Sangue, fezes, urina, vômitos, lágrimas, a dor e o medo disfarçados. Eu já estava há quase 72 brutas horas acompanhando de dentro a rotina de um hospital público, em Santos (SP), sem que nada disso houvesse me tocado tanto quanto a melancolia de uma árvore de Natal montada no meio do corredor do centro cirúrgico hospitalar.
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Diante da árvore, do mural de recados com votos de boas-festas e dos penduricalhos na forma de sininhos e de botas enfeitando a porta de cada um dos quartos, senti um desamparo só comparável ao que senti quando, em junho deste ano, caminhava sozinho entre a multidão da Avenida Paulista, em São Paulo, poucas horas antes da seleção brasileira de futebol estrear na última Copa do Mundo.
Isso, pensei, com certeza foi idéia de algum funcionário bem-intencionado. Uma estratégia para "humanizar" o ambiente hospitalar. O que não foi levado em conta é que, naquele local, naquelas circunstâncias, a lembrança festiva servia para ampliar os efeitos do silêncio entrecortado por gemidos e lamúrias, dos cheiros e, principalmente, da suspeita de que o final do ano não é uma boa época para receber a visita indesejada.
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A visão da árvore de Natal hospitalar desencadeou em mim um daqueles instantes fugidios em que parecemos prestes a compreender algo a respeito do caráter inconcebível e insensato da realidade. Esse momento fugaz, contudo, passou. E se havia alguma lição a tirar dele, não fui esperto o bastante. Restou apenas a melancolia, uma vaga saudade de algo ainda não vivido. E o assombro pela confirmação de quão frágil é a vida.