domingo, janeiro 20, 2008

Domingo, 20 de janeiro de 2007

Segredos da Amazônia
Do princípio, ou seja, da última terça-feira (15). Belém do Pará me surpreende pelas casas de frontaria azulejada ainda habitáveis, muitas delas bem-conservadas, algumas servindo ao comércio de badulaques e grifes da moda. Dizem que dei sorte, pois o clima estava ameno, com a temperatura bem abaixo do normal para esta época do ano. Sorte também ao encontrar uma boa sorveteria para experimentar os deliciosos e comentados sorvetes paraenses, como o "mestiço", mistura de açaí com tapioca.

De Belém a Santarém, ainda no Pará. Da capital em si, nada a dizer, já que não desci do ônibus em que segui por 30 quilômetros até a vila de Alter do Chão. Ainda não conhece? Não tarda e vais ouvir falar do lugar. Localizado às margens do Rio Tapajós, o balneário foi escolhido pela revista Veja como um dos destinos turísticos mais bonitos do país.

















Alter do Chão (PA)

A prefeita de Santarém, Maria do Carmo Martins Lima (PT) me diz que, para o período entre fevereiro e maio deste ano, são aguardados 33 navios de turistas vindos de diversas partes. (Vai sonhando Santos).

“Alter do Chão é um roteiro obrigatório de turismo na região. Recebemos muita gente que vem de Manaus, mas também da América Central, do Caribe, dos Estados Unidos. Grandes navios aportam aqui todos os anos, mas nós ainda precisamos de saneamento de qualidade para darmos, tanto aos turistas quanto aos moradores, o atendimento que eles merecem. Enquanto isso não chega, vamos fazendo arranjos de natureza social que fazer com que possamos sonhar com aumentar nosso fluxo de turistas ”.

Menos de dez horas após chegar a Santarém eu já estava embarcando rumo a capital amazonense, Manaus, onde voltei a encontrar o governador Eduardo Braga (PMDB). Eita sujeitinho safo, esse. Goza de popularidade entre a população e entre integrantes do governo federal, o que, junto a importância estratégica da Amazônia, explica a razão das visitas recentes de três ministros ao estado: Nelson Jobim (Defesa) e Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) e Gilberto Gil (Cultura).


foto: Wilson Dias (Agência Brasil)
Tive a oportunidade de ver e falar com Gil e me surpreendeu a antipatia com que tratou aos repórteres. Talvez fosse o cansaço da viagem, ou de ter tocado no Festival de Verão de Salvador um dia antes. O fato é que, na sexta-feira, ele parecia mais animado ao ser convidado a cantar uma música em uma rádio-poste.

(Rádios-poste transmitem utilizando um sistema muito simples e limitado, ou seja, alto-falantes instalados em postes. Neste caso, a rádio em questão funciona na comunidade ribeirinha de Boca do Mamirauá, localidade com 15 casas e 64 habitantes distribuídos por uma área menor que uma quadra de Brasília ou um quarteirão, na qual as pessoas dividem o espaço com vacas e bois. Segundo um dos responsáveis pelo serviço, a rádio foi instalada para facilitar a comunicação, já que antes, quando havia necessidade de informar todos sobre algo, era preciso “ir de casa em casa”. Sem dúvida, o seu Joaquim, 76 anos vividos no local, irá comentar ainda por muitos anos o dia em que Gilberto Gil tocou naquele lugar com um violão em petição de miséria).

Graças à criação da Reserva Ecológica Mamirauá, em 1990, um monte de gente, principalmente estrangeiros, conhece o Seu Joaquim ou algum dos quase 11 mil habitantes dos mais de um milhão de hectares do local. Primeira reserva de desenvolvimento sustentável do país, Mamirauá foi criada para proteger o macaco uacari, na época, ameaçado de extinção. Hoje, os responsáveis e moradores da região vêem com bons olhos o ressurgimento de onças, espécie que ocupa o topo da cadeia alimentar. A presença do felino é um indicador de que a fauna se recompôs.

Para passar um dia em um dos 10 apartamentos da pousada flutuante Uacari, ligada ao programa de ecoturismo do Instituto Mamirauá, organização responsável pela gestão da reserva, o interessado vai gastar R$ 300 a diária.

O pacote inclui além da hospedagem, café-da-manhã, almoço e jantar, transporte de e para Tefé, trilhas pela mata e outras atividades.

domingo, janeiro 06, 2008

domingo, 06 de janeiro de 2008

Vestígios engavetados
Sobrevivi a dezenas de entrevistas de emprego
A pelo menos uma centena de horas em filas de repartições públicas,
A patrões, gerentes, encarregados, candidatos,
A pastores, pesquisadores e a toda a sorte de puxa-sacos.
Sobrevivi à distância física e temporal. À espera.
Sobrevivi para ver chegar o “tempo dos rumores arrebentarem”,
Para o grande barato de escapar às balas perdidas,
Aos veículos e nações desgovernadas.
Vinte e tantos poucos anos sobrevivendo a planos econômicos e outros tantos desmandos
Me instruíram a abstrair riscos insignificantes:
Os malefícios do sol, a água do mar poluído,
O vento encanado, a friagem, o sereno,
O bicho-do-pé, o encosto, a espinhela caída,
O leite semidesnatado, o colesterol ruim...

