Segundo um provérbio milenar, transmitido oralmente de geração em geração, não há nada que um bom dia de surf não cure.
Olhando a inscrição talhada no templo dedicado à Shiva, o rei de Kurujangada, Janamejaya Raja, inqueriu Ganesha, deus dos escritores e dos ladrões, sobre o que deveria fazer para manter seu povo feliz, pois em seu reino já não havia ondas. "Tá flat geral, brother. E eu com uma prancha novinha guardada no castelo".
O cabeça-de-elefante sacudiu a tromba, riu balançando a enorme barriga e largou de lado o búzios, o lótus, o disco e o machado que segurava em suas quatro mãos. Tirou um fininho de trás das orelhas e respondeu sem qualquer sinal de sarcasmo. "Cara, cê tinha que ver como que tava ontem".
Raja teve ganas de fazer com Ganesha o mesmo que o pai deste, Shiva, fizera. Arrancar sua cabeça e jogar para além do Himalaia. Mas o bicho-homem, além de grande surfista, era uma divindade. Aí mesmo é que o mar podia nunca mais subir. Raja então deu um pega no fino e ponderou sobre a previsão de Ganesha. "Vai rolar um marzinho daqui a uns dias", dizia o deus, soprando a fumaça pela tromba enquanto apertava as orelhas contra a cabeça.
Enquanto outro tipo de onda não batia, Raja tentou calcular quanto tempo significaria "alguns dias" pela conta de Ganesha, já que cada dia dele tem 333 anos humanos. Sem chegar a uma conclusão satisfatória, ponderou que o melhor a fazer seria construir uma piscina de ondas artificiais para ele e seus súditos. Para isso, bastaria criar um tributo qualquer.
Surgia assim o ICS - Imposto para Continuidade do Surf. E o início da derrocada de Kurujanganda, já que a plebe ignara, indiferente às declarações dos sábios brâmanes reunidos no Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas e crendo que a diversão resultante das ondas era um presente divino, se rebelou contra a cobrança de mais um imposto.
O rei Raja foi destronado e decapitado. Seu quiver de pranchas foi confiscado, mas, infelizmente, a prancha nova que havia encomendado há pouco jamais foi encontrada. Ganesha, coincidentemente, desapareceu por uns tempos, deixando apenas um conselho para que os sábios meditassem a respeito. "Tá estressado? Vá surfar".
Itararé (SV) foto: Sullivan Leite - Waves
Diário de um surfista semi-fosco
Você não vai mais surfar em Santos. Nem alimente esperanças de pegar onda nos poucos dias em que estiver na cidade, pois nem mesmo as marolas de antes existem mais. Culpa do aquecimento do planeta e do conseqüente derretimento das calotas polares, elevando o nível dos oceanos? Ou dos espigões erguidos à beira-mar, interferindo no regime dos ventos? Será a dragagem do canal portuário?
Nem no Guarujá tem onda. Praia Branca, Maresias, Paúba....tudo flat. Liso e adequado para as crianças besuntadas de protetor solar e suas bóias; para os banhistas bêbados; para os noiados que vão queimar sua palha com água pela cintura. É verão, e só nos comerciais de refrigerante tem onda nesta época do ano.
Se quiser, tire a prancha da capa e vá remar. É um bom exercício. Depois, se sente sobre a prancha lá no fundo e observe os transatlânticos deixando a cidade. (Leve uma ou duas barras de cereais e aproveite a vista da praia lotada e dos fogos) No jornal, estão noticiando satisfeitos que esta temporada registrou um recorde em movimentação de navios de “luxo”. Acene seu lencinho para os passageiros espremidos no convés. Não seja rancoroso. Considere que já há navios como estes providenciando piscinas com ondas. Talvez esteja na hora de imaginar a possibilidade de compartilhar daquele sopão marítimo ao som de muito axé.
Porque, ondas, em Santos, não mais. Nem mesmo para os padrões de um surfista de Brasília.
Nem no Guarujá tem onda. Praia Branca, Maresias, Paúba....tudo flat. Liso e adequado para as crianças besuntadas de protetor solar e suas bóias; para os banhistas bêbados; para os noiados que vão queimar sua palha com água pela cintura. É verão, e só nos comerciais de refrigerante tem onda nesta época do ano.
Se quiser, tire a prancha da capa e vá remar. É um bom exercício. Depois, se sente sobre a prancha lá no fundo e observe os transatlânticos deixando a cidade. (Leve uma ou duas barras de cereais e aproveite a vista da praia lotada e dos fogos) No jornal, estão noticiando satisfeitos que esta temporada registrou um recorde em movimentação de navios de “luxo”. Acene seu lencinho para os passageiros espremidos no convés. Não seja rancoroso. Considere que já há navios como estes providenciando piscinas com ondas. Talvez esteja na hora de imaginar a possibilidade de compartilhar daquele sopão marítimo ao som de muito axé.
Porque, ondas, em Santos, não mais. Nem mesmo para os padrões de um surfista de Brasília.
Um comentário:
Fala menino!
Surfá mesmo eu num fui, mas passei pela praia e minha alma ficou lavada! huahuahuahuahuahuahuahua
E em Floripa tinha onda, mas tava gelada! KKKKKKKK
Abraço forte.
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