segunda-feira, novembro 29, 2010

Plantão Médico

Sangue, fezes, urina, vômitos, lágrimas, a dor e o medo disfarçados. Eu já estava há quase 72 brutas horas acompanhando de dentro a rotina de um hospital público, em Santos (SP), sem que nada disso houvesse me tocado tanto quanto a melancolia de uma árvore de Natal montada no meio do corredor do centro cirúrgico hospitalar.
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Diante da árvore, do mural de recados com votos de boas-festas e dos penduricalhos na forma de sininhos e de botas enfeitando a porta de cada um dos quartos, senti um desamparo só comparável ao que senti quando, em junho deste ano, caminhava sozinho entre a multidão da Avenida Paulista, em São Paulo, poucas horas antes da seleção brasileira de futebol estrear na última Copa do Mundo.

Isso, pensei, com certeza foi idéia de algum funcionário bem-intencionado. Uma estratégia para "humanizar" o ambiente hospitalar. O que não foi levado em conta é que, naquele local, naquelas circunstâncias, a lembrança festiva servia para ampliar os efeitos do silêncio entrecortado por gemidos e lamúrias, dos cheiros e, principalmente, da suspeita de que o final do ano não é uma boa época para receber a visita indesejada.
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A visão da árvore de Natal hospitalar desencadeou em mim um daqueles instantes fugidios em que parecemos prestes a compreender algo a respeito do caráter inconcebível e insensato da realidade. Esse momento fugaz, contudo, passou. E se havia alguma lição a tirar dele, não fui esperto o bastante. Restou apenas a melancolia, uma vaga saudade de algo ainda não vivido. E o assombro pela confirmação de quão frágil é a vida.

quarta-feira, novembro 10, 2010

domingo, novembro 07, 2010

Atriz de Resident Evil é destaque de filme com De Niro e Edward Norton

Eu sabia! Após assistir aos quatro episódios de Resident Evil, filme baseado no famoso game de terror, eu sabia que a bela Milla Jovovich tinha algum talento. Apesar de que no primeiro filme em que a vi - O Quinto Elemento, de seu depois namorado Luc Besson – ela só fazia caretas, já na época eu desconfiei de que a ex-modelo não era de toda má e que tinha um pouco mais que um rosto bonito.
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Depois de demonstrar fôlego para viver Joana D´Arc e a já citada Alice, uma personagem cuja origem é nebulosa e que a cada novo Resident Evil agrega novos poderes, a ucraniana surpreende em Homens em Fúria, ao lado de dois dos melhores atores de duas gerações distintas: Robert De Niro e Edward Norton.

Dirigido por John Curran (de O Despertar de Uma Paixão), o filme mistura suspense e drama e eu me arrisco a classificá-lo como bom, ainda que sabendo que ele irá aborrecer a maior parte do público que pagar o ingresso atraído pelo péssimo título em português (o nome original é Stone, Rocha, referência à personagem de Norton, mas que também pode ser interpretado como uma metáfora à personagem de De Niro). Não se trata de um filme policial de ação. Embora a fúria esteja o tempo todo na iminência de irromper, há uma única cena de violência explícita, mas ela não é protagonizada por nenhum dos dois atores.

Enquanto De Niro está bem e Norton começa brilhantemente (detalhe para o sotaque e o maneirismo ao falar, principalmente em sua primeira cena) para perder o foco ao longo do filme, Milla surge quase irreconhecível com uma personagem que procura seduzir a todos sem deixar clara sua real motivação.

sábado, novembro 06, 2010

KS 10


Kelly Slater é 10! Dez vezes campeão mundial de surf. Um momento histórico para qualquer amante de esportes, qualquer que seja a modalidade. Aos 38 anos, o norte-americano garantiu o inigualável feito ao superar o brasileiro Adriano de Souza, o Mineirinho, nas quartas-de-final do Rip Curl Pro Search, encerrado hoje (6) em Porto Rico. Não tenho conhecimento de outro atleta de qualquer outro esporte que tenha obtido tantos títulos. Será que há?

Com o décimo título já em mãos, Slater chegou despreocupado à final da etapa disputada contra o australiano Bede Durbidge e simplesmente voou sobre as boas ondas da lotada praia de Middles. Com vários aéreos, inclusive um 360 sem as mãos, Slater obteve ao menos uma nota dez na final e faturou também o evento.

A dimensão do feito foi expresso de forma exagerada pela locutora da ESPN (que fez uma ótima transmissão do campeonato), que leu um texto divulgado hoje e que ainda não encontrei para checar sua autoria. "São dez os mandamentos. A mulher mais bonita é a nota dez. Beethoven não compôs uma, duas ou três sinfonias, mas sim dez. A obra de Slater agora também pode estar completa". Explicação: pode porque a discussão agora é se o floridiano irá abandonar o tour ou seguirá estendendo seu próprio recorde.

