sábado, setembro 26, 2009

Jornalismo Verde

De: Carlos Leite leiteempedra@ig.com.br
Assunto : De Argentina (4)
Para : semifosco semifosco@blogspot.com
16 de setembro de 2009 14:25

"Amigo semifosco, sei que o tema não é familiar para você, mas estou te levando mais uma lembrancinha que embora esteja exposta em qualquer banca de jornal portenha, parece não receber muita atenção dos turistas: uma revista inteiramente dedicada à "cultura cannabica".
Como muitos sabem, há cerca de um mês a Suprema Corte de Justiça da Argentina declarou inconstitucional que pessoas sejam punidas quando pegas portando pequenas quantidades de maconha. Isso não significa que o fumacê nas ruas esteja liberado ou que o consumo tenha sido descriminalizado, mas sim que um adulto pode queimar unzinho desde que esteja em ambientes privados e que seu gesto não ponha em risco a outras pessoas. Não parece ter ficado claro a que riscos os magistrados se referem.

Na América Latina, Colômbia e México já descriminalizaram o porte de pequenas quantidades de drogas enquanto o Brasil e o Equador estudam a possibilidade de legalizar o uso de algumas substâncias hoje consideradas ilícitas.
Na Argentina, ao que me parece, a revista THC tem importante papel para tal decisão. Criada há três anos com o intuito de lutar contra a ingerência do Estado sobre as liberdades individuais e informar sobre os direitos pessoais de usuários de drogas, a publicação defende o consumo responsável e a legalização da maconha. E, pelo que pude constatar, o faz de forma bem feita, justificando a real liberdade de imprensa.
Dá para sacar pela qualidade das reportagens que não se trata de um bando de malucos desmiolados defendendo o direito de cada um ficar doidão usando o que bem entender (embora, implicitamente, também o façam, de forma bem-humorada). Há entrevistas com juízes, promotores, consumidores e gente que cultiva sua própria planta, em casa. E o mais engraçado, não faltam anúncios publicitários de uma infinidade de produtos que vão desde seda (ou smokingpapers) à lâmpadas especiais para estufas, roupas e acessórios feitos com a fibra do cânhamo, livros e até torneios para escolha da melhor espécie.
Do exemplar que estou te levando, duas reportagens me chamaram a atenção. Uma sobre os golpes aplicados através da internet em pessoas iludidas por anúncios de produtos e sementes para o cultivo e que, após constatarem o engodo e o prejuízo, não podem recorrer à Justiça, o que permite que os mesmos estelionatários continuem enganando outras pessoas e a matéria "A Cadeia Alimentária", em que se afirma que os casos de extorsão, tortura, violações e mortes superam os supostos quilos de drogas apreendidas e incineradas.

De acordo com a matéria, em meados da década de 1990, quase que diariamente os jornais argentinos publicavam notícias sobre a prisão de supostos traficantes que, depois, como se veio a saber, tinham em comum o fato de serem mendigos, pacientes psiquiátricos, vendedores ambulantes ou estrangeiros ilegais. Diz a revista que o material supostamente apreendido era apresentado aos jornalistas durante concorridas entrevistas coletivas, mas que ao ser analisado em laboratório, era descartado por se tratar de substância inócua (erva mate, bicabornato de sódio, etc) ou impura. A reportagem conclui que toda a encenação era montada a fim de favorecer policiais carreiristas, que galgaram degraus na carreira às custas de inocentes.
Os editores da THC comemoraram a decisão da Suprema Corte, mas alertam que ainda há muito o que fazer para evitar que isso continue ocorrendo.

"O proibicionismo argentino se agarra a seus último estertor, a lei antidrogas menemista [do ex-presidente Carlos Meném] cujo rotundo fracasso está tão evidente que já perdeu sua legitimidade, se alguma vez a teve. Hoje, somos nós, os consumidores, acima de todas as coisas, que fazemos tal lei agonizar. Porque mesmo com os vexames a que nos submetem, perdemos o medo de sermos castigados por um delito que não cometemos e que cedo ou tarde deixará de existir", argumentam os editores.
"Talvez faça falta mostrar como milhares de pessoas presas nas ruas ou em suas próprias casas por conta desta lei são torturados, violentados e até mesmo assassinados antes de serem processados, julgados e encarcerados, deixando de ser consumidores de algo que afetaria apenas a sí próprios para serem considerados culpados e se converterem em vítimas do aparato policial e judicial".

quinta-feira, setembro 24, 2009

às ruas, artistas!

