As primeiras reações à obra beatnik
(continuação do post acima)
Esta semana, ao passar por uma banca de jornal do Centro de São Paulo, a capa do livro Quando eu era o tal – minha vida na Jack Kerouac School, de Sam Kashner, chamou minha atenção. Há algum tempo eu andava querendo lê-lo e inclusive cheguei a sugerir que me dessem como presente de amigo-secreto. Isso enquanto ele estava caro. Agora, como não o ganhei, achei melhor não perder a oportunidade de adquiri-lo por...R$ 9.90.
Na mesma noite, em um quarto barato da Avenida São João, ouvindo os atuais “junkies” viciados em crack uivarem na cinzenta noite paulistana, comecei a ler sobre a experiência de Kashner como primeiro “aluno” da Jack Kerouac School of Disembodied Poetics, um curso de literatura criado em 1975 por Allen Ginsberg e um professor de meditação budista tibetano, onde “lecionavam” Burroughs, Peter Orlovsky, Gregory Corso e outros.
Apesar dos vários erros de edição (atenção, editora Planeta) e da impressão de que Kashner, um autor semi-desconhecido norte-americano, parece querer `aparecer na foto´ ao lado de alguns dos mais significativos escritores das últimas décadas (Kerouac, apesar da obra irregular, sem duvida o é, graças a On The Road), o livro traz algumas observações interessantes, desconstruindo ou pelo menos rearranjando o mito sobre esses homens, então famosos e velhos.
De qualquer forma, todo esse blá-blá-blá é só para eu citar uma das passagens que mais me impressionaram nas cem primeiras páginas: a repercussão do lançamento dos primeiros livros desses autores, no final da década de 1950.
“Aprendi que Allen tornou-se o mais notório poeta da América enquanto estava fora do país, na metade dos anos cinqüenta. Ele visitava Burroughs em Tanger, no Marrocos, quando ficou sabendo que [o editor e poeta] Lawrence Ferlinghetti e o gerente da livraria City Ligts [que pertencia a Ferlinghetti] haviam sido presos por vender Howl [Uivo e Outros Poemas] para dois policiais à paisana após ter sido acusado de `promover obscenidades´ ao usar o Correio norte-americano para enviar cópias do livro a diversas celebridades”.
“A União Americana pela Liberdade Civil então viu uma oportunidade de gerar um caso importante para a Primeira Emenda, fazendo barulho pela liberdade de expressão. Ferlinguetti contratou um time de advogados de primeira e foi à júri no verão de 1957. Allen pensava não ter qualquer chance e permaneceu longe durante todo o julgamento, viajando pela Europa”.
“Peritos literários foram chamados para testemunhar a favor do livro e Ginsberg teve o raro privilégio de ter seu poema chamado de `grande´e `importante´ durante o julgamento. Para mim [Kashner] soou como se o julgamento, em que foi inocentado, tivesse sido a melhor coisa que poderia ter acontecido a Allen e aos beats. Isso os tornou famosos”.
“Nessa mesma época, On the Road [Pé na Estrada] foi publicado, mas Kerouac nunca se recuperaria daquele prazeroso acontecimento. Diferentemente de Allen, a fama não lhe caiu bem. No final, ele quase não teve tempo de se acostumar a ela. Se o romance tivesse sido publicado seis anos antes, quando foi escrito, poderia ter passado despercebido, mas o julgamento da obscenidade de Howl colocou um holofote nos beats. Mesmo assim, ninguém poderia ter previsto o tipo de sucesso que On the Road teria no outono de 1957 – o resenhista do jornal The New York Times comparou-o a O Sol Também se Levanta, de Ernest Hemingway”.
“Jack disse que se sentiu paralisado ao ler a crítica e o telefone não parou de tocar por anos. O romance ficou na lista dos mais vendidos por onze semanas. A Warner Bros. comprou os direitos para filmagem e Marlon Brando queria interpretar Dean Moriarty [Neal Cassady, o parceiro de viagem de Kerouac]”.
“E então foi a vez de Bill Burroughs, que após ter tentado trabalhar como detetive particular, garçom, exterminador de insetos e ter chegado a agir como um criminoso, falava sobre o enfado criminoso. A mesma editora City Lights recusou-se a publicar Naked Lunch, que foi então publicado em pequenas revistas e periódicos onde Ginsberg tinha alguma influência. Em 1958, a Chicago Review publicou nove páginas e então os funcionários da Universidade de Chicago se recusaram a publicar o resto do romance, descrito por um jornalista como “uma das maiores enganações de lixo impresso que eu já vi circulando publicamente”.
Funcionários da Chicago Review se demitiram e começaram suas próprias publicações. Ginsberg, Orlosvky e Corso participaram de leituras de poesia para arrecadar recursos para uma nova publicação em que pudessem terminar de publicar Naked Lunch. A primeira tiragem saiu em março de 1959 e foi imediatamente confiscada pelo Correio de Chicado como material obsceno, mas um ano depois um juiz absolveu o romance.
O editor da editora Olympia, de Paris, que mesmo tendo publicado Henry Miller havia recusado os originais do livro de Burroughs mudou de idéia diante da publicidade espontânea gerada pelo processo e ofereceu ao autor um contrato de US$ 800. Quando o livro finalmente saiu, não conseguiu uma única resenha em jornais ou revistas e Burroughs teve de se passar por crítico, escrevendo com outro nome sua própria resenha.
Em 1962 a obra seria republicada pela Groove Presse. Escritores como Norman Mailer e Nenry Miller se entusiasmariam com o romance, arrumando-lhe um lugar no panteão literário como uma espécie de obra-prima do grotesco. Uma viagem de canibalismo, violência homossexual, enforcamentos e ejaculações, o livro seria mais uma vez banido, desta vez em Boston. O caso chegou à Corte Suprema de Massachusetts e a maioria dos jurados votou que Naked Lunch não era obsceno.
Esta foi a última obra literária a ser retida por um órgão do governo. Allen Ginsberg nos contaria em classe, descrevendo o efeito do livro para o mundo nos anos 1960, que a “palavra havia sido liberada”. Para o poeta, isso era mais importante que o Dia D. escrevendo com outro nome sua pras e Burroughs teve de se fazer de cruando o livro finalmente saiu, nis do livro de Burroughs