segunda-feira, fevereiro 12, 2007

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Até há bem pouco tempo, eu tinha uma infinita paciência com bêbados anônimos. Buscava absorver de suas palavras desconexas um significado que acreditava transcender às “portas da percepção”. Além do mais, dava real atenção aos loucos, aos pobres e a todo tipo de gente que vive à margem.

Eu, então, acreditava sinceramente que vender brincos de casca de coco, pulseirinhas e outros badulaques nas ruas era uma maneira de negar o sistema. Calçando sapatos sociais marrons e usando uma daquelas gravatas baratas, azuis, admirava os hippies e seus cabelos compridos, suas roupas sujas e sua expressão fora de órbita.

Eu era receptivo com qualquer pedinte. Mesmo que não pudesse aplacar sua fome de comida, podia ao menos minimizar a falta de atenção que os condena à invisibilidade.

De certa forma, eu os admirava. A todos os que sobreviviam às adversidades. Aos mendigos, aos bêbados, aos que não se adaptavam à hierarquia, aos desempregados, enfim, aos fracos destes nossos “tempos modernos”. Eu intuía que eles sabiam algo, que tinham a chave dos mistérios de porque os demais, com seus rígidos horários, seus décimo-terceiro salários, suas férias planejadas pela CVC, seus homer-theater, carros do ano, roupas de marca, filhos na escola particular, financiamentos e cartões de crédito, porque eles, com todas as comodidades, não eram felizes.

Eu não queria, lógico, ser como eles, mas imaginava que só aprendendo algo de suas experiências me seria possível delinear o caminho do meio. Assim, fui seguindo, desatento à sedução das facilidades. Acontece que, como já devem ter notado, este é um texto que emprega o pretérito.

Agora, me dou conta de que já não tenho mais nenhuma paciência para os desconhecidos bêbados que continuam surgindo pela vida a fora. Já não tenho paciência nem mesmo para minha própria embriaguez. Pior que isso. Às vezes noto sinais de que receio de estar assinando certificado de otário se atender o pedido de alguém que me pede algum dinheiro para supostamente comer algo. E daí se não for? Se for para a cachaça?

Vivo correndo e desatento a minha volta, cego para a miséria de minha vizinhança e me lamentando pela pobreza mundial. Digo que ela nada me ensinou e que nada mais tem a me ensinar, mas, no fundo, sei que a verdade a que não posso fugir é que já não acredito ser possível mudar nada. Nem a miséria, nem a mim mesmo.

Sigo trabalhando, produtivo como o empregado do mês, incorporando aos poucos a justificativa de que já é difícil o bastante cada um cuidar de si. Se alguém vem me falar sobre mudar o mundo, penso na desordem do meu quarto, de meus pensamentos. Penso na minha vidinha. E quando baixo os olhos, envergonhado, os sapatos são outros, mais caros, mas ainda são marrons.

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