De: Carlos Leite leiteempedra@ig.com.br
Assunto : De Argentina (3)
Para : semifosco semifosco@blogspot.com
15 de setembro de 2009 08:50
Ô loco, meu! Acabo de ouvir um cd que comprei no domingo, na rua, das mãos dos próprios músicos, e me caiu a ficha. Dane-se tudo o mais: civilidade é contar com bons artistas se apresentando nas ruas, pois para isso é necessário que haja público e, conseqüentemente, a apropriação dos espaços públicos pelos pedestres. Viagem, né? Mas é isso. O resto é shopping center.

No domingo, seguia eu pela Calle Defensa, extensão da feira de antiguidades da Plaza Dorrego, no bairro de San Telmo, quando ouvi uma música que, depois, já de posse do cd, descobri ser Swing em menor, de Django Reinhardt. Cheguei junto à roda formada em volta dos dois músicos, um senhor e um rapaz que tocava como que em transe, e descobri serem, respectivamente, Nelson Piazza e Elio Gerardi, ou melhor, o duo Guitarra Fussion, que desde 2002 se apresenta em locais de grande movimento, como ruas, estações de metrô e hotéis portenhos.

Combinando swing, tango, rock, blues e bossa-nova, a dupla já gravou quatro CDs (Música Subterrânea, Caripelas, Swing Porteño e Bossatango) e recebe constantes convites para tocar em festivais de música pela Argentina. Mesmo assim, seguem tocando e vendendo seus próprios CDs todos os domingos, das 12 às 18 horas, na Calle Defensa, entre as ruas Estados Unidos e Carlos Calvo.
A partir daí, apurei os sentidos e contei com a sorte para me deparar, ainda em San Telmo, com parte da Orquesta Tipica Ciudad Baigón, prestes a viajar para se apresentar na Europa e que, apesar do relativo status alcançado em rádios e milongas argentinas, continua a tocar pelas ruas.



Por fim, ontem a noite, já no Centro, foi a vez de curtir o misto de ska e reggae do Culo de Mandril, legítima banda de rua, embuída do espírito punk "do it yourself". Basta dizer que no lugar do bumbo da bateria, havia um pote semelhante aquele grande de catupiry. E, ainda assim, muita gente que deixava o trabalho parou para ouví-la e levou para casa o cd. Pena o cd não trazer as imagens do dançarino que, pelo visto, costuma abrilhantar as apresentações da banda. Para quem pensa que os portenhos só dançam tango, vai aí um dos sujeitos mais doidos que já vi dançar. E, detalhe, esse sujeito não parecia estar sob efeito de qualquer substância adulteradora dos sentidos.

quarta-feira, setembro 23, 2009

Postais da Era Kirchner

Meu amigo Carlos Leite já retornou de Buenos Aires e só agora eu arranjei um tempinho para compartilhar com vocês, meus três leitores, as impressões (e as fotos) deste surfista brasiliense que, por obra de "una hermosa chica porteña", topou ir para a capital argentina ao invés de aproveitar mais uma semana de folga pegando onda em alguma praia brasileira.

(O título deste post é uma alusão ao livro da jornalista argentina Hinde Pomeraniec - Rusos: Postales de la era Putin - recém-lançado na Argentina e que Leite me trouxe de presente. Voltarei a escrever sobre ele)

De: Carlos Leite leiteempedra@ig.com.br
Assunto : De Argentina (2)
Para : semifosco semifosco@blogspot.com
14 de setembro de 2009 17:44


"Semifosco, eis as primeiras impressões deste surfista brasiliense a respeito desta grande metrópole localizada às margens do Rio da Prata:


