domingo, abril 27, 2008

Santos, 27 de abril de 2008

Ressaca

_ Uhúúúúúúuuuu!
Carlos Leite chega a Santos em meio ao swell que atingiu o litoral Sudeste no final de abril

Carlos Leite não discriminava a ninguém. Enxergando mal, em parte devido à contraluz, em parte pela própria miopia, o surfista brasiliense incentivava cada um que dropava uma onda da série.

Sem reconhecer ninguém entre as centenas de cabeças que via boiando por toda a praia de Santos (SP) - pelo menos umas duas dezenas a sua volta - Leite extravasava a alegria diante das excelentes ondas urrando a cada série que despontava no fundo, a cada boa manobra, sua ou de qualquer outro surfista. E como, apesar do crowd, estivessem sobrando ondas nessa excepcional manhã de domingo (27), vários outros surfistas agiam como Leite, gritando uns para os outros.

O santista-brasiliense estava pleno de luz, confiante em si mesmo e em que nada naquele dia daria errado. Não só devido ao sol, à energia da água do mar, mas por algo que Leite teria muita dificuldade de explicar se alguém lhe perguntasse o motivo do sorriso. Era um misto de satisfação e segurança por estar surfando no quintal-de-casa com a euforia de ter feito a opção certa.

Leite havia deixado Brasília na sexta-feira a noite, após assistir na tv, na noite anterior, as notícias sobre a forte ressaca que atingira boa parte do litoral brasileiro. Checando sites de previsão de ondas, confirmou que as séries, na praia do Itararé, em São Vicente, chegavam a dois metros de altura. Titubeou um pouco, mas decidiu-se ao saber que uma companhia aérea estava vendendo passagens a preços promocionais.

Chegou ao aeroporto de Brasília às 18 horas, com a prancha embaixo do braço, R$ 20 no bolso, um cartão de crédito e nenhuma passagem reservada. Sabia de dois vôos para São Paulo, o primeiro dali a meia hora. O segundo saindo às 19h, com escala em Goiânia. Foi obrigado a apanhar o segundo.

Não bastasse o inconveniente de se afastar ainda mais do oceano rumo ao interior do país, a decolagem demorou mais de uma hora além do previsto. A euforia crescia. Quando desembarcou, por volta das 23 horas, se viu às voltas com a falta de logística do setor de transporte.

Àquela hora, não havia mais ônibus direto para a Baixada Santista. O ônibus comum que poderia apanhar até o metrô do Tatuapé só sairia perto da meia-noite e não chegaria à estação antes do horário de encerramento do metrô. Um outro ônibus, de outra companhia, sairia de Guarulhos à meia-noite e cinco e apesar de ir até o Terminal Rodoviário do Tietê, também só chegaria lá após o término do expediente da maioria das companhias de ônibus. Por último, a condução que a empresa aérea colocava à disposição dos seus clientes só sairia à 1h30, quase duas horas após a chegada do vôo.

Desta forma, Leite se viu obrigado a pedir que um amigo o resgatasse na estação República, diante da Praça da República, em pleno centro de São Paulo, um local pouco aconselhável para alguém carregando uma mochila e uma prancha a aquela hora. Talvez por isso mesmo Leite tenha, inconscientemente, tentado se livrar da mochila ao descer do ônibus. A sua versão é de que, cansado, adormecera e só acordou ao ouvir à distância o motorista gritando. Preocupado com a prancha, Leite desceu correndo e esqueceu-se de apanhar suas coisas no bagageiro superior. Só conseguiu recuperar a mochila na manhã seguinte. Felizmente, com tudo, inclusive a máquina fotográfica que apanhara de sua namorada.

Com receio de ficar dando mole no centro de São Paulo, Leite decidiu apanhar um táxi para ir direto para a casa de seu amigo, onde passaria a noite. Como este estava ocupado, na rua, e foi pego de surpresa pelo pedido de auxílio do surfista, Leite teve de aguardar, dormindo, por mais de duas horas sentado no sofá do hall do prédio do amigo. Não bastasse tudo isso, ainda teve de dividir a cama de casal do amigo e acordar as sete horas da manhã.

Diante das excelentes ondas que dropava, as primeiras desde que voltara da Costa Rica, há um mês, Leite sentia que não podia se queixar da vida. Muito pelo contrário.