Ao sair do mar, Slater fez questão de dedicar a vitória ao havaiano Andy Irons, morto esta semana. Pelo título, Slater leva para casa um cheque de US$ 100 mil dólares, mais bônus (que devem ser polpudos) de seu patrocinador, a Quiksilver, que antes mesmo do final da etapa portoriquenha já exibia produtos com a logo KS10, numa grande sacada de marketing.
Além de ser o mais jovem surfista a levar o título mundial, com então 20 anos, Slater se mantém como o mais velho atleta a se sagrar rei do WCT. Agora, pense bem nos anos de 1992, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 2005, 2006, 2008 e 2010. Slater estava faturando títulos.

quinta-feira, novembro 04, 2010

A Suprema Felicidade

O Rio de Janeiro era a capital federal e nós assistíamos a tudo com nosso olhar ingênuo. A Segunda Guerra Mundial nos parecia uma aventura de revistas em quadrinhos ou de filmes como os que assistíamos no cinema com papai e mamãe elegantemente vestidos. Era a época de ouro do rádio. Não sabíamos nada sobre a vida em Madureira do pipoqueiro que nos ensinava piadas infames, nem mesmo se ele era casado. Assim como não sabíamos nada sobre nossos pais e como logo deixaríamos de saber do destino de nosso melhor amigo (bastaria ele manifestar sua predileção por meninos para sumir de nossa história). Intuíamos que nossa `belle epóque´ não era real e que não iria durar muito quando iamos à zona ou quando um valentão nos batia na saída do colégio. Mas éramos jovens e aproveitávamos estas ocasiões longe da proteção familiar para nos darmos ao luxo de termos crises de identidade. Que não duravam muito, pois, milagrosamente, nestas circunstâncias nossa rua se tornava um Carnaval como a indicar que não havia então tristeza debaixo do sol dos trópicos. E assim seguíamos felizes em nossa inocência, ansiosos por nos livrarmos de nossa virgindade. Nossa tarefa era estudarmos e nos distinguirmos de nossos pais. Não queriamos parecer conservadores. Tínhamos pavor de que nos chamassem de reacionários. E por isso aderíamos a todos os ismos da moda. E buscávamos a originalidade. A maioria de nós almejava ser artista em um país majoritariamente analfabeto. E como bem notou alguém, era fácil falar de coisas belas de frente para o mar e de costas para a favela.

Só que então nos tiraram o status de capital nacional, as coisas começaram a sair dos trilhos, a Rádio Nacional foi perdendo prestígio, os filmes italianos perderam cartaz, os tempos mudaram, a violência grassou e por mais que nossa marra disfarce, nós também perdemos algo de nossa antiga bossa. O pipoqueiro então deixou Madureira e se instalou com mulher e dois filhos em um quarto e sala de Copacabana. A filha dele ingressou na faculdade pública graças ao sistema de cotas enquanto algumas universitárias outrora acima de quaisquer suspeitas passaram a fazer programas. As ruas se encheram de compactos carros populares, a Panair faliu, surgiram filas nos aeroportos, os negros se tornaram orgulhosos, a presidência da República foi ocupada por um operário semianalfabeto e por uma mulher que nunca soube se por no seu lugar e nós envelhecemos e perdemos relevância frente ao Capitão Nascimento e ao Dadinho. Já há inclusive quem diga que nossa arte se tornou absolutamente desnecessária.

quarta-feira, novembro 03, 2010

A morte do tri-campeão Andy Irons

Dentro d´água, deslizando sobre ondas, Andy Irons foi um gênio. Ponto.

Se você não sabia disso é porque, provavelmente, ainda não tinha ouvido falar do havaiano de 32 anos, tricampeão mundial de surf. E não há porque se recriminar. Há muita gente que talvez só tenha ouvido falar do maior astro do surf, o norte-americano Kelly Slater, quando este apareceu no programa do Luciano Huck. Ou em alguma revista de fofoca, como o ex-namorado da Gisele Bundchen. E olha que o cara é um dos maiores atletas de todos os tempos, estando prestes a conquistar seu décimo título mundial. Se NA TERRA DA MONOCULTURA FUTEBOLÍSTICA NEM MESMO O MAIOR ATLETA DO SÉCULO CHEGA A RECEBER O DESTAQUE QUE MERECE, é natural que um "mero" tricampeão mundial de surf fosse quase um desconhecido para os não iniciados (mesmo que os iniciados sejam milhares).

Esta manhã (4), contudo, Irons foi destaque em notíciários de todo o mundo. E, consequentemente, também do Brasil. Infelizmente, não por seu talento, relegado aos programas especializados em surf ou às transmissões de campeonatos via internet, mas sim por sua trágica e até agora inexplicável morte.

Imagino a correria nas redações dos grandes jornais impressos e televisivos. As notícias desencontradas chegando via agências de notícias internacionais e a galera sem saber exatamente de quem se tratava. E aí? Ligar para quem? Para o Galvão? Para o Bassan? Quem sabe para o Ceará? Alguém tem que dizer algo afinal o cara era um jovem bem-sucedido que superou uma história difícil e após um tempo distante dos campeonatos lutava para voltar ao topo e que, quando parecia prestes a conseguir isso, morre de modo misterioso.

Óbvio que em muitas das redações há ao menos um surfista, nem que seja um ex-surfista. Nestas, finalmente caras como Edinho Leite, hoje na ESPN, tiveram a mesma chance de mostrar competência que costuma ser dada a muito mané que só sabe falar de futebol, no máximo de vôlei ou fórmula 1, e diz ser Jornalista Esportivo, mesmo não sabendo distinguir um Minerinho de outro Mineirinho.

Sobre uma prancha, Andy Irons foi um gênio. Competitivo ao extremo, foi dos poucos que conseguiu atingir o topo durante à permanência de Slater nas competições. Fora d´água, era um sujeito aparentemente pacato, mas controverso como todo bom havaiano que surfa e que se sente na obrigação de defender e representar o templo sagrado das ondas, berço da prática de correr ondas, dos "haoles". O tamanho de seu talento pode agora ser notado nos muitos vídeos dele destroçando as ondas com um surf potente e radical e no espaço que a imprensa hoje decidiu dar a ele.