segunda-feira, março 21, 2011

Em discussão, o valor da cultura na internet

Autor(es): André Miranda e Mauro Ventura
publicado no jornal O Globo – 20/03/2011

Nos últimos dias, uma discussão se espalhou como vírus pela internet: até que ponto um projeto na web deve ter um alto custo e receber apoio público, já que a rede é caracterizada por seu espírito independente e colaborativo? O debate foi levantado na última quarta-feira, após a divulgação, pelo jornal "Folha de S. Paulo", de que o governo autorizou o projeto O Mundo Precisa de Poesia a captar R$1,3 milhão em recursos via incentivo fiscal. A proposta, de acordo com sua própria sinopse, tem como objetivo a criação de "um blog inteiramente dedicado à poesia", em que um vídeo diferente será postado diariamente durante um ano. Os 365 vídeos trariam a cantora Maria Bethânia declamando poemas de grandes autores.

O valor foi considerado alto por muitos internautas. Os comentários criticavam desde o fato de o MinC aprovar um projeto para um blog até a destinação de um cachê de R$600 mil para o que seria a direção artística do projeto, a cargo de Bethânia.

- Existe uma ideia equivocada de que só se pode ter coisas toscas na internet. Quando o (antropólogo) Hermano Vianna me procurou para falar do projeto, a ideia era que qualquer um pudesse ter acesso a um material de qualidade - diz Andrucha Waddington, diretor dos vídeos. - Uma coisa é você postar uma poesia em seu blog. Outra é você fazer um vídeo conceitual por dia com uma artista como a Bethânia. Nossa proposta é que cada filmete tenha relação com o dia da semana, do mês ou do ano em que vá ao ar. E tudo isso será colocado na rede de forma gratuita e para uso de domínio público.

Os orçamentos para projetos de internet inscritos no MinC variam muito. De acordo com a assessoria técnica da pasta, muitos chegam a ultrapassar R$1 milhão, como o de Bethânia. Um desses é o do site Porta Curtas, de divulgação de curtas-metragens nacionais. A última proposta do Porta Curtas na Lei Rouanet foi autorizada a captar recursos em 31 de janeiro deste ano, no valor de quase R$1,5 milhão.

A maioria dos proponentes, porém, requisita verbas inferiores a R$1 milhão. Em 15 de fevereiro, o Portal Tela Brasil, site de divulgação audiovisual, recebeu autorização para captar R$434 mil. Em 25 de fevereiro, o projeto Fluxus - Festival Internacional de Cinema na Internet, de exibição de curtas nacionais e internacionais, teve aprovada uma proposta de R$252 mil. Pouco depois, em 16 de março, o projeto Artedigital.br, um banco de dados sobre a arte digital brasileira, recebeu um parecer favorável de R$303 mil.

- O problema é que o debate é distorcido. As pessoas não olham para o conteúdo produzido, não olham para o que aquele dinheiro está de fato remunerando. As pessoas só olham para o fato de ser na web e para o valor - diz Oona Castro, diretora-executiva do Instituto Overmundo, que tem como missão a promoção do "acesso ao conhecimento e à diversidade cultural no Brasil".

Hoje, a Lei Rouanet prevê sete áreas para incentivo fiscal: artes cênicas, artes integradas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural. Nenhuma delas é sobre internet, tanto que o projeto O Mundo Precisa de Poesia foi inscrito na rubrica do audiovisual.

- Disso tudo, vejo duas discussões salutares. A primeira é a supervalorização de projetos para outros meios e a desvalorização de projetos na internet. A outra são algumas distorções da Lei Rouanet, que levam as empresas a buscar projetos com artistas famosos para valorizar sua marca e ainda se beneficiarem do incentivo fiscal - afirma Oona.

Para o ensaísta e pesquisador Frederico Coelho, são dois os universos que estão em impasse. De um lado, a geração que está há dez anos na internet, pensando formas colaboracionistas e que não precisa de orçamento milionário. É uma geração em que a própria pessoa é o autor, o editor e o distribuidor. Do outro, os produtores de conteúdo que estão descobrindo que vão ficar para trás se não dialogarem com a web.

