quinta-feira, novembro 04, 2010

A Suprema Felicidade

O Rio de Janeiro era a capital federal e nós assistíamos a tudo com nosso olhar ingênuo. A Segunda Guerra Mundial nos parecia uma aventura de revistas em quadrinhos ou de filmes como os que assistíamos no cinema com papai e mamãe elegantemente vestidos. Era a época de ouro do rádio. Não sabíamos nada sobre a vida em Madureira do pipoqueiro que nos ensinava piadas infames, nem mesmo se ele era casado. Assim como não sabíamos nada sobre nossos pais e como logo deixaríamos de saber do destino de nosso melhor amigo (bastaria ele manifestar sua predileção por meninos para sumir de nossa história). Intuíamos que nossa `belle epóque´ não era real e que não iria durar muito quando iamos à zona ou quando um valentão nos batia na saída do colégio. Mas éramos jovens e aproveitávamos estas ocasiões longe da proteção familiar para nos darmos ao luxo de termos crises de identidade. Que não duravam muito, pois, milagrosamente, nestas circunstâncias nossa rua se tornava um Carnaval como a indicar que não havia então tristeza debaixo do sol dos trópicos. E assim seguíamos felizes em nossa inocência, ansiosos por nos livrarmos de nossa virgindade. Nossa tarefa era estudarmos e nos distinguirmos de nossos pais. Não queriamos parecer conservadores. Tínhamos pavor de que nos chamassem de reacionários. E por isso aderíamos a todos os ismos da moda. E buscávamos a originalidade. A maioria de nós almejava ser artista em um país majoritariamente analfabeto. E como bem notou alguém, era fácil falar de coisas belas de frente para o mar e de costas para a favela.

Só que então nos tiraram o status de capital nacional, as coisas começaram a sair dos trilhos, a Rádio Nacional foi perdendo prestígio, os filmes italianos perderam cartaz, os tempos mudaram, a violência grassou e por mais que nossa marra disfarce, nós também perdemos algo de nossa antiga bossa. O pipoqueiro então deixou Madureira e se instalou com mulher e dois filhos em um quarto e sala de Copacabana. A filha dele ingressou na faculdade pública graças ao sistema de cotas enquanto algumas universitárias outrora acima de quaisquer suspeitas passaram a fazer programas. As ruas se encheram de compactos carros populares, a Panair faliu, surgiram filas nos aeroportos, os negros se tornaram orgulhosos, a presidência da República foi ocupada por um operário semianalfabeto e por uma mulher que nunca soube se por no seu lugar e nós envelhecemos e perdemos relevância frente ao Capitão Nascimento e ao Dadinho. Já há inclusive quem diga que nossa arte se tornou absolutamente desnecessária.

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