco horas a bordo do avião voando para.... São Paulo, onde permaneceria por quase seis horas até, enfim, embarcar com destino a Bogotá, voltando a passar por...Manaus.

Sentindo que alguém brincava com seu bom senso, Leite me ligou para compartilhar suas dúvidas quanto à honestidade ou bom senso dos burocratas das empresas aéreas. Disse que está a ponto de seguir o conselho da Dora, personagem da Fernanda Montenegro em Central do Brasil, e começar a só andar de ônibus. Dora dizia que o transporte público era mais seguro do que os táxis por passarem sempre pelos mesmos lugares. Leite acrescenta que são mais seguros também porque a gente sabe que, independente do dia ou da hora, a passagem vai custar sempre a mesma coisa. E quanto mais perto descermos de onde o pegamos, menos pagamos.  


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sábado, maio 25, 2013

Um lado que pesa






Não sei se um de meus três leitores lembram, ou sequer se deram conta, mas, originalmente, o verbo da canção Crua, do músico pernambucano Otto, era bem diferente do que se ouve na versão poliana que tocou na trilha da novela global Passione (2010). Enquanto na primeira, Otto se expunha sem meias-palavras, na dúbia versão novelesca ele continuava lamentando "ter que acreditar num caso sério e na melancolia", para, em seguida, candidamente constatar que enquanto ele chamava, o sujeito oculto da oração (Alessandra Negrini?) PODIA. Alguém podia de noite e de dia enquanto ele inutilmente chamava. É. "Há sempre um lado que pesa e outro que flutua". 
"Por que isso agora, semifosco?", se perguntaria ao menos um dos meus três leitores caso já não soubessem que não cabe questionar as motivações de um blogueiro desocupado. Mesmo assim, respondo. Não só porque amanhã tem Otto no CCBB, mas, principalmente, porque o músico doidão teve a coragem de admitir que, na vida, cumprimos três papéis: ora chamamos sem sermos atendidos, ora estamos ocupados quando nos chamam, ora somos a desculpa que faltava para que outros não atendam às chamadas de terceiros. 

domingo, maio 19, 2013

Liga Tripa


Ah, o tempo! O tempo que não poupamos a fim de o resgatarmos corrigido e preservado. O tempo que parece sempre nos faltar; que parece sempre desperdiçado e que, no entanto, permanecerá imutável, imemorial, quando tivermos passado por ele apressados e tentando nos iludir de que  é o tempo que passa ou voa quando, no fundo, somos nós que estamos indo.

[...] 

Essa desnecessária e constrangedora introdução é uma justificativa de porque andam  tão escassas as postagens neste espaço semifosco. A culpa, gente, é do sistema. Não. Não aquele simulacro de sistema que cai sempre que você precisa do seu banco ou do SUS. O outro. O que nunca cai e do qual o sistema bancário é justamente o maior símbolo, chegando a se confundir com ele.   

Eu tô vivo, viu, gente. Eu e minhas idiossincrasias continuamos caminhando por aí, sem lenço, nem documento. E essas andanças continuam me levando vez ou outra a lugares e situações bacanas. Como há duas semanas, quando, no último dia 30, véspera do feriado do trabalhador, eu recebi meu certificado de conclusão do curso de cultura brasiliense (isso é linguagem figurada, viu): show do Liga Tripa, banda brasiliense difícil de classificar e com 34 anos de estrada. Para muitos, o mais brasiliense dos grupos locais.

Baixo os vídeos amanhã







Vale Cultura


Brasília, 19 de maio de 2013. Embalos culturais econômicos de sábado a noite.