- Eles trazem os formatos de produção de suas áreas, com equipes caras, grandes orçamentos. Nesse momento, dizer para aquela geração da internet que é preciso R$1,3 milhão para fazer um projeto de vídeo na web é inaceitável. São universos ainda um pouco inconciliáveis, e por isso o diálogo é tão truncado - diz Coelho.

O editor Sergio Cohn, da Azougue, que tem aprovado no Fundo Nacional de Cultura - um mecanismo de apoio direto do governo a projetos culturais - investimentos para o portal Poesia.br, acha que o incentivo ao conteúdo brasileiro na web deveria ser maior.

- A língua portuguesa tem perdido espaço na internet. O Brasil tem que tomar seu espaço na web a partir de políticas que levem conteúdo para a rede. É importante, por exemplo, a digitalização de arquivos, que ficam acessíveis a qualquer pessoa - explica ele.

Sobre o custo de um projeto na rede, Cohn lembra que é preciso levar em conta a distribuição: não basta ele chegar à internet, tem que ganhar visibilidade.

- Há todo um trabalho de torná-lo visível, de permitir localizá-lo na web. E, para isso, são necessárias inteligências caras. Quanto mais o projeto trouxer soluções originais e eficientes, mais elas poderão ser replicadas e maior será o retorno cultural - acredita.

O Implicante dissecou o projeto aprovado


Tivemos acesso ao projeto referente ao blog de Maria Bethânia, cujos vídeos seriam/serão dirigidos por Andrucha Waddington. Cabem algumas considerações sobre os gastos previstos – o patrocínio será mediante renúncia fiscal (ou seja, empresas deixam de recolher aos cofres públicos para patrocinar esse blog).

O “Diretor Artístico”, É A PRÓPRIA BETHÂNIA, que receberá/receberia R$ 600 mil pelo blog (ou pelos vídeos, como queiram). “Coordenador Editorial” e “Coordenador do Projeto” receberão, CADA UM, R$ 120 mil. Os “consultores” (não explicam do quê) e o “produtor” receberão R$ 24 mil cada qual.

Tem mais. O Webdesigner levará R$ 6 mil, mas o “Programador Visual” ganha o dobro: R$ 12 mil. Além disso tudo, há previsão de manutenção e atualização do “sítio na Internet” (vulgo blog) e o responsável por isso receberá R$ 24 mil. É a mesma remuneração do “Assessor de Imprensa”, figura necessária a qualquer blog que se preze.

Para quem não sabe, a “captação de recursos” é remunerada e entra na planilha. O responsável por isso, sabe-se lá quem é, ganhará R$ 100 mil. Advogados e contador ganham o mesmo: R$ 30 mil cada. Mas ainda há a “Coordenação Administrativo-Financeiro” (sic), que levará R$ 60 mil. O motoboy, como era de se esperar, fica com apenas R$ 6 mil – um pouco mais que a conta de telefone, calculada em R$ 5 mil pra o projeto.
Falaram muito (mas MUITO) nos tais “materiais de consumo”. Pois bem: isso custará R$ 5 mil. Um décimo do INSS, projetado em R$ 50 mil. Em suma, a previdência ganhará mais do que o responsável pela pesquisa, pois este fica com R$ 36 mil.

Há valor previsto para “Filme” (não avisam se é o rolo do filme – e haja rolo! – ou qualquer outra coisa); o montante é de R$ 365 mil. O Editor de Som levará R$ 91 mil e a Legendagem fica por R$ 10,95 mil.

Não há verba a ser paga a título de “direitos autorais”, como suscitaram naquele fórum de direito tributário, física nuclear, futebol, humor e climatologia, o tuíter.

Enfim, é isso. Esse dinheiro, se captado, deixará de ser recolhido aos cofres públicos para outro tipo de finalidade.

Mas o melhor mesmo é a paródia criada por um blogueiro...


http://blogdabethania.blogspot.com/


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