domingo, maio 11, 2008

Santa Cruz de la Sierra, 07 de maio de 2008

(I) Consulta popular sobre autonomia de Santa Cruz opõe nascidos no estado mais rico da Bolívia e migrantes que buscam melhores oportunidades de vida

fotos: Marcello Casal / Agência Brasil

À frente do movimento autonomista que ganhou forças após a chegada, em 2006, do índio aimara Evo Morales à presidência da Bolívia, Santa Cruz foi a primeira província (estado) boliviana a consultar sua população a respeito do estatuto autonômico que grupos de oposição ao governo federal pretendem ver implementado.

Em toda Santa Cruz, a votação ocorreu no dia 4 de maio. Outros três dos nove estados bolivianos também já agendaram as datas para realizar semelhantes consultas. Em Pando e Beni a votação está prevista para ocorrer no próximo 1 de junho. Já em Tarija, a consulta deverá acontecer no dia 22 do mesmo mês.

Na prática, os estatutos autonômicos são espécies de Constituições estaduais que, em vigor, delegariam mais poderes aos governantes locais, hoje, resumidos nas figuras dos prefeitos (governadores) e alcaides (algo como os sub-prefeitos de algumas capitais brasileiras).

Em Santa Cruz, 85,5% dos votos válidos aprovaram a autonomia. Ocorre que, segundo a própria Corte Departamental Eleitoral de Santa Cruz (responsável por organizar a consulta a pedido do prefeito de Santa Cruz, Rubén Costas, sem o aval do Conselho Nacional Eleitoral, que declarou a iniciativa inconstitucional), enquanto 14,4% dos eleitores habilitados votaram contra o estatuto autonômico, o índice de abstenção chegou a 37,9%.

Como tinham estimulado os cruzenhos a não comparecerem às urnas para que não validassem uma consulta que não fora convocada pelo Congresso Nacional e que organismos internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA) não reconheciam como legítima, os líderes da campanha contra as mudanças contabilizam os quase 38% de ausentes aos que rechaçaram o estatuto autonômico votando pelo “não”. Com o resultado, sustentam o que Morales classificou como “um fracasso rotundo” da campanha autonomista. Juntos, os votos no não e abstenções totalizam 52,4% dos votos.

De qualquer forma, os números só comprovaram a divisão da sociedade cruzenha, o que, por sua vez, seria um indício do que está ocorrendo em maior ou menor grau em toda a Bolívia.

Em Santa Cruz, os que votaram a favor da proposta de autonomia criticam o que classificam como excessivo poder de La Paz, capital do país. Em sua quase totalidade, se opõem ao governo de Morales e às mudanças estruturais que este propõem, como a reforma agrária. Alegam ser favoráveis à descentralização das decisões políticas e econômicas como forma de permitir que os estados decidam onde e como investir os recursos a que têm direito.

Para os que se opõem ao estatuto, a iniciativa visa desestabilizar o governo de Morales e significa, na prática, uma quase declaração de independência. À frente deste grupo estão os chamados “massistas”, integrantes ou simpatizantes do partido de Morales, Movimento ao Socialismo (MAS).

Estes afirmam que os estados não podem assumir a competência exclusiva por temas como educação, saúde, segurança pública e até a prerrogativa de aprovar convênios internacionais. O ponto mais controverso, no entanto, é a possibilidade de os governantes estaduais administrarem os recursos naturais existentes em seus territórios e a propriedade da terra, estabelecendo o tamanho, características e parâmetros de cumprimento das funções econômica e social da terra.

Um dos líderes do movimento pró-autonomia, o fazendeiro Branco Marinkovic negou a intenção de separar Santa Cruz do restante do país e de enfraquecer politicamente a Morales. “Este nunca foi um movimento pela independência do estado. E não tem nada que ver com o governo de Morales. Este é um processo de muitos anos e que chegou ao seu ápice agora, mas que poderia acontecer com qualquer outro presidente”.


Possível candidato da oposição à Presidência da Bolívia e presidente do Comitê Pró-Santa Cruz, Marinkovic está entre os homens mais ricos do país. Ele diz a verdade quando alega que o movimento pela autonomia dos estados vem de longa data. Razão pela qual os próprios massistas defendem a autonomia. Para eles, no entanto, essa não deve servir para reforçar o poder amealhado pelas elites tradicionais. Nos panfletos que distribuía para convencer as pessoas a não votarem pela autonomia defendida pelo Comitê Pró-Santa Cruz e pelo governador, o grupo defendia a “autonomia legal e para todos”, sugerindo que somente a promulgação da nova Constituição tornará isso possível.

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