Tinha decidido não mais comentar estreias cinematográficas. Por causa dos esquemas de distribuição e exibição, em algumas cidades os lançamentos demoram a chegar ou sequer são exibidos. Daí que, como dois de meus três leitores moram em outras paragens, tratar de certos filmes soa a mero exibicionismo ou, na melhor das hipóteses, a estímulo à pirataria.
Mesmo assim, às vezes eu não resisto e começo a pensar no que escrever sobre algo de que gostei. Caso do sutil Flores Raras, filme a que assisti há algumas semanas - onze anos após ver, em Santos, a excelente peça Um Porto para Elizabeth Bishop, de Marta Góes. Dirigido pelo brasileiro Bruno Barreto, o filme trata da relação e do convívio de 15 anos da poeta norteamericana Elizabeth Bishop (1911-1979) com a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (1910-1967), interpretadas, respectivamente, pelas atrizes Miranda Otto e Glória Pires.
Não sou fã do trabalho de Barreto, mas, nesse caso, seu, digamos, tradicionalismo estético contribuiu para a trama, já que Bishop e Lota se conheceram e se apaixonaram no Rio de Janeiro da década de 50, período de grandes mudanças na cultura e na própria sociedade brasileira. Anos cujos reflexos ainda se fazem sentir e que ainda não foram completamente absorvidos (vide a construção de Brasília), mas que as produtoras cinematográficas brasileiras e as telenovelas tratam como nossa belle epoque.
Além das sensacionais atuações de Glória Pires (merecedora de prêmios e homenagens) e de Miranda Otto, o filme tem recebido elogios unânimes não só por tratar com rara sensibilidade a relação amorosa de Bishop e Lota, mas também pela produção e pela reconstituição de época.
No plano pessoal, a história de amor e companheirismo de Bishop e de Lota coincide com o período mais frutífero da vida das duas intelectuais: a poetisa ganhou o Prêmio Pulitzer (1956), um dos mais importantes da literatura mundial, durante sua estadia no Brasil. Enquanto isso, a brasileira concebia e recebia do governador da Guanabara a tarefa de supervisionar a construção do Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro. Como pano de fundo histórico, o Brasil se industrializava, se tornava mais urbano e atravessava um de seus mais conturbados períodos políticos (o recente suicídio de Vargas, renúncia de Jânio, impedimento da posse de Jango, golpe militar), com reflexos estimulantes para as artes em geral, sobretudo para a música, com o surgimento da Bossa-Nova.
De polêmico mesmo, só a opção do bem-comportado Bruno Barreto de humanizar o "corvo" Carlos Lacerda, político responsável pelo suicídio de Vargas, crítico ferrenho de Jânio e apoiador de primeira hora dos militares e grande amigo de Lota, de quem `fez a vontade´ ao aprovar a construção do Aterro do Flamengo. Sobre isso, contudo, não encontrei nenhum comentário ou crítica.
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