quinta-feira, março 31, 2011

O 1º de Abril que ainda não terminou



_ (tec) Sobe som: Tema da Vitória ao fundo

Feliz do país que tem uma "revolução" a comemorar. Ainda mais quando ela é feita sem derramamento de sangue e para manter tudo como está. Portanto, neste 1º de abril, o povo brasileiro pode se vangloriar de sua cordialidade e de sua heterogeneidade racial livre de preconceitos. Ainda estávamos deitados em berço esplêndido, ao som do mar e sob a luz do céu profundo, e já demonstrávamos que éramos capazes de fazer as coisas de forma pacífica e ordeira. Hoje, passados 47 anos, bem que podiam nos dar de presente, por nosso bom-comportamento, a cassação do Bolsonaro.

Feliz Dia da Mentira. São os votos de Geraldo Vandré, um subdesenvolvido erudito em consequência do Milagre Econômico

terça-feira, março 29, 2011

Ainda sobre o Circo

Espetáculo do Circo Internazionale di Roma gravado no último dia 22, em Brasília (DF).

Infelizmente, pela distância e devido à luz de palco, a definição do vídeo não ficou boa. Mesmo assim, achei válido compartilhar as imagens.

segunda-feira, março 28, 2011

Liniers em Brasília


Conhecido no Brasil pela publicação, no jornal Folha de S.Paulo, das tiras Macanudo, o cartunista argentino Ricardo Liniers chega amanhã (29) a Brasília. Além de conduzir uma oficina de roteiro e ilustração de histórias em quadrinhos (hqs) no Instituto Cervantes, Liniers participa de duas sessões de autógrafos: amanhã, das 13h às 15h, na Livraria Cultura do Casapark, e dia 30, das 18h às 19h, no próprio Instituto Cervantes.

Liniers também participará do lançamento da revista Fierro Brasil nº1. A revista é um marco da produção de histórias em quadrinhos na Argentina e teve uma primeira versão, publicada entre 1984 e 1992, e uma segunda agora, a partir de 2006, que mensalmente chega aos “quioscos” (bancas de jornais) do país encartada no jornal Página/12.

Liniers conta que seu primeiro contato com o universo das hqs se deu por meio das tiras das personagens Mafalda e TinTin, mas que decidiu começar a desenhar por influência do cinema. Chegou atuar como desenhista na faculdade, mas logo passou a enviar seus trabalhos para fanzines e, logo, para veículos profissionais.

Conseguiu publicar em 1999 sua tira Bonjour no suplemento NO!. Três anos depois, a humorista Maitena o apresenta ao jornal La Nación, onde, desde junho de 2002, vem publicando Macanudo, título com o qual já lançou 7 livros.

Para conhecer mais acesse www.porliniers.com. Abaixo, trechos do documentário “Liniers, El trazo simple de las cosas”, sobre o cartunista hermano

domingo, março 27, 2011

Dia Nacional do Circo


Artistas dizem não faltar público, mas sim apoio governamental - Artistas e representantes de entidades ligadas ao circo afirmam que mesmo com a concorrência de outras opções de cultura e entretenimento existentes hoje, não falta público aos espetáculos circenses. Ainda assim, às vésperas do Dia Nacional do Circo, comemorado hoje (27), eles pedem mais apoio governamental à categoria, principalmente por parte de prefeituras e estados (clique sobre o título da matéria para ler mais)
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Renovação artística é receita para atrair público, afirmam artistas - “É importante que os circos se reciclem e busquem a integração com outras manifestações artísticas que já usam muito das técnicas circenses. Devemos procurar incorporar as especificidades de cada uma delas e tornar nosso espetáculo ainda mais atraente”, sugere o presidente da Associação Brasileira de Circo (Abracirco), Camilo Torres.
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Gerações de uma mesma família juntas sobre um mesmo palco - Casada com um artista circense de quinta geração, Pollyana prepara o filho para seguir os passos da família e torce para que, um dia, ele passe os ensinamentos adiante. Para a administradora do Circo di Napoli, o contato com o público e a reação das crianças diante de um bom espetáculo é o que motiva os artistas a darem o melhor de si à arte. "Hoje em dia as crianças quase nem saem de casa. E quando elas vêm...nossa! Fica claro que o circo não pode acabar".

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Artistas querem utilização de animais, mas ongs defendem proibição - "Isso é algo que faz parte da história da atividade desde suas origens. Perdemos em presença de público, artistas tiveram que se desfazer de seus animais e os circos tiveram que adaptar seus espetáculos. Do ponto de vista simbólico, da magia, a proibição, que não é federal, trouxe um prejuízo", afirma o presidente da Associação Brasileira de Circo (Abracirco), Camilo Torres.

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Faltam escolas de formação para profissionais circenses, aponta coordenador - Segundo Rodrigo Matheus, coordenador do Centro de Formação Profissional em Artes Circenses (Cefac), que cursou o Circo Escola Picadeiro (tradicional escola de circo de São Paulo) e que também é professor de circo, ator e já foi trapezista, o número de escolas de formação para profissionais circenses em todo o Brasil não passam de 50. Na França, de acordo com ele, o número é 12 vezes superior.
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Mudanças na Lei Rouanet beneficiariam o circo, diz coordenador da Funarte - "Raramente um circo consegue algum patrocínio. E ele não se utiliza da Lei Rouanet. É necessário vender o almoço para comprar o jantar. Se não há espetáculo, não há dinheiro sequer para deixar uma cidade e seguir viagem”, declarou o responsável pela Coordenação de Circo da Funarte, Marcos Teixeira,  alegando que as mudanças na lei propostas pelo Ministério da Cultura, ao qual a Funarte é vinculada, mudaria esta “lógica perversa”.


quinta-feira, março 24, 2011

Sangue e Porrada no Café da Manhã

MÍDIA
Ferrou-se.

Dia destes, a Ana Maria Braga entrevistava o lutador Anderson Silva enquanto exibia, as 8h30, cenas da luta em que o cara derruba um adversário, o também brasileiro Vitor Belfort, com um violento chute no queixo. A cena é brutal. Chute colocado, rival no chão, Silva ainda desfere dois murros na cara de Belfort antes que o juiz interceda. Considerado "a luta do século", o embate pelo cinturão de campeão peso-médio do Ultimate Fighting Championship (UFC) atingiu grande audiência mundial.

A revista Trip deste mês traz como uma das três opções de capa uma foto do atual campeão do UFC na categoria peso-pena, o também brasileiro José Aldo Júnior. A entrevista foi gravada em uma academia carioca onde, segundo o repórter, alguns alunos tentavam imitar o chute frontal com que Silva derrubou Belfort. O jornalista, infelizmente, não informa em quem os aspiras praticavam o golpe.

