"Acho que a gente entrega uma novela para a História" - Vera Holtz
Eu, que nunca fui noveleiro, sou forçado a concordar. Por razões que muitos programas e veículos (inclusive internacionais) tentam explicar há meses, Avenida Brasil se tornou um fenômeno. E de nada adianta atribuir o sucesso da novela à influência global, pois como uma olhada nos meus posts mais recentes pode revelar, eu próprio sou uma das muitas pessoas altamente refratárias ao discurso global, fato que não me impede de reconhecer quando a emissora faz coisas boas, como a minissérie Som & Fúria, os poucos capítulos de Cordel Encantado a que assisti, o sitcom Tapas & Beijos e o jornalístico Globo Rural.
Acho engraçado os moderninhos que enchem a boca para falar de séries americanas ou de filmes brasileiros chatíssimos enquanto, por mero preconceito, tentam minimizar o ótimo trabalho do elenco e a arejada que o autor, João Emanuel Carneiro, deu à dramaturgia, com uma trama dinâmica e personagens muito distantes do usual maniqueísmo a que estamos acostumados na tv. (Daí porque me parece tão estranho ver o mero anúncio de mais uma inverossímil história de Glória Perez para substituir a atual novela das nove).
Lógico que uma novela será sempre uma novela. Esta, mesmo com todas as transgressões, não pode deixar de derrapar. Que crianças bonitas e felizes aquelas do lixão mais bem frequentado do planeta. Que heroína tapada, capaz de arquitetar um bem-elaborado plano de vingança, mas incapaz de fazer cópias digitais das provas que acabariam com sua rival ou de revelar logo a Tufão tudo o que sabia. Ainda assim, a história tem seu lugar entre os ícones da cultura popular.
Entre o elenco, vários atores vão carregar uma dívida de gratidão com o autor e com o diretor. Caso de Adriana Esteves, Marcello Novaes,Vera Holtz, Marcos Caruso e José de Abreu, que após muitos anos de carreira e alguns personagens marcantes, receberam em Avenida Brasil os papéis de suas vidas. Toda vez que eu ver Adriana Esteves vou lembrar de sua Carminha mandando o motorista tocar para o inferno. Outros, como Murilo Benício, Cauã Reymond, Heloisa Perissé, Eliane Giardini, Isis Valverde, Otávio Augusto com certeza ganharam, com sua eficaz versatilidade, muitos pontos não só com o público, mas com os responsáveis por selecionar o casting das novelas. Se saíram bem.
Entre as novidades quando comparada a outras novelas, Avenida Brasil apresentou também uma agradável característica: a possibilidade de atores ainda pouco conhecidas ou em busca de se firmarem desenvolverem plenamente as possibilidades de suas personagens. Caso de Thiago Martins, Bruno Gissoni, Letícia Isnard, Daniel Rocha e, principalmente, o brasiliense Juliano Cazarré - um dos que mais caíram nas graças do público, seu Adauto foi vítima de uma maquinação de uma última hora do autor que ameaça o ator de ficar conhecido para sempre como Chupetinha.
Por fim, os que tem mais motivos para estarem felizes, por terem entrado desconhecidos e terminado com os nomes na boca do povo: José Loreto, que saiu direto de Malhação para um papel de extremo destaque, a ex-modelo Débora Nascimento, que embora já tivesse se projetado em outros trabalhos, se tornou agora um rosto reconhecível em qualquer lugar e a dupla de empregadas da mansão Cláudia Missura (Janaína) e Cacau Protásio (Zezé). E a Débora Falabella, semifosco? Esta é a única de quem não sou capaz de escrever, porque mesmo sendo seu fã e achando que ela cumpriu eficientemente um papel fundamental para o sucesso da trama, fiquei com a impressão que foi a personagem que, a partir de um dado momento, foi mais mal explorada e desenvolvida. Fora o núcleo Cadinho, que, conforme conversei com vários colegas, foi o único que não "funcionou" a contento.
O sucesso inegável foi por ter colocado em destaque a classe C em ascensão? Foi porque o público já estava apto a conhecer personagens menos maniqueístas? Foi por ter apelado para os "instintos mais primitivos" da parcela do público que, conforme alguns, é mesmo amoral e quer mais é levar a melhor em tudo....alguém ainda vai dar uma resposta que se aproxime do que permitiu este fenômeno. E também porque tantos homens, sobretudo não-noveleiros, sentiram-se à vontade para comentar o capítulo de ontem.