... então me deixa ver se eu entendi.
1) O empresário Marcos Matsunaga foi morto por sua companheira, Elize Matsunaga, em maio de 2012, ou seja, há pouco mais de oito meses. A expectativa, agora, é de que, até março, a justiça paulista anuncie a data do início do julgamento de Elize, presa desde junho passado.
A imprensa nacional cobriu o fato em seus mínimos detalhes, destacando até mesmo aqueles mais irrelevantes para a vida prática, cotidiana, de seus telespectadores, ouvintes ou leitores. Houve até mesmo quem destacasse o "trágico fim" do que parecia um conto de fadas, lembrando sempre que Marcos era um homem riquíssimo e a assassina uma ex-prostituta tirada das ruas pelo próprio empresário.
2) O ex-goleiro Bruno é acusado de, junto com mais quatro pessoas, entre elas seu amigo e secretário pessoal, Macarrão, ter matado Eliza Samudio, desaparecida desde 2010. Bruno, sua ex-mulher, Dayanne Souza, e outro réu, o policial Bola, vão ser julgados a partir do próximo dia 4, mas Macarrão e uma ex-namorada de Bruno, Fernanda Gomes de Castro, já foram julgados e condenados a, respectivamente, 15 e cinco anos de prisão (ela, em regime semi-aberto).
A imprensa nacional cobriu o fato em seus mínimos detalhes, destacando até mesmo aqueles mais irrelevantes para a vida prática, cotidiana, de seus telespectadores, ouvintes ou leitores. Houve até quem destacasse que o garoto pobre que subiu na vida graças ao futebol sempre dera demonstrações de descontrole emocional, sugerindo ser evidente tratar-se de um criminoso.
Sem entrar no mérito, meus parabéns às justiças paulista e mineira por apreciarem os casos com razoável celeridade. Enquanto isso...
3) O assassinato de quatro servidores públicos do Ministério do Trabalho - três auditores fiscais e um motorista - completou nove anos em 18 de janeiro passado sem que nenhum dos nove indiciados pela Polícia Federal tenha sido julgado. Pior. Às vésperas da chamada "Chacina de Unaí" (MG) completar nove anos, a juíza federal de Belo Horizonte que há quase dois anos responde pelo processo frustrou a expectativa de todos que esperavam que ela anunciasse a data do início do julgamento ao declinar da competência de julgar os acusados e determinar que os autos sejam remetidos para a subseção da Justiça Federal em Unaí.
Em virtude dessa decisão, só Deus sabe quando o tribunal do júri vai acontecer, já que o Ministério Público Federal, entidades de classe e organizações de defesa dos direitos humanos prometem recorrer da decisão da juíza, alegando que, em Unaí, não há como garantir a imparcialidade do júri, já que os principais réus desfrutam de prestígio político e econômico na cidade. A exemplo de Antério Mânica, acusado de ser um dos mandantes do crime. Um dos maiores produtores de feijão do país, ele foi eleito prefeito de Unaí poucos meses após a PF pedir seu indiciamento por envolvimento na chacina. E reeleito em 2008.
Chama a atenção que Antério e outros dois réus acusados de serem os mandantes dos crimes e que possuem dinheiro estão em liberdade, graças a habeas corpus que obtiveram da justiça. Já os três suspeitos de terem executado os servidores estão presos há nove anos, mesmo não tendo sido julgados. A legislação brasileira não estabelece um tempo máximo para a prisão preventiva, mas poucas vezes se ouviu falar que alguém ainda não condenado tenha passado tanto tempo encarcerado à espera de ser julgado. Já há quem classifique a medida como um "cumprimento antecipado da pena".
Bom. Aí, enfim, eu chego ao ponto que acho que não entendi direito. Porque apesar de se tratar de um crime hediondo praticado contra servidores públicos no cumprimento de sua missão; de um ataque ao Estado de direito planejado por pessoas poderosas contra pessoas encarregadas de combater a vergonha nacional que é o trabalho escravo ou análogo à escravidão... apesar de tudo isso, este caso a imprensa não está cobrindo nos mínimos detalhes. Para ser franco, passados nove anos, a impressão que se tem é que, salvo raras exceções, a mídia parece ter se esquecido do caso que chegou a repercutir internacionalmente. E nossos colegas parecem só se recordar dele a cada novo dia 18 de janeiro, quando a Chacina de Unaí completa anos sem que os responsáveis tenham sido julgados e punidos.
"E o Brasil lá tem trabalho escravo!?!", parece gritar o pouco caso da imprensa com a demora da Justiça Federal.
"E o Brasil lá tem trabalho escravo!?!", parece gritar o pouco caso da imprensa com a demora da Justiça Federal.
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