Carta à mãe (à moda de Henfil)
Então, mãe, veja só. Da mesma forma que a senhora, a maior parte do povo brasileiro é bom, mas não é bobo. A gente às vezes se faz de desentendido apenas porque a vida sem crença é árida demais. Isso não dá a ninguém minimamente inteligente o direito de acreditar que sejamos ingênuos.
Pois se até a senhora, assistindo aos excessos do Jornal Nacional Papal foi questionar o pai (não “o” Pai, mas o meu pai) sobre a razão do líder máximo do catolicismo, o sucessor de Pedro, vir ao Brasil... Pois então. A senhora até achou a missa bonita e, intimamente, orou a Deus para que lhe curasse a gastura, mas não se empolgou muito com o Ratzinger, hoje Bento XVI. Tudo bem, mãe, não se envergonhe não. É fato que o homem não tem o carisma do João, que beijava o solo de cada país que visitava.
Mesmo que não saiba nada sobre o histórico conservador do homem que quando prefeito da Congregação da Doutrina da Fé coordenou o processo que culminou na punição do então frade brasileiro Leonardo Boff; que é acusado de varrer para debaixo do tapete os crimes de pedofilia de alguns padres e que, ainda a caminho dos tristes trópicos, mandou um claro recado para o governo brasileiro ao ameaçar excomungar políticos mexicanos favoráveis ao aborto, a senhora sacou a distância entre o ideal e o pragmático. Se ele ainda os excomungasse por corrupção.
Sabe quem eu acho que nesta história toda acabou se saindo bem? O ministro da Saúde José Gomes Temporão. Sobre a condenação veemente do Papa ao aborto, Temporão disse que não era papel do governo discutir isso ideologicamente, mas sim com uma questão de saúde pública. Será que o ministro vai ser excomungado? Imagina o Papa vetando o ingresso no céu de um ministro do Brasil, Estado laico, exemplarmente sincretico.
Sabe, mãe, no meio de toda essa lenga-lenga dos jornais sobre a visita do Bento, com a televisão abusando dos clichês e de crianças cantando Nossa Senhora em falsete, eu garimpei uma notícia dizendo que uma das razões para o Papa vir tomar café com a gente é que ele quer que o Lula assine um acordo garantindo à Igreja todos seus direitos no território nacional (?), inclusive a consolidação de todas as isenções fiscais que recebe, obrigações no setor educacional (??) e mesmo a autorização para que missionários possam entrar em reservas ecológicas e indígenas. Também desconfio que ele deva estar preocupado com o crescimento da Igreja Universal.
Bem, é isso mãe. O Jornal onde o Bento defendeu a castidade antes do casamento, condenou a infidelidade no matrimônio, reprovou o uso de preservativos já terminou. E como eu desconfio que não vá ascender aos céus, só me resta me ligar ao Paraíso Tropical, pois hoje a mulher vai descobrir que o marido é adúltero.
Sua benção.
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