sexta-feira, novembro 02, 2007

Sexta, 02 de Novembro de 2007

Viva Cassiano!*
foto: Roberto Fleury/UNB Agência

“Espera um pouco
Não dês nome de amor
Ao que não passa de desejo.
Ideal é uma palavra demais
para o teu apetite de aposentadoria.
Procura ser exato ao definir as coisas.

À minha morte não denomines morte.
Nem a consideres definitiva.
Espere um pouco, amigo!
Espera um pouco
Pela ressurreição”
(Espera um Pouco)

Morreu (ainda que não definitivamente, esperemos) no último dia 15, o poeta Cassiano Nunes (1921-2007). Resisti a escrever o poeta santista, embora ele se identificasse com os artífices seus conterrâneos e cantasse a terra, principalmente o Paquetá e seu porto. Resisti a adjetivá-lo porque sua obra é [ou será] patrimônio nacional e domínio público. A poesia de Cassiano está ao lado dos grandes, mesmo “seu povo não o reconheça”.

Também não escrevi porque cismei com o fato de sua passagem - e as devidas homenagens tardias - ter se dado em Brasília, onde ele vivia desde 1966, tendo lecionado na UNB por 25 anos. Nunes passou seus últimos dias não à sombra de Brás Cubas, mas sim cuidando dos muitos livros de sua casa, na Asa Sul brasiliense.

Posso estar equivocado (coisa comum de ocorrer!), mas me parece que basta ler a obra de Nunes para entender que, apesar de ter corrido mundo desde muito cedo, o poeta que, dizem, ficou sem escrever por mais de 20 anos por considerar seus poemas ruins, queria mesmo é que dissessem dele o mesmo que ele próprio escreveu sobre Ribeiro Couto, outro a nascer em Santos:

“Meu amigo morto, por onde andará? Deve estar junto ao porto, no cais do Paquetá.

Correu longes terras, mas afinal voltou, vistas as paisagens que, infante, sonhou.

Que importa seu povo não o reconheça e seus versos sensíveis até desconheça?

À gente tão fria, Couto absolverá. Já voltou a Santos, ao cais do Paquetá”.

(CANTIGA PARA RIBEIRO COUTO)
* Viva Cassiano! é o título do documentário de Bernardo Bernades, sobre a trajetória poética de Nunes. O filme venceu o prêmio Júri Popular do Festival de Brasília de Cinema Brasileiro de 2004.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pesquei de um livro do Waly Salomão, que ganhei de uma amiga querida, a seguinte citação do poeta Antonio Machado: "El poeta es un pescador, no de pesces, sino de pescados vivos; entendámonos: de peces que puedan vivir después de pescados". Talvez caiba perguntar: podem os peixes de Cassiano Nunes viver depois de pescados?

Semifosco disse...

O que acha, Rhino? Podem? Haverá resposta que não subjetiva? Quem pode dá-la, com o mínimo de objetividade? A Academia? Os críticos? A Veja e sua anacrônica lista dos mais vendidos?

Na minha modesta opinão, os "pescados" de Nunes sobrevivem, sim, mas acho que sou suspeito por ele seus poemas trazerem algo que me é tão caro, Santos. O que acha?

Anônimo disse...

Acho que a coisa mais bacana em poesia é cada um escolher os seus poetas. Aí qualquer critério é válido, inclusive os seus. Ocorre, porém, que o discurso sobre os esquecidos, os injustiçados pouco altera o estado das coisas - às vezes, pelo contrário, acaba aplicando ao artista a alcunha de "esquecido", "injustiçado", como aconteceu com os "malditos" da MPB (Walter Franco, Mautner, Macalé, Melodia etc.). Eu mesmo gosto de vários malditos, esquecidos e injustiçados. E se de repente a Veja começar a bajulá-los, se suas obras se tornarem minissérie da Globo, etc., continuarei a gostar do mesmo jeito? O que acha, semi-fosco?