Desde a segunda-feira, a Rede Record está exibindo uma série de matérias sobre os "milhares" de brasileiros que treinam MMA, a chamada artes marciais mistas, muitos deles sonhando em se tornar o próximo Anderson Silva. Na terça-feira, eram pouco mais de oito da noite quando um sujeito com a cara toda machucada e uma orelha que mais parece uma couve-flor revelou ter ganhado US$ 300 mil em sua última luta nos Estados Unidos. E este é o tom: "brasileiros fazem fama e ganham muito dinheiro...e o jornal mostra como o Brasil é bom no ringue".

Uma revistas semanal de grande circulação nacional publicou com destaque em capa uma matéria sobre os lutadores de Vale Tudo. O portal IG este fim de semana exibia logo na home um ensaio com duas "musas do MMA".

A impressão é que a prática parece ter sido elevada à condição de esporte das multidões. O que, com ajuda da mídia, pode estar prestes a acontecer. No Orkut, uma comunidade como "Um Soco Vale + Que Mil Palavras" já tem 126.859 participantes. Doze vezes mais usuários que os reunidos na maior comunidade dedicada a Portuguesa de Desportos, a Lusa. Gente que discute sutilezas como "Qual o Melhor Lugar para se Acertar Um Soco??????", assim, de forma bem enfática.

"no nariz brother, pra quebrar logo, ai no decorrer da luta tu acerta outro só de raspão, que a garapa escorre de novo!!!", recomenda um internauta. "no queixo é foda...um dia levei um do professor vi ate estrela", alerta outro, sem revelar se continuou frequentando as aulas do mestre. "uma porrada no saco doi pra caralho", atesta um provável eunuco, menos malvado que um que sugere, sem pudor algum, que se soque o pomo de adão do adversário. Imagino que um golpe deste possa matar por asfixia.

Longe de mim fomentar preconceito contra quem curte um tatame. Por décadas, o senso comum via os surfistas quase como autistas (alguns são, mas há também alguns deles entre os jornalistas, advogados e em todas as outras atividades humanas). Skatistas já foram perseguidos e proibidos de praticar seu esporte, assim como os capoeiristas. Os pobres milionários jogadores de futebol até hoje não conseguiram superar a pecha de "ingnorantes" (sim, há os que são), mesmo o esporte já tendo produzido atletas como Sócrates, Raí, Leonardo e Kaká, para ficar apenas nos exemplos brasileiros. Eu próprio tenho vontade de treinar Krav Magá e só não o faço, ainda, por falta de tempo e, talvez, de disciplina, a mesma disciplina que, quero crer, a prática esportiva exige e aprimora.

Agora, sendo franco, quando penso em treinar uma luta não é porque acho a atividade desafiadora ou bonita do ponto de vista "estético", mas sim porque, da mesma forma que um país se sente compelido a adquirir armas mais poderosas quando seu vizinho reaparelha suas Forças Armadas, eu me sinto forçado a, se necessário, saber me defender de um cara cheio de testosterona a quem algum irresponsável tenha revelado o segredo do "chute do vácuo do Savamur". Portanto, me surpreende que a mesma mídia que tanto criticou a Venezuela por iniciar uma corrida armamentista na América Latina não reflita sobre o que está acontecendo nas ruas tomadas por creatina e outros suplementos vitamínicos.

A mim, que sou um ingênuo, parece complicado a mídia tentar faturar com o feito do Anderson Silva e demais brasileiros, mesmo sendo o primeiro um cara simpático, bem articulado e apresentável. Não dá para ignorar que, assim como a finalidade de uma arma é ferir, o objetivo de um lutador de Vale Tudo é "dar o sossega-leão" em seu adversário, sem muito espaço para sutilezas. Sem entrar no mérito da exibição de outras lutas violentas como o boxe, não vejo como os pais possam ensinar seus filhos que não se deve machucar os amiguinhos quando a Ana Maria Braga exibe para as famílias disfuncionais, durante o café da manhã com margarina, um adulto chutando o nariz de um sujeito já grogue. Ou com a tv mostrando um brutamontes socando a cara de outro caido e quase desfalecido. Dá para dissimular que aqueles pingos no tatame não são sangue de verdade? "Ah, mas nunca morreu ninguém". Eu tampouco sei de alguém que tenha morrido jogando sinuca e nem por isso campeonatos são exibidos na tv aberta, ainda que as casas e bares com mesas de snooker país a fora reúnam mais gente que as academias de luta livre.

Há, no Congresso Nacional, um projeto de lei tentando impedir a transmissão televisiva de lutas deste tipo. A julgar pela matilha de jovens que tenho visto na noite santista, brasiliense e paulista, concluo que isso não vai resolver o problema da violência - não falo aqui de assaltos, sequestros, latrocínios ou crimes passionais, mas do simples impulso destrutivo de medir forças. E não venham me dizer que quem treina descarrega toda sua agressividade na academia porque já pratiquei capoeira e, mesmo que durante um curto tempo, vi mais de um aluno brigando na rua desnecessariamente. Mas a proibição pode ser um sinal importante de que nossa sociedade já não comporta mais tanta agressividade. Principalmente sendo usada para vender carros e cartões de crédito. E quem quiser que vá improvisar seu próprio Clube da Luta no porão de casa, com ingresso liberado apenas para adultos que assinem um termo de responsabilidade.

segunda-feira, março 21, 2011

Em discussão, o valor da cultura na internet

Autor(es): André Miranda e Mauro Ventura
publicado no jornal O Globo – 20/03/2011

Nos últimos dias, uma discussão se espalhou como vírus pela internet: até que ponto um projeto na web deve ter um alto custo e receber apoio público, já que a rede é caracterizada por seu espírito independente e colaborativo? O debate foi levantado na última quarta-feira, após a divulgação, pelo jornal "Folha de S. Paulo", de que o governo autorizou o projeto O Mundo Precisa de Poesia a captar R$1,3 milhão em recursos via incentivo fiscal. A proposta, de acordo com sua própria sinopse, tem como objetivo a criação de "um blog inteiramente dedicado à poesia", em que um vídeo diferente será postado diariamente durante um ano. Os 365 vídeos trariam a cantora Maria Bethânia declamando poemas de grandes autores.

O valor foi considerado alto por muitos internautas. Os comentários criticavam desde o fato de o MinC aprovar um projeto para um blog até a destinação de um cachê de R$600 mil para o que seria a direção artística do projeto, a cargo de Bethânia.

- Existe uma ideia equivocada de que só se pode ter coisas toscas na internet. Quando o (antropólogo) Hermano Vianna me procurou para falar do projeto, a ideia era que qualquer um pudesse ter acesso a um material de qualidade - diz Andrucha Waddington, diretor dos vídeos. - Uma coisa é você postar uma poesia em seu blog. Outra é você fazer um vídeo conceitual por dia com uma artista como a Bethânia. Nossa proposta é que cada filmete tenha relação com o dia da semana, do mês ou do ano em que vá ao ar. E tudo isso será colocado na rede de forma gratuita e para uso de domínio público.