* Frio. Não muito, diria você, mas para mim, 14 graus já é bastante frio.
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* Os portenhos adoram SMS. É ter uma oportunidade e eles se põe a enviar mensagens por celular. A todo instante é possível ver alguém batucando aquelas pequenas teclas, seja no metrô, restaurantes, shoppings ou até mesmo enquanto dirigem um táxi, como o motorista que me levou até o hotel, o primeiro a literalmente me assustar com esse detalhe.
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Congresso
* Que beleza viajar para um país onde o real vale mais que a moeda local. Na Argentina, atualmente, um real vale dois pesos, ou quase duas passagens de metrô. Duas pessoas podem jantar em um bom restaurante gastando em média 60 pesos, ou cerca de R$ 30, com direito a uma garrafa de vinho. A cerveja belga Stella Artois long-neck, por exemplo, custava cerca de $ 7, ou R$ 3,50.
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* O negócio, no entanto, é trocar nossos reais em instituições como o Banco Piano (onde encontrei a melhor cotação, de um por dois). Em bares, restaurantes e lojas eles pagam um pouco menos e nem todos aceitam nosso dinheiro.
Casa Rosada, sede da Presidência
* Buenos Aires é o principal destino turístico dos brasileiros na América Latina (quiçá, no exterior). Em geral, eles andam em grupos, lotam hotéis e pontos turísticos como o Café Tortoni ou El Caminito. Não sei porque, mas me fizeram pensar nos paulistanos que, no inverno, seguem para Campos de Jordão. Logo, se for registrar a elegância portenha, cheque antes se a pessoa em questão não é, na verdade, um brasileiro realizando seu sonho de classé média.

Metrô
* Aliás, afirmar que os argentinos são elegantes é uma generalização tal qual como dizer que os paulistas (e não os paulistanos) vivem apressados. Uma coisa é quem trabalha ou vive na região central ou em Puerto Madero, algo assim como quem transita pela Avenida Paulista ou pela Esplanada dos Ministérios. Outra coisa bem diferente é quem, no final do dia, tem de apanhar o metrô (subte) até a Estação Retiro para dali pegar o trem de volta para casa.
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* Outro chavão que sempre ouvimos é que o argentino é um povo orgulhoso, no sentido positivo do termo. Não sei se estou tendo azar, mas, a julgar pelo tratamento que tenho recebido, o adjetivo mais apropriado seria grosso ou, na pior hipótese, sem-educação.
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* Isso pode estar relacionado ao meu espanhol precário. Em alguns momentos, tive a impressão de que os portenhos se sentiam ofendidos com meus esforços para falar em seu idioma (que eles insistem não ser o espanhol, mas sim o castelhano?!?!?).
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* Ou pode mesmo ser orgulho, mas orgulho ferido de ver os brasileiros que podem se dar ao luxo de viajar torrando dinheiro em livrarias, restaurantes, e lojas de roupas enquanto o argentino médio está quebrado, tentando entender o que passou com seu país, que já foi a oitava economia mundial. Segundo me disseram, os professores, como muitas outras categorias, ganham, em média, 1.500 pesos - R$ 750 reais.
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* Agora, que dá inveja, dá. Como é que uma cidade quase tão grande quanto São Paulo, com uma população também enorme (somada a região metropolitana, já são cerca de 12 milhões de pessoas), pode viver em um ritmo tão diferente das capitais paulista ou fluminense? Como pode ter preservado tão bem seu patrimônio arquitetônico? Como pode proporcionar a seus cidadãos e aos turistas esse sentimento de segurança que possibilita que caminhar sem destino e se perder por suas ruas seja um dos melhores programas a fazer?
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* Mas daí a dizer que ir a Buenos Aires é como estar em um pedacinho da Europa....puta síndrome de cachorro magro a nossa! Como se um lugar para ser bonito ou civilizado tivesse que ficar na Europa.

Em breve, mais estórias de minha experiência portenha. Abraço
Carlos Leche"

segunda-feira, setembro 21, 2009

Porão do Rock 2009

No último final de semana, a Esplanada dos Ministérios serviu de palco para a 12ª edição do Porão do Rock, que este ano foi totalmente gratuito. Com o Congresso Nacional ao fundo, 39 bandas de diferentes estilos e status se revezaram nos dois palcos montados em meio ao Eixo Monumental, próximo à Rodoviária e à estação de metrô, dando uma destinação mais, digamos, humana a aquele gramado usualmente abandonado aos sábados e domingos.



