Em outubro de 1990, o então jovial e atlético Fernando Collor de Mello havia assumido a presidência da República poucos meses antes e acabara de liberar a importação de automóveis, proibida desde 1976. Eram tempos em que se falava, mundialmente, na ascensão da Geração Y - nicho de mercado extremamente visado pelo mercado publicitário.
Os cds já eram vendidos no país há pelo menos cinco anos, mas, àquela altura, muita gente, como eu mesmo, ainda gravava suas músicas preferidas em fitas cassetes que gastávamos nos cabeçotes dos clássicos walkmans ou de aparelhos domésticos 3 em 1 (toca-discos, toca-fitas e rádio AM/FM). A fita cassete era então a forma mais democrática de trocarmos "arquivos musicais" (nunca, naquela época, alguém iria se referir À MÚSICA dessa forma). A gravação, muitas vezes, era feita diretamente do rádio, o que exigia que acompanhássemos a programação com paciência, sempre prontos a apertar o REC aos primeiros acordes da canção escolhida. Dificilmente alguém tinha gravado os primeiros segundos de qualquer música "pirateada" dessa forma. Em compensação, quase sempre a música era entrecortada uma ou mais vezes pela vinheta de identificação da rádio.
Implementada no Brasil poucos anos antes, a internet ainda era uma ferramenta de ficção científica, disponível apenas para alguns poucos membros da comunidade acadêmica e do governo federal. Até porque, só um ano depois, em 1991, a reserva do mercado de informática chegaria ao fim e os microcomputadores começariam a se popularizar - muito gradativamente - entre os brasileiros.
Nesse contexto, era muito difícil se manter atualizado sobre o que rolava musicalmente no restante do mundo. E mesmo no Brasil, já que a grande mídia estava ocupada com gêneros de sucesso comercial como lambada, brega e sertanejo. Quem curtia pop-rock ou algum outro gênero menos midiático ou queria saber algo sobre o sucesso que as "college radios" norte-americanas vinham conquistando com o espaço dedicado ao rock alternativo (REM era então o melhor exemplo), só preenchia as lacunas lendo as poucas revistas especializadas no país, como Bizz e Rock Brigade (mais voltada ao público metaleiro), os fanzines que ainda resistiam e eram enviado pelos Correios ou numa ou outra matéria inspirada de um jornalista mais descolado já à serviço de um grande jornal como a Folha de S.Paulo ou JB.
Engraçado pensar nisso e lembrar que, lá fora, o grunge já havia dado à luz Bleach, do Nirvana (1989). E que Ten, do Pearl Jam, seria lançado ainda em 1991. Já com o Muro de Berlim no chão, a história, longe de chegar ao seu fim (Fukuyama), se aceleraria vertiginosamente. A ponto de, hoje, ao contrário, ser justamente a infinita oferta de informação a razão de não conseguirmos mais acompanharmos tudo o que rola na música e nas artes em geral.
De qualquer forma, foi naquele contexto que estreou, em outubro de 1990, a MTV Brasil. Emissora destinada ao público jovem que encerrou hoje (30) suas transmissões na tv aberta. Com a devolução pelo grupo Abril da marca MTV à empresa Viacom, o canal será reformulado e transmitido apenas na tv paga. Pelo que vem sendo anunciado, a programação será muito diferente da que vinha sendo transmitida. Razão pela qual alguns telespectadores e vários apresentadores e funcionários demitidos se referem ao episódio como "o fim da MTV".
É inegável que há tempos a MTV Brasil já não era essa de que me recordo e não cumpria o mesmo papel. Com a facilidade das pessoas pesquisarem na internet, a música foi perdendo cada vez mais espaço para a comédia. Para mim, a coisa perdeu razão de ser quando vjs como Fábio Massari e Kid Vinil, ou até mesmo o Gastão, passaram a ser substituídos por patricinhas e programas de auditório como Beija Sapo entraram no ar. Aí veio o sucesso das produções na rede, como o Porta dos Fundos. Para onde mais iria a MTV, que, ao longo de todo esse tempo no ar, parece nunca ter conseguido sucesso publicitário?
Muita gente comentou no twitter que já não assistia a MTV, mas que, diante do fim, lembrou de momentos marcantes, de bandas que conheceu na emissora, músicas preferidas, entrevistas. E, lógico, de VJs. Até quem não assistia à MTV, mas gosta de tv tem um tributo a pagar ou maldições à lançar à extinta emissora, já que dali saíram muitos profissionais hoje famosos em outros canais e atividades (Zeca Camargo, Soninha, Fernanda Lima, Marcelo Adnet, Tatá Werneck, Dani Calabresa, João Gordo (que, óbvio, já era figura conhecida graças ao Ratos de Porão, mas que ali descobriu sua verve de entrevistador televisivo) e muitos outros. Fora que muita experiência de linguagem foi depois incorporada por outras emissoras.
Passados 23 anos, a geração Y está grisalha, o vídeo-clip já não tem mais a mesma importância, a música se tornou algo quase banal dada à facilidade de obtenção...e a MTV saiu do ar. A julgar pelos programas exibidos para marcar o fim, creio que não vai deixar órfãos. Mesmo assim, não deixa de ser intrigante que o canal destinado ao público jovem que, dizem os estrategistas, são o público consumidor prioritário, quebre sem que nenhum grupo econômico interessado apareça para comprá-lo, e que sai do ar quase que imperceptivelmente, sem que outros veículos analisem as causas e o significado disso, enquanto Rede TV e SBT mantem a mesma caquética obsolescência no ar.
Eu vou sentir falta da Funérea, a personagem animada responsável por algumas das melhores entrevistas da tv brasileira.
Eu vou sentir falta da Funérea, a personagem animada responsável por algumas das melhores entrevistas da tv brasileira.
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