Os orçamentos para projetos de internet inscritos no MinC variam muito. De acordo com a assessoria técnica da pasta, muitos chegam a ultrapassar R$1 milhão, como o de Bethânia. Um desses é o do site Porta Curtas, de divulgação de curtas-metragens nacionais. A última proposta do Porta Curtas na Lei Rouanet foi autorizada a captar recursos em 31 de janeiro deste ano, no valor de quase R$1,5 milhão.

A maioria dos proponentes, porém, requisita verbas inferiores a R$1 milhão. Em 15 de fevereiro, o Portal Tela Brasil, site de divulgação audiovisual, recebeu autorização para captar R$434 mil. Em 25 de fevereiro, o projeto Fluxus - Festival Internacional de Cinema na Internet, de exibição de curtas nacionais e internacionais, teve aprovada uma proposta de R$252 mil. Pouco depois, em 16 de março, o projeto Artedigital.br, um banco de dados sobre a arte digital brasileira, recebeu um parecer favorável de R$303 mil.

- O problema é que o debate é distorcido. As pessoas não olham para o conteúdo produzido, não olham para o que aquele dinheiro está de fato remunerando. As pessoas só olham para o fato de ser na web e para o valor - diz Oona Castro, diretora-executiva do Instituto Overmundo, que tem como missão a promoção do "acesso ao conhecimento e à diversidade cultural no Brasil".

Hoje, a Lei Rouanet prevê sete áreas para incentivo fiscal: artes cênicas, artes integradas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural. Nenhuma delas é sobre internet, tanto que o projeto O Mundo Precisa de Poesia foi inscrito na rubrica do audiovisual.

- Disso tudo, vejo duas discussões salutares. A primeira é a supervalorização de projetos para outros meios e a desvalorização de projetos na internet. A outra são algumas distorções da Lei Rouanet, que levam as empresas a buscar projetos com artistas famosos para valorizar sua marca e ainda se beneficiarem do incentivo fiscal - afirma Oona.

Para o ensaísta e pesquisador Frederico Coelho, são dois os universos que estão em impasse. De um lado, a geração que está há dez anos na internet, pensando formas colaboracionistas e que não precisa de orçamento milionário. É uma geração em que a própria pessoa é o autor, o editor e o distribuidor. Do outro, os produtores de conteúdo que estão descobrindo que vão ficar para trás se não dialogarem com a web.

- Eles trazem os formatos de produção de suas áreas, com equipes caras, grandes orçamentos. Nesse momento, dizer para aquela geração da internet que é preciso R$1,3 milhão para fazer um projeto de vídeo na web é inaceitável. São universos ainda um pouco inconciliáveis, e por isso o diálogo é tão truncado - diz Coelho.

O editor Sergio Cohn, da Azougue, que tem aprovado no Fundo Nacional de Cultura - um mecanismo de apoio direto do governo a projetos culturais - investimentos para o portal Poesia.br, acha que o incentivo ao conteúdo brasileiro na web deveria ser maior.

- A língua portuguesa tem perdido espaço na internet. O Brasil tem que tomar seu espaço na web a partir de políticas que levem conteúdo para a rede. É importante, por exemplo, a digitalização de arquivos, que ficam acessíveis a qualquer pessoa - explica ele.

Sobre o custo de um projeto na rede, Cohn lembra que é preciso levar em conta a distribuição: não basta ele chegar à internet, tem que ganhar visibilidade.

- Há todo um trabalho de torná-lo visível, de permitir localizá-lo na web. E, para isso, são necessárias inteligências caras. Quanto mais o projeto trouxer soluções originais e eficientes, mais elas poderão ser replicadas e maior será o retorno cultural - acredita.

O Implicante dissecou o projeto aprovado


Tivemos acesso ao projeto referente ao blog de Maria Bethânia, cujos vídeos seriam/serão dirigidos por Andrucha Waddington. Cabem algumas considerações sobre os gastos previstos – o patrocínio será mediante renúncia fiscal (ou seja, empresas deixam de recolher aos cofres públicos para patrocinar esse blog).

O “Diretor Artístico”, É A PRÓPRIA BETHÂNIA, que receberá/receberia R$ 600 mil pelo blog (ou pelos vídeos, como queiram). “Coordenador Editorial” e “Coordenador do Projeto” receberão, CADA UM, R$ 120 mil. Os “consultores” (não explicam do quê) e o “produtor” receberão R$ 24 mil cada qual.

Tem mais. O Webdesigner levará R$ 6 mil, mas o “Programador Visual” ganha o dobro: R$ 12 mil. Além disso tudo, há previsão de manutenção e atualização do “sítio na Internet” (vulgo blog) e o responsável por isso receberá R$ 24 mil. É a mesma remuneração do “Assessor de Imprensa”, figura necessária a qualquer blog que se preze.

Para quem não sabe, a “captação de recursos” é remunerada e entra na planilha. O responsável por isso, sabe-se lá quem é, ganhará R$ 100 mil. Advogados e contador ganham o mesmo: R$ 30 mil cada. Mas ainda há a “Coordenação Administrativo-Financeiro” (sic), que levará R$ 60 mil. O motoboy, como era de se esperar, fica com apenas R$ 6 mil – um pouco mais que a conta de telefone, calculada em R$ 5 mil pra o projeto.
Falaram muito (mas MUITO) nos tais “materiais de consumo”. Pois bem: isso custará R$ 5 mil. Um décimo do INSS, projetado em R$ 50 mil. Em suma, a previdência ganhará mais do que o responsável pela pesquisa, pois este fica com R$ 36 mil.

Há valor previsto para “Filme” (não avisam se é o rolo do filme – e haja rolo! – ou qualquer outra coisa); o montante é de R$ 365 mil. O Editor de Som levará R$ 91 mil e a Legendagem fica por R$ 10,95 mil.

Não há verba a ser paga a título de “direitos autorais”, como suscitaram naquele fórum de direito tributário, física nuclear, futebol, humor e climatologia, o tuíter.

Enfim, é isso. Esse dinheiro, se captado, deixará de ser recolhido aos cofres públicos para outro tipo de finalidade.

Mas o melhor mesmo é a paródia criada por um blogueiro...


http://blogdabethania.blogspot.com/


sábado, março 19, 2011

O Discurso do Rei

Não. Eu não fui ver Barack Obama.

Até a distante madrinha Naninha, com quem fazia tempos eu não falava, me ligou para saber se eu fui testemunha deste "momento histórico". Não fui. Enquanto o presidente norteamericano desfilava garboso pela capital federal, protegido por um e$quema de $egurança de mai$ de 3.5 mil agente$ civi$  e militare$ bra$ileiro$, eu aproveitava meu dia de folga para limpar a casa e lavar a roupa suja. Sabem como é. A coisa anda feia. Além do mais, esta história de "homem mais poderoso do mundo", sei lá, me parece mais um desserviço do jornalismo tupiniquim que finge não saber que nem o império é mais o mesmo, nem Obama pode tanto assim (vide o caô da reforma do sistema de saúde).