Não pude ir aos shows de sábado, perdendo boas atrações como Super Stereo Surf (DF), Cachorro Grande (RS) e Ludov (RJ), mas, no domingo, estive presente às apresentações de Paralamas do Sucesso, Maskavo Roots, Little Quail & Mad Birds e, surpresa, a homenagem a Renato Russo e à Legião Urbana, que reuniu o baixista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá.



No momento que mais empolgou à multidão presente aos shows de domingo, os dois integrantes da Legião Urbana tocaram sucessos da banda de maior sucesso do chamado "rock brasiliense", acompanhados por músicos que se revezaram nos vocais, como André Gonzales (Móveis Coloniais de Acaju), Philippe Seabra (Plebe Rude) e outros, incluindo aí Loro Jones (ex-Capital Inicial). Perceptível, portanto, que o domingo, na verdade, teve o caráter de homenagear o rock brasiliense.



Paralamas reavivou seus maiores sucessos, demonstrando ser uma das maiores hit makers do pop-rock nacional. Durante quase toda a apresentação da banda, o público pôde cantar junto as músicas que, desde Alagados e Vital e Sua Moto, há duas décadas têm contagiado diferentes gerações. Por conta de alterações na programação, perdi Plebe Rude, mas um amigo disse ter sido um ótimo show, avaliação de que não duvido. M. Roots também sacou canções de relativo sucesso de seus dois primeiros discos para fazer um show correto, que não chegou a empolgar.



E no que pese a emoção de ver Dado e Bonfá tocando juntos com os Paralamas e expoentes da música brasiliense (quem diria que eu um dia os ouviria tocar Que País É Este bem diante do Congresso?), o melhor show da noite, para mim, foi mesmo o do Little Quail, de Gabriel Thomaz, hoje à frente do Autoramas (outra banda cujos shows são sempre ótimos!). Já tarde da noite, muita gente que aguardava pelos shows do Raimundos (sem Rodolfo, claro!) e da prata-da-casa Móveis Coloniais de Acaju (que, graças ao enorme fã-clube entre o público brasiliense, teve a honra de encerrar o festival) se pôs a dançar com o ânimo de Thomaz e cia.



A Esplanada vista da plataforma superior da Rodoviária
Com o Congresso ao fundo
Paralamas do Sucesso





Pista de skate montada próxima ao palco principal

Marcelo Bonfá, baterista da Legião Urbana

André Gonzales, do Móveis, toca na homenagem à Legião


M. Roots

Gabriel Thomaz e o baterista Bacalhau, do Litte Quail

sábado, setembro 12, 2009

Brasília, 14h30. Carlos Leite deixa Brasília para...
... apenas poucas horas depois, desembarcar em Buenos Aires, Argentina


De: Carlos Leite leiteempedra@ig.com.br
Assunto : De Argentina (1)
Para : semifosco semifosco@blogspot.com
12 de setembro de 2009 21:01
"Hola, compañero semifosco. Foi do jeito que conversamos há pouco mais de seis horas: almocei em Brasília e vou jantar na capital argentina. São realmente surpreendentes as facilidades atualmente à disposição de alguns. E não estou falando só do avião, mas sim de toda a tecnologia existente para nos facilitar a vida e encurtar distâncias. Graças a internet, por exemplo, pude pesquisar entre os vários albergues da juventude e hotéis portenhos até chegar ao Milhouse, onde pude reservar um quarto por e-mail. E não é só isso. Veja só o celular. Graças a este aparelho ao qual você resistiu muito, eu tenho comigo, no bolso da calça, um rádio que me permite conhecer mais sobre a música argentina, uma câmera fotográfica e de vídeo. E, por e-mail, vou manter contato, mandando algumas mensagens para que você possa atualizar seu blog. Ok. Abraço".

sexta-feira, setembro 04, 2009

Procura-se um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso


O tempo é pouco e preciso aproveitá-lo de forma objetiva para expor uma dúvida que vem me afligindo desde domingo, quando assisti ao Fantástico show da vida segundo a ótica dos editores globais.




Afinal, quem cargas d´água deu pela falta do Belchior?