Os perigos a evitar são outros para quem cumpre a tarefa de sobreviver conscientemente
Diante da proliferação dos bingos,
Da disseminação dos vírus,
Da má qualidade do ensino,
Dos shoppings center,
À ignorância e à disenteria cerebral.

Apesar de não ter sido convidado para o Jogo do Milhão
Sou um sobrevivente.
Comemoro com discrição para não incomodar ninguém
Caso existisse presente que não o circunstancial,
Eu seria o mesmo?

sábado, janeiro 05, 2008

sábado, 05 de janeiro de 2008

Ficção
Segundo um provérbio milenar, transmitido oralmente de geração em geração, não há nada que um bom dia de surf não cure.
Olhando a inscrição talhada no templo dedicado à Shiva, o rei de Kurujangada, Janamejaya Raja, inqueriu Ganesha, deus dos escritores e dos ladrões, sobre o que deveria fazer para manter seu povo feliz, pois em seu reino já não havia ondas. "Tá flat geral, brother. E eu com uma prancha novinha guardada no castelo".
O cabeça-de-elefante sacudiu a tromba, riu balançando a enorme barriga e largou de lado o búzios, o lótus, o disco e o machado que segurava em suas quatro mãos. Tirou um fininho de trás das orelhas e respondeu sem qualquer sinal de sarcasmo. "Cara, cê tinha que ver como que tava ontem".
Raja teve ganas de fazer com Ganesha o mesmo que o pai deste, Shiva, fizera. Arrancar sua cabeça e jogar para além do Himalaia. Mas o bicho-homem, além de grande surfista, era uma divindade. Aí mesmo é que o mar podia nunca mais subir. Raja então deu um pega no fino e ponderou sobre a previsão de Ganesha. "Vai rolar um marzinho daqui a uns dias", dizia o deus, soprando a fumaça pela tromba enquanto apertava as orelhas contra a cabeça.
Enquanto outro tipo de onda não batia, Raja tentou calcular quanto tempo significaria "alguns dias" pela conta de Ganesha, já que cada dia dele tem 333 anos humanos. Sem chegar a uma conclusão satisfatória, ponderou que o melhor a fazer seria construir uma piscina de ondas artificiais para ele e seus súditos. Para isso, bastaria criar um tributo qualquer.
Surgia assim o ICS - Imposto para Continuidade do Surf. E o início da derrocada de Kurujanganda, já que a plebe ignara, indiferente às declarações dos sábios brâmanes reunidos no Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas e crendo que a diversão resultante das ondas era um presente divino, se rebelou contra a cobrança de mais um imposto.
O rei Raja foi destronado e decapitado. Seu quiver de pranchas foi confiscado, mas, infelizmente, a prancha nova que havia encomendado há pouco jamais foi encontrada. Ganesha, coincidentemente, desapareceu por uns tempos, deixando apenas um conselho para que os sábios meditassem a respeito. "Tá estressado? Vá surfar".
Itararé (SV) foto: Sullivan Leite - Waves
Diário de um surfista semi-fosco
Você não vai mais surfar em Santos. Nem alimente esperanças de pegar onda nos poucos dias em que estiver na cidade, pois nem mesmo as marolas de antes existem mais. Culpa do aquecimento do planeta e do conseqüente derretimento das calotas polares, elevando o nível dos oceanos? Ou dos espigões erguidos à beira-mar, interferindo no regime dos ventos? Será a dragagem do canal portuário?

Nem no Guarujá tem onda. Praia Branca, Maresias, Paúba....tudo flat. Liso e adequado para as crianças besuntadas de protetor solar e suas bóias; para os banhistas bêbados; para os noiados que vão queimar sua palha com água pela cintura. É verão, e só nos comerciais de refrigerante tem onda nesta época do ano.

Se quiser, tire a prancha da capa e vá remar. É um bom exercício. Depois, se sente sobre a prancha lá no fundo e observe os transatlânticos deixando a cidade. (Leve uma ou duas barras de cereais e aproveite a vista da praia lotada e dos fogos) No jornal, estão noticiando satisfeitos que esta temporada registrou um recorde em movimentação de navios de “luxo”. Acene seu lencinho para os passageiros espremidos no convés. Não seja rancoroso. Considere que já há navios como estes providenciando piscinas com ondas. Talvez esteja na hora de imaginar a possibilidade de compartilhar daquele sopão marítimo ao som de muito axé.

Porque, ondas, em Santos, não mais. Nem mesmo para os padrões de um surfista de Brasília.

sexta-feira, janeiro 04, 2008