Nem tv eu assisti. Portanto, não sei o menú do lunch oferecido pelo Itamaraty. Soube mais tarde que Obama a certa altura pediu licença e deixou um reunião com Dilma para, por telefone, autorizar um ataque à Líbia, isso sim um fato relevante. Apesar de tudo, espero que sua visita gere algumas divisas para ambos os países e que, acima de tudo, sirva para minimizar o preconceito racial brasileiro. Enquanto isso não acontece, continuo procurando dar conta da bagunça que faço. Ao menos em termos de faxina estou aprendendo. Ainda ficou coisa por fazer, mas como eu tinha mesmo que sair para almoçar e tinha uma sessão de O Discurso do Rei mais ou menos àquela hora...

A esta altura já não há mais o que falar sobre o filme que deu a Colin Firth o Oscar de Melhor Ator, mas, se interessa, na minha opinião, o filme, apesar de uma visão ingênua  sobre a realeza britânica, é  interessante , embora não mais que qualquer um dos outros indicados. Como já se disse, é o tipo de filme de que a Academia gosta. Confesso que se não fosse pelo Geoffrey Rush eu talvez nem tivesse assistido, mas vale o ingresso.

Boa mesmo é a exposição Dores da Colômbia, do pintor colombiano Fernando Botero, em cartaz na Caixa Cultural de Brasília, mas sobre isso eu falo amanhã (ou sabe Deus quando eu tiver tempo e disposição), já com algumas imagens. 

quinta-feira, março 10, 2011

Um português pessimista, mas não tanto (Ou Como Era Doce O Comunista)

Os livros de José Saramago não me entusiasmam. Não adianta. Fiz várias tentativas - agora mesmo, acabo de ler O Conto da Ilha Desconhecida, uma obra menor (tem apenas 62 páginas) do português premiado com o Nobel de literatura - mas não rola. Saramago definitivamente não faz minha cabeça. Mesmo assim, sempre admirei sua personalidade pública, ou como ele preferia dizer, o cidadão Saramago, que achava mais importante falar do mundo, ou melhor, sobre a situação das coisas no mundo, do que sobre seus livros.

Por suas entrevistas, Saramago sempre me pareceu uma figura interessante, sensível aos problemas sociais e crítico ferrenho das convenções modernas. Em um país profundamente católico, ele se proclamava ateu e chocou com o Evangelho Segundo Jesus Cristo. Mesmo após o proclamado "fim da História e das utopias", continuou dizendo-se comunista. Apoiava o MST. Confesso, contudo, que eu fazia dele uma imagem muito diferente da revelada no excelente documentário José e Pilar, em cartaz no cine Liberty, em Brasília, há dois meses e meio e ainda atraindo público.

Mais que registrar o processo criador (no caso, do seu último livro, A Viagem do Elefante) ou investigar as bases da obra de Saramago, o diretor português Miguel Gonçalves Mendes optou por registrar a intimidade do escritor com sua mulher, a jornalista espanhola Pilar del Rio. Acertou em cheio. Além de apresentar um Saramago apaixonado, afetuoso, divertido e bem-disposto já na casa dos 85 anos, o filme revela, principalmente ao público brasileiro, a interessante personagem que é Pilar, 28 anos mais jovem e igualmente apaixonada.

Já pelo cartaz do filme é possível antever o que virá. "Ele tem idéias para romances. Ela tem idéias para a vida". De forma que Saramago, que só aos 60 anos decidiu se dedicar exclusivamente à literatura, nos apresenta suas ácidas considerações sobre a inexistência de Deus, a morte, a política e a humanidade que, segundo ele, caminha para o abismo trucidando-se entre si enquanto o momento final não chega. Já a Pilar cabe o contato com o mundo concreto e a responsabilidade de tentar organizar minimamente as muitas solicitações feitas ao único autor de lingua portuguesa a ganhar o Nobel. Não à toa, alguns dos melhores momentos do filme cabem a Pilar, como a absurda e constrangedora entrevista concedida a um repórter português.

Em Saramago, razão de ser do documentário, o que mais me impressionou foi ver a falta de pudor com que ele revelava seus sentimentos diante não só das câmeras, mas de toda uma platéia de intelectuais e jornalistas convidados para o lançamento mundial, em São Paulo, de seu último livro. "Se há algo que eu posso dizer hoje, aos 86 anos, é que se tivesse morrido sem conhecer Pilar [aos 62], teria morrido muito mais velho que sou agora". Não era o tipo de coisa que eu imaginava ouvir do penúltimo comunista sobre a Terra (o último é o arquiteto Oscar Niemeyer). Em outro momento, ele demonstra como encerrar uma discussão conjugal antes que seja condenado a dormir no sofá por criticar o entusiasmo acrítico de Pilar por Hillary Clinton.

O filme não precisaria ser tão longo. Cenas como a visita de um grupo de jovens italianos à casa do escritor, na ilha de Lanzarote, ou mesmo a sucessão de entra e sai de aviões e coletivas de imprensa ao redor do mundo poderiam ter sido condensadas para não cansar o público. Por outro lado, faltou explorar um pouco mais as convicções políticas de Saramago, que, para alguém que não o conheça mas, eventualmente, assista ao filme, pode parecer o bom velhinho sereno e paciente (Não tenha pressa. Não perca tempo era uma de suas máximas). Mesmo assim, o filme é ótimo, prende e emociona. Graças, é lógico, à magnitude e ao carisma do casal. Fora que, sem pieguice, sem derramamento barato e sem forçar na mão, a vida em comum de Saramago e Pilar nos inspira a desejar semelhante companheirismo e cumplicidade.

Por isso, embora continue não curtindo sua escrita, acho mesmo que o português era mestre. E por tornar o mundo mais rico e interessante, só posso desejar-lhe, a ele que se chateava com a idéia da morte por associá-la ao "já não estar mais", que esteja bem, esteja lá em que "sítio" esteja. Ou que não esteja.

quarta-feira, março 09, 2011

Ressaca

MÍDIA
O jornalismo ainda é necessário? Imprescindível? Para quê? Informar? Entreter? Emocionar? Deformar? Vender apólice de seguro? Você viveria sem o noticiário? Lê jornais? Assiste atentamente aos telejornais? Qual a qualidade da informação que recebe? Qual a relevância do fatos a respeito dos quais a mídia nada te diz? O importante já foi dito? “Quem lê tanta notícia?”. O que a Veja faz é jornalismo? O Brasil de Fato? A Agência Brasil???? Quem? Quando? Como? Onde o por que de voltarem a noticiar o adiamento da compra dos novos caças para a Aeronáutica brasileira? E você com tudo isso? Se o Ronaldo beliscou a bunda do Edmundo...Se a presidenta, a exemplo de uma minoria afortunada que pode viajar durante os feriados, retoma sua agenda de trabalho na Quarta-feira de Cinzas a tarde...Se o Caetano vai à Sapucaí com a namorada...Que necessidade te suprem os jornalistas? Estar a par das últimas notícias é bom pro xaveco? Pra empregabilidade? Ou te torna um chato incrédulo a questionar tudo, inclusive a própria efetividade da imprensa?

segunda-feira, março 07, 2011

O Vencedor

"Você é apenas suficientemente bom para lutar, mas não para vencer? Pegue nosso sofrimento de todos esses anos e ponha no ringue, agora. Não desperdice sua chance". 

