sexta-feira, julho 31, 2009

"...No meu caminho para a terra prometida, na estrada para o inferno"

1) Highway to Hell

No último dia 27, o sexto álbum de estúdio da banda australiana AC&DC completou 30 anos de seu lançamento. Alçado ao posto nº 199 da lista que a revista Rolling Stone fez com os 500 melhores álbuns de todos os tempos, foi o último a contar com a participação do vocalista Bon Scott, escocês morto em 1980.

Na época de seu lançamento, eu ainda estava sob o efeito do Bambalalão. Por sorte, na pré-história da aldeia global, antes da MTV, do cd, da internet e do Ipod, as coisas demoravam um pouco a circular e ainda mais para se difundir. Graças a isso, talvez, eu tenha descoberto o rock com esse disco, já na pré-adolescência, em meados da década de 1980. E por algum tempo, o pequeno guitarrista Angus Young foi para mim a síntese da picardia e do rock ´n ´roll.


Estudante entediado com as aulas do Pedro II, em Santos, não tinha como não me divertir vendo Angus em sua fantasia de colegial, de calções curtos, paletó estudantil e gravata - peças de que ia se livrando à medida que o show avançava para, ao fim, abaixar o short e exibir a bunda branca para a platéia. O fã-clube adorava a banda que não soava nem um pouco pretensiosa. Na verdade, eles davam a impressão de ser a turma do fundão de qualquer sala de aula. E daí os chifrinhos, os tiques, as caretas de Angus.


Depois o tempo passou, conheci outros sons, novas bossas vieram, a MTV nos trouxe as novidades mais rapidamente e o resto é história. Até em show do Madredeus eu estive (e gostei!). Até que, dia desses, uma promoção da Livraria Primeira Leitura me devolveu o prazer de ouvir...Highway to Hell. Desde então, tenho ouvido minha dose diária de AC&DC como remédio para o desânimo. (Isso e Yggy Pop)


E só então, com os ouvidos atentos, percebi algo que nunca havia notado ou lido em qualquer lugar. Angus Young é um puta de um guitarrista. A ginástica aeróbica que ele faz no palco talvez tenha ofuscado um pouco isso, mas é evidente que Angus é a alma da banda não só pela personagem que encarna ou por seu carisma. Ele toca muito. E neste álbum, é perceptível a química entre ele e Bon Scott, que colocava muito de suas referências blues no som pesado da banda. Até hoje, fãs de todo o mundo rendem homenagens ao vocalista.
Coincidentemente, o disco que alçou a banda à fama mundial completou três décadas pouco tempo após o grupo voltar, depois de 28 anos, a ocupar o primeiro lugar da parada britânica, com o disco Black Ice, de 2008.

terça-feira, julho 28, 2009

Republicando



Auto-retrato do Autor enquanto Semifosco


"Mesmo não sendo barro amorfo, ainda não estou solidificado. Ainda sou capaz de sentir e de me transformar, ainda sou capaz de ver o momento não como alguma coisa de estático, mas como oportunidade para reiniciar minha formação" (adaptado de Roman Jakobson)"

domingo, julho 26, 2009

"Ninguém sabe como é renunciar", diz presidente

Jesus! Não sei se foi devido ao cansaço, à baixa umidade relativa do ar, ao uso inconseqüente deste fluidificante nasal ou se por tudo junto, mas eu ontem tive uma alucinação enquanto assistia ao filme Frost/Nixon.

Até onde me lembro, o ator Michael Sheen, que no filme interpreta o jornalista David Frost, comemorava o fato de ter fechado um acordo para entrevistar, com exclusividade, o ex-presidente norte-americano Richard Nixon, vivido por Frank Langella. A história é real e se passou em 1977. Frost foi o primeiro a entrevistar Nixon após este ter renunciado à presidência dos EUA, em 1974, por causa do escândalo de Watergate. Apresentador de programas