R$ 2

Dentro da mostra dedicada aos cineastas iranianos Mohammad Rasoulof e Jafar Pahani, em cartaz na Caixa Cultural até o próximo dia 26, assisto ao único filme não dirigido por um dos dois diretores perseguidos pelo regime de Mahmoud Ahmadinejad (ambos chegaram a ser presos e condenados a seis anos de prisão em 2010): o impactante A Onda Verde. O título do documentário de Ali Samadi Ahadi é uma alusão à onda de apoio popular ao candidato reformista Mir-Houssein Mousavi, reprimida violentamente pelas forças governamentais (com o aval do aiatolá) após as denúncias de fraude eleitoral para garantir a vitória do Ahmadinejad. Na impossibilidade de equipes de reportagem e de cinema gravarem livremente o que acontecia nas ruas de Teerã, Ahadi teve que recorrer a muitas e valiosas imagens gravadas com celulares pelos próprios cidadãos que participavam das passeatas pedindo a recontagem dos votos. Colou-as aos depoimentos gravados com iranianos perseguidos, presos e, em alguns casos, torturados pelo regime dos aiatolás que deixaram o país. E, para preencher o vazio dos dramáticos relatos de atos institucionalizados de violência, uso de animações. Um filme parcial, que toma partido, mas que deveria ser visto e discutido já que acusa (com supostas provas) o regime iraniano de ser uma ditadura por desrespeitar às liberdades individuais e os direitos humanos, e não pelo viés daqueles que dão sinais de só estarem preocupados com o petróleo ou com a possibilidade do Irã desenvolver a tecnologia nuclear.



NA FAIXA

Atravesso o Setor Bancário Sul a pé. A noite. E vou reencontrar, no Museu da República, a agora nacionalmente famosa cantora brasiliense Ellen Oléria. Dezoito meses após o semifosco divulgar as primeiras imagens colhidas durante a gravação do primeiro DVD da artista (clique aqui), enfim o trabalho vem à luz. Meus três habituais leitores sabem que meu entusiasmo vem de muito antes dela aparecer e ganhar o programa global The Voice Brasil. Não vão, portanto, estranhar eu afirmar que, até o momento, show da Ellen é como sexo: mesmo quando ruim, é bom. Por isso, mesmo esse tendo sido, na minha avaliação (e de outras duas pessoas com quem conversei), o show mais fraco de Ellen a que assisti até agora, foi acima da média (termo de comparação? Para ficar em exemplo recente, o fraquíssimo e entendiante show da incensada Maria Gadú, na Esplanada dos Ministérios, no aniversário de Brasília).

Por que achei o show mais fraco que de costume? Difícil explicar, mas arrisco uma crítica apressada e não-qualificada: Ellen incluiu ao seu show muito mais músicas de outros artistas que de costume. Interpretou Doces Bárbaros, Gil, Milton Nascimento, Chico, Jorge Ben. Embora tenha escolhido muito bem o repertório, foi justamente quando tocou suas próprias músicas, como Feira da Ceilândia e, principalmente, Testando, que ela mais empolgou o público, provando a força e a qualidade de seu trabalho autoral.



NA FAIXA

A surpresa maior viria quando eu já me preparava para encerrar a noite. Terminado o show da Ellen Oléria, uma versão de uma música da Legião Urbana soando  ao longe e uma aglomeração ao lado da Biblioteca Demonstrativa chamaram minha atenção. Curioso e disposto, me aproximei. E fiquei extremamente empolgado ao ver uma marca característica do chamado B-Rock 80´s ressuscitada: os shows improvisados em plena rua. Quem já assistiu ao filme Somos Tão Jovens, sobre o surgimento das bandas brasilienses que marcaram o rock brasileiro durante a década de 1980 sabe do que estou falando. Passados 30 anos, o Trio Magnata revive a prática de ocupar o espaço público sem esperar por apoio estatal, patrocínio ou coisa que o valha, pelo simples prazer de se apresentar.

Resumo da ópera: Dois reais por um filme e dois shows. O que me leva a seguinte reflexão: Cinquenta reais a serem gastos no comércio de produtos culturais ou mais eventos públicos descentralizados, com melhor divulgação?