O Vencedor é mais que um filme sobre boxe. Na real, a maior vitória do pugilista Micky Ward, em cuja vida o roteiro é baseado, foi ultrapassar os limites que seu destino parecia lhe reservar

 Apesar de certo moralismo, da redençâo final a la Rocky e de ter sido produzido muito pouco tempo depois de O Lutador - o que torna inevitável algumas comparações -, é, a meu ver, dentre os indicados ao Oscar, o mais empolgante. Christian Bale surpreendente!

   

sábado, março 05, 2011

Leite, merrecas e a tirania do automóvel no Carnaval

Vem aí mais um feriado carnavalesco. E a exemplo de fevereiro de 2007, meu amigo, o surfista prego do Cerrado, Carlos Leite, tirou o pó da prancha e está viajando em busca de uma nova oportunidade para surfar. Tem dois meses que ele não se molha em águas salgadas, mas, mesmo assim, promete se divertir bastante, bem além da quarta-feira de Cinzas. Estou indo buscá-lo em Congonhas daqui a pouco. Eu só temo que ele não consiga surfar já que a ondulação que atingiu o litoral paulista nos últimos três dias perdeu força e o mar, hoje, baixou. Agora é rezar para que a previsão de um novo swell se confirme.  


Enquanto as ondas não voltam a quebrar, o prego recomenda a leitura do livro Apocalipse Motorizado - A Tirania do Automóvel Em Um Planeta Poluído, da coleção Baderna da editora Conrad (156 páginas), uma radical análise da insustentável organização de nosso atual sistema de transportes e sobre a excessiva importância dada aos veículos individuais em nossa sociedade. Curiososo, já que passei duas noites em São Paulo para, além de rever os amigos, fugir do congestionamento no Sistema Anchieta-Imigrantes, fui atrás de mais informações e encontrei a seguinte entrevista com o organizador do livro, o catarinense Ned Ludd: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/03/275270.shtml

Este tal Lope de Vega

Estreou ontem (4), em algumas cidades brasileiras, o filme Lope, uma co-produção Brasil/Espanha dirigida por Andrucha Waddington (Eu Tu Eles - Casa de Areia) sobre os anos de formação do dramaturgo e poeta espanhol Lope de Vega (1562-1635), um dos mais importantes e produtivos de seu país.

Produção de época, o filme é técnicamente impecável. Roteiro, figurinos, fotografia, maquiagem e direção de atores corretíssimos. No entanto, falta paixão à narrativa. Principalmente na elaboração da personagem principal, interpretada pelo argentino Alberto Ammann.

Ammann parece ser um bom ator (em 2010 recebeu o prêmio Goya de ator revelação por sua participação em `Celda 2011´, até onde sei, inédito no Brasil) e não está mal, mas sua atuação excessivamente contida reduz ao mínimo uma das características mais comentadas da personalidade de Lope, ou seja, sua capacidade de despertar e de viver grandes paixões. Característica esta que se vê derramada em sua obra, como no poema que encerra o filme: 

                                    
                                            DEFINIÇÃO DO AMOR

                                        Desmaiar-se, atrever-se, estar furioso
                                        áspero, terno, liberal, esquivo,
                                        alentado, mortal, defunto, vivo,
                                        leal, traidor, covarde e valoroso;
                                        não ver, fora do bem, centro e repouso,
                                        mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,
                                        enfadado, valente, fugitivo,
                                        satisfeito, ofendido, receoso;
                                        furtar o rosto ao claro desengano,
                                        beber veneno qual licor suave,
                                        esquecer o proveito, amar o dano;
                                        acreditar que o céu no inferno cabe,
                                        doar sua vida e alma a um desengano,
                                        isto é amor; quem o provou bem sabe.


Apesar disso, os acertos fazem valer o ingresso. Além da oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o escritor (infelizmente, bem pouco sobre o que de fato interessa, ou seja, sua obra), é a prova de que, com os recursos necessários, um brasileiro sabe como fazer filmes de época tão ao convencional gosto do mercado.  

Detalhe: há brasileiros também diante das câmeras. Sônia Braga vive a mãe de Lope, mas sua participação se resume a não mais que dez minutos, e Selton Mello interpreta um nobre que contrata os serviços do poeta para tentar conquistar, sem o saber, a amiga de infância deste. Clichê? Sim, é, mas, enfim... 

sexta-feira, março 04, 2011

Cisne Semifosco

Alex Rodrigues
De São Paulo

A Caiçaras Entertainment anunciou esta manhã que já estão em andamento as filmagens de sua nova produção, o Cisne Semifosco. Obtidas com exclusividade por este blog, as primeiras imagens mostram Companheiro Navarro durante a exaustiva rotina de exercícios e ensaios a que teve que se submeter para assumir o duplo papel de bêbado e equilibrista.
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 Livremente inspirado na clássica obra Lago dos Cisnes, a versão brasileira será ambientada principamente em inferninhos da Rua Augusta e nas imediações do Elevado Costa e Silva, vulgo, Minhocão. Cenas adicionais em Olinda serão rodadas neste Carnaval e uma possível sequência na roda de samba do Ouro Verde, em Santos, ainda está em estudo. 
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Após a desistência do diretor Heitor Dhalia (que os produtores acreditavam ser o mais credenciado para assumir tal desafio já que filmou o excelente Nina, também sobre a falta de noção), a produtora decidiu dar seu voto de confiança à estreante Bernadete Alves, jornalista e colunista social brasiliense que estréia no segmento ficcional com este terrir que promete ser a menor produção do ano. A preparação do elenco (cujos nomes, além do de Companheiro, estão sendo mantidos em sigilo) ficará a cargo do ator Paulo Celestino (grupo XIX de Teatro).
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Mesmo sem o aval das leis de renúncia fiscal, o projeto conta com os apoios culturais do Bar do Zé, Hotel Golfinho, restaurante Mané das Codornas e TV Brasil.  A assessoria da Caiçaras não soube responder quando o filme deve estar concluído e nem se irá estrear nos cinemas brasileiros, mas garantiu que caso isso não aconteça por falta de interesse das distribuidoras, irá disponibilizar a obra no YouTube logo após ela seja exibida pela emissora pública de tv.
 

quinta-feira, março 03, 2011

Com o bloco Rua Augusta a fora

Para os amigos Cristiano Navarro, Guilherme Strozi, Marco Antonio Delgado, Paulo Celestino, Kátia Buzar e, lógico, Carlos Leite

...cada qual a seu modo, mantendo o bloco na rua


À memória de Sérgio Sampaio

Comentam pelas ruas da cidade que ele sempre foi muito mais visto por ali do que o seu conterrâneo mais famoso, o compositor Roberto Carlos. A irmã, Mara, ouve até hoje o som do seu assovio quando chega a Cachoeiro de Itapemirim para visitar parentes. Hoje, morando em Vitória, capital do Espírito Santo, não precisa se deslocar à cidade em que nasceu para relembrar de como era viver ao lado do seu irmão Sérgio Sampaio, autor do disco “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua” (1973), que, se vivo, completaria 60 anos no dia 13 de abril.

Sérgio Sampaio – que faleceu em maio de 1994 - luta até hoje para que sua música seja reconhecida do tamanho que ela é, para que a cidade em que nasceu e onde foi finalmente sepultado em 1998, após ficar dois anos esquecido em um cemitério no Rio de Janeiro, celebre em sua história os pensamentos deste artista de vanguarda, responsável por uma mistura única do tradicionalismo da música nacional com a febre da composição eletrônica da guitarra.

Em Cachoeiro, sul do Espírito Santo, cidade que Sérgio tanto celebrou em conversas com amigos, não houve passeata para lembrar do seu nascimento. As escolas não fizeram peças de teatros, a prefeitura não organizou shows nem nenhum outro tipo de homenagem. A cidade calou-se em um minuto de silêncio que já dura décadas.

Alertados sobre a data, produtores culturais da cidade se movimentaram. No dia 14 a Secretaria de Cultura da cidade organizou um evento musical em homenagem a...
Vinícius de Moraes. Não tinham tempo para falar de Sérgio, mas iriam mencioná-lo de raspão na celebração ao carioca.

O compositor, que sempre quis ter uma canção sua gravada por Roberto Carlos – o que nunca ocorreu -, viveu no ostracismo, sendo o adjetivo de ‘maldito’ muito mais dito do que a própria obra.

A irmã Mara lamenta. Dói para ela saber que Sérgio Sampaio está esquecido, que não é nome de rua, não é nome de praça, não é nome de escola, não é lembrança de nada. Cachoeiro apagou para si a memória de um dos nomes mais importantes da história da música latino-americana.

De longe, Mara ouve na memória os assovios do irmão e afirma que mesmo famoso para uns, o Sérgio só queria o tempo todo ir a Cachoeiro encontrar a família e os amigos de bar. “Era nas letras dele que você podia sentir o que ele queria”, comenta. E isso, o próprio Sérgio deixou claro: “Tudo cruel, tudo sistema (...) Eu subo e nunca estou no céu”.

Açougue Cultural

 
O que há em comum entre o alemão Hermann Hesse, o "bruxo do Cosme Velho" Machado de Assis, o mineiro Fernando Sabino e o português José Saramago além do fato de serem escritores e estarem mortos?

Antes, deixem-me aproveitar para explicar um possível mal-entendido. Os três amigos que leem com alguma regularidade as besteiras que escrevo provavelmente lembram quem de fato eu sou, ou seja, minha origem caiçara/estudante de escola pública/por muito tempo subempregado e, portanto, duro. Já alguns visitantes que chegarem a esta página semifosca ao pesquisar no google um termo qualquer podem se enganar ao ver fotos de viagens e menções a tantos filmes, livros e, principalmente, shows. Não, não sou playboy. Talvez a avidez por informação seja justamente uma compensação à falta da mesma durante boa parte da minha adolescência, quando não havia MTV, internet, tv a cabo e nem a quantidade de títulos de revistas existentes hoje.

A (minha?) verdade é que, por sorte, destino, vocação ou esforço, tornei-me "um espectador privilegiado" de coisas agradáveis que, para a maioria, estão associadas ao "dolce far niente" pequeno burguês. Agora, se me considero privilegiado é não apenas porque esse usufruto cultural POSSIBILITA que eu me constitua como alguém melhor (não que o faça), mas principalmente porque o custo tem sido, digamos, mínimo e acessível.

Fui de graça a maioria dos shows que comentei aqui. Vou ao cinema de preferência em dias e horários promocionais. Exposições quase sempre são gratuitas. As viagens são feitas no esquema mochilão-albergue. Tirando os lançamentos, os livros são comprados  ou trocados em sebos. Se antes os jornais já traziam parte da agenda cultural sem grande preocupação com valores, atualmente, sites como o Catraca Livre indicam programas a custo zero ou quase.
 
O que quero dizer é que para desfrutar da cultura, disposição e informação são mais importantes que grana. Lógico que sempre é preciso ter alguma pataca no bolso, nem que seja a do busão, mas cansei de ver gente reclamando do preço do ingresso de uma porcaria de peça com um global qualquer enquanto uma Denise Stoklos se apresentava praticamente de graça em uma pequena e modesta sala vazia (aliás, neste sábado ela se apresenta no Auditório da Reitoria da UFMG, Campus Pampulha, em Belo Horizonte. Preço? Míseros R$ 10).

Em Brasília, pouca gente já foi ao teatro Espaço Cena, na 205 Norte. Em Santos, muitos conhecidos jamais assistiram a um único filme no Cine Arte Posto 4, cujo ingresso, da última vez que lá estive, era R$3. Em São Paulo, todo dia tem ao menos um show-peça-debate-exposição em um dos vários Sesc espalhados pela cidade e, ainda assim, tem quem reclame que não dá para ir ao teatro porque a peça com a boazuda global da vez custa R$ 60. Com o ingresso de um mega-show internacional eu banco a entrada para shows de boas bandas brasilienses durante os finais de semana de um mês inteiro e ainda deve sobrar para umas duas cervejinhas. Às vezes o show internacional é imprescindível, mas a vida é assim, feita de opções.

E o que tem tudo isso a ver com Hesse, Assis, Sabino e Saramago? É que, mesmo mortos, eles neste momento estão ao pé da minha cama, aguardando minha disponibilidade. Prova incontestável de que, normalmente, o interesse por cultura cria ele próprio as condições para se satisfazer. Basta estar atento.

Ia eu domingão a tarde caminhando pela W3 Norte quando, ao passar por um ponto de ônibus, algo me chama a atenção. Estanco, dou um passo atrás, volto a olhar com mais atenção e confirmo que há ali, sobre uma pilha de livros dispostos numa prateleira, um exemplar de Demian, de Hermann Hesse. "É meu!", penso enquanto o pego e me surpreendo ao ver que, abaixo dele está um exemplar de Memórias Póstumas de Brás Cubas, do Machado de Assis. "Poxa! Hoje deve ser meu dia de sorte", concluo enquanto vasculho as outras pilhas e vou encontrando outros títulos que me interessam: A Companheira de Viagem, do Sabino; a Ilha Desconhecida, do Saramago. Tinha mais coisas, mas achei que seria avareza sair coletando tudo e não deixar nada para quem viesse depois. Só não resisto a acrescentar aos selecionados A Primeira Reportagem, romance policial infantojuvenil de Sylvio Pereira, lançado pela clássica Coleção Vagalume e o primeiro que vou ler.

Volto para casa munido de boa leitura sem ter gasto um único centavo. Quanto tempo aqueles livros estariam ali? Quantas pessoas terão parado naquele ponto e esperado pelo seu ônibus e deixado de descobrir Demian? Por outro lado, quantas pessoas já terão se beneficiado do projeto Parada Cultural - Biblioteca Popular 24 horas, criado pelo açougueiro Luiz Amorim, um agitador cultural de Brasília que aprendeu a ler aos 16 anos, e que visa estimular a leitura entre os usuários de transporte coletivo? Admito que é raro encontrar, juntos, tantos bons livros de bons autores em um único ponto já que as bibliotecas estão instaladas ao longo das avenidas W3 e L2 Norte, duas das mais importantes da capital federal. Mesmo assim, é uma iniciativa louvável e que me obriga a revisar o que escrevi: além de disposição e informação, é preciso também estar atento.  

quarta-feira, março 02, 2011

Bravura Indômita - Ótimo

Menos fantasiosos, porém não menos divertidos do que em filmes anteriores como os excelentes Onde os Fracos Não Tem Vez ou Queime Depois de Ler, os irmãos Cohen voltam a acertar a mão em Bravura Indômita, cuja primeira adaptação (1969) ao cinema já havia rendido ao ícone maior do velho estilo hollywoodiano, John Wayne, seu único Oscar. Irônico que quatro décadas depois, a versão dos Cohen não tenha levado nenhuma estatueta, mesmo tendo recebido dez indicações ao prêmio.

E ainda em se tratando de Oscar, como não vi a O Vencedor, não posso afirmar que o prêmio de melhor atriz coadjuvante para Melissa Leo tenha sido uma injustiça com a jovem Hailee Steinfeld, de apenas 14 anos. Mas que esta dá um show, ah!, isso dá. A meu ver, já em seu primeiro papel no cinema, a nova Mattie Ross - a protagonista de Bravura Indômita - rouba a cena de Jeff Bridges, no papel do feio, sujo e caolho xerife Rooster Cogburn, e do irreconhecível Matt Damon.

Pontos altos do filme: os sempre irônicos e inusitados diálogos presentes nos filmes dos Cohen, as cenas de puro nonsense, como a aparição de um médico-curandeiro vestindo uma pele de urso para se proteger do frio e a trilha sonora.  Além da coesão do elenco, todo ele muito bom. Com uma pequena ressalva: o próprio Bridges, que atua de forma comedida desde a excelente sequência inicial no tribunal, em que sua personagem é apresentada ao público, até a cena em que tenta provar aos seus companheiros de viagem que o fato de ser cego de um olho não o atrapalha na hora de atirar, quando parece adotar o tom de comédia explícita sem que nada no filme indique tal mudança. Nada, contudo, que tire o brilho deste excelente filme. 



terça-feira, março 01, 2011

Da série recordar é viver...

Dois textos escritos em janeiro de 2008 sobre um pequeno paraíso encravado em meio à floresta amazônica
(fotos: Pousada Uacari - http://www.uakarilodge.com.br/)


Reserva ecológica é exemplo de como conciliar preservação com desenvolvimento

Em Mamirauá, avistar uma onça é um bom sinal. Não por crendice popular, mas porque os moradores da reserva localizada próxima a Tefé (AM) sabem que se o mamífero que ocupa o topo da escala alimentar está rondando a região é porque tem o que comer. Uma evidência de que a fauna se recompôs. "As onças que ninguém mais via, [agora] tem até demais", brinca Afonso Silva Carvalho, que desde 1990 atua como assistente da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá.
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Segundo a diretora do instituto responsável pela gestão da reserva, Ana Rita Alves, ao longo dos últimos 15 anos o estoque do pirarucu - um dos maiores peixes de água doce do mundo, podendo atingir até 3 metros de comprimento - também aumentou nos lagos da reserva. Graças aos planos de manejo elaborados por pesquisadores do instituto em parceria com os moradores da reserva, garante Ana Rita.

"Em 1993, o tamanho médio do pirarucu pescado era de 1 metro e 40 centímetros. Em 2004, ultrapassamos 1 metro e 60 centímetros. É com base nessas informações que definimos o plano de manejo e decidimos que peixes podem ser pescados e em que época" diz Ana Rita. Este ano, foram cerca de 370 peixes, ou 30% dos pirarucus adultos encontrados nos lagos. "Também temos trabalhos para preservar as tartarugas, cujo estoque estava praticamente a zero em 1996. Estimulamos as comunidades a não apanhar os ovos depositados nas praias de várzeas", completa.
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Criada em 1990 e localizada entre os rios Solimões, Japurá e Auatí-Parará, a três horas de lancha de Tefé (AM), Mamirauá foi a primeira reserva de desenvolvimento sustentável a ser criada no país. A categoria só passou a integrar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) em 2000. Antes, o biólogo José Márcio Ayres já havia conseguido que a área fosse reconhecida como uma estação ecológica.
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Ao chegar à região no início da década de 1980, Ayres se empenhou em proteger a área que abrigava seu objeto de estudo, o macaco uacari-branco (Cacajao calvus calvus). Não tardou a perceber que a conservação da biodiversidade passa por questões como a melhoria da qualidade de vida das populações carentes. Quem acompanhou o biólogo na jornada de criar Mamirauá lembra que ele defendia que, sem conscientizar as pessoas e proporcionar alternativas econômicas para que conservem o ambiente, ele jamais será preservado.
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"O modelo de Mamirauá é inovador porque foi proposto para unidades de conservação de importância biológica, com a presença continuada da população. Já numa estação ecológica você preserva o ambiente, mas retira a população. E não há lógica em retirar pessoas que há tempos estão assentadas nessas áreas ", diz Ana Rita, alegando que a possibilidade de aplicar o modelo em outras áreas rurais da Amazônia e outros biomas é outra inovação.
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A reserva ocupa uma área pertencente ao estado do Amazonas. Para percorrer de barco seu 1.124 milhão de hectares são necessários de cinco a seis dias. Um convênio com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável permite que o Instituto Mamirauá realize pesquisas no local e na reserva contígua, Amanã, de 2.313 milhões de hectares. "É importante termos as unidades de conservação, mas é ainda mais importante não tê-las apenas no papel. Executar um trabalho para que essas áreas cumpram realmente suas finalidades".
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O Instituto Mamirauá foi criado em 1999 para dar continuidade à implementação da reserva. Além de receber recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia, o instituto permite que cada pesquisador autorizado a trabalhar no local capte onde for possível os recursos necessários aos seus estudos. Ana Rita garante que quando uma pesquisa vai ser realizada, a população é consultada. "Temos casos de pesquisadores que não puderam continuar os estudos porque as comunidades não aceitaram".
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Segundo Ana Rita, o objetivo do Instituto Mamirauá é preservar a natureza assegurando, por meio de alternativas de trabalho para as comunidades, a melhoria da qualidade de vida da população, valorizando, conservando e aperfeiçoando as técnicas de manejo já existentes. "Os conhecimentos tradicional e científico interagem em busca da forma mais adequada de utilizar os recursos naturais disponíveis. É um trabalho entre a ciência para a conservação com respeito à cultura local".
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Visando a melhoria da qualidade de vida dos moradores, o Instituto Mamirauá desenvolve ações de educação ambiental, saúde, comunicação, moradia, entre outras iniciativas de organização e articulação comunitária. "Temos convênio para projetos como o Ministério da Saúde, mantemos uma escola flutuante de educação ambiental onde realizamos cursos para parteiras e enfermeiros".
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À importância geopolítica e ao tamanho da Amazônia, Ana Rita Pereira Alves contrapõem ameaças e problemas "superlativos". "Nosso objetivo é preservar essa riqueza e tentar solucionar parte dos problemas. A região pede respostas domésticas, mas precisa da mobilização nacional para alcançar os objetivos de preservação da floresta".



Ecoturismo e manejo sustentável permitem a moradores ajudar a conservar reserva

Além da satisfação dos que se hospedaram em uma das dez suítes flutuantes construídas no interior da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, a cerca de três horas de barco de Tefé (AM), o livro de recados sobre o balcão da Pousada Uacari registra o sucesso da iniciativa de implantar o ecoturismo como alternativa econômica para os moradores da unidade de conservação.

Gerenciada por integrantes da própria comunidade, a pousada incentiva as pessoas a conservar os recursos naturais da área. Os lucros, segundo a diretora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Ana Rita Alves, são divididos entre o sistema comunitário de vigilância e as comunidades locais. “Recebemos pedidos de centenas de turistas, mas isso iria impactar o ambiente. Só podemos receber 20 hóspedes por vez”, diz Ana Rita.

A população de Mamirauá é de cerca de 11 mil moradores e usuários (moradores de comunidades próximas), distribuídos em 218 localidades, expressão empregada para abranger desde as comunidades até sítios com apenas duas casas. As localidades são organizadas em 19 setores que agrupam uma série de comunidades. Doze deles contam com representantes eleitos pela própria comunidade para servir de elo com o instituto.

“Nós os visitamos a fim de mantê-los informados sobre os trabalhos que estão sendo executados. Eles, por sua vez, conversam com a comunidade e, a cada dois meses, realizamos uma reunião com as lideranças para tomar as decisões”, explica Ana Rita. Anualmente, os moradores elegem em assembléia geral as prioridades para o ano seguinte. “Apesar de procurarmos orientar essa votação, muitas vezes pontos que achamos importantes não são aprovados”.

Como o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá também atua na Reserva de Amanã, contígua a Mamirauá, Ana Rita calcula que o trabalho do instituto beneficia até 150 mil pessoas dos municípios próximos. “Nossos programas de saúde, científicos e de educação ambiental tem influência em municípios que fiquem num raio de 20 quilômetros da reserva”.

Além dos programas de ecoturismo e dos planos de manejo para pesca e exploração madeireira, o Instituto Mamirauá busca incentivar a agricultura e o artesanato, atividade que estava quase esquecida.

Ana Rita já comemora alguns bons resultados. O desmatamento na reserva vem diminuindo, já que os moradores estão usando as áreas de capoeira para o replantio. A mortalidade infantil caiu de 87 óbitos por mil nascimentos, em 1994, para 23 a cada mil. A renda domiciliar cresceu, acompanhando a valorização dos produtos locais, como a madeira que de R$ 17,50 o metro cúbico, chegou aos atuais R$ 62 quando certificada. Com o aumento da renda, os moradores puderam adquirir telas contra mosquitos paras suas casas, o que ajudou a reduzir a inciência dos casos de malária.

Ana Rita diz que a organização comunitária é o trabalho mais árduo. E lembra dos percalços. “Quando o projeto Mamirauá começou, as pessoas o rejeitavam. Imagina, estávamos fechando uma área até então aberta para todos coletarem seus recursos. Isso causou muitos conflitos de interesses. Gente que não pôde mais explorar a madeira, pescar de forma predatória. Começaram a divulgar que só tinha estrangeiro em Mamirauá. Que transportávamos de helicópteros peixe-boi para a Bélgica”, lembra a diretora.

Segundo Ana Rita, aos poucos, a percepção das pessoas foi mudando. “Percebendo que os recursos naturais estavam se esgotando, que quase já não havia mais peixes, as comunidades que não estavam no projeto passaram a nos procurar e pedir para atuarmos em suas localidades”.

Para se prevenir contra eventuais acusações quanto à atuação, a organização aposta na comunicação. “Nossa principal preocupação é divulgar nossas atividades. E todo pesquisador estrangeiro que apresenta uma proposta de pesquisa tem de, antes, ser autorizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [Cnpq]. Todos os pesquisadores estrangeiros que atuam na Mamirauá são autorizados a trabalhar”, explica a diretora administrativa Selma Freitas.

Ainda há queixas, lógico. Principalmente entre quem está fora da reserva, como reconhecem os administradores. Mas também entre quem ajuda a preservar a área.

“Precisamos de apoio para fiscalizar a área”, pede o assistente Afonso Silva Carvalho. “Em 1990, quando estávamos fazendo o zoneamento da reserva, havia madeireiros, pescadores, comerciantes. Estavam destruindo a reserva. Hoje, está um pouco melhor. Não foi 100%, mas a qualidade de vida de cada um melhorou, digamos, 60%. Ainda vem muito pescador com redes, mas pelo menos os grandes barcos de pesca deixaram de entrar na área” diz Carvalho, admitindo que há entre os próprios habitantes da reserva quem não respeite os planos de manejo.

Já o guarda-parques Arismar Cavalcante Martins se sente inseguro para impedir os abusos. Há apenas dois guardas devidamente registrados para cuidar do 1.124 milhão hectares da reserva. Ganham apenas R$ 400 e contam com a ajuda de 16 agentes ambientais que recebem R$ 20 por dia de trabalho.

Arismar diz que o trabalho é perigoso. “No dia-a-dia, a gente enfrenta os invasores que vêm para levar o pirarucu. Eles são violentos e muitas vezes reagem contra a fiscalização. Não temos recursos para cuidar da nossa área. E não temos direito de usar armas, mesmo nosso trabalho sendo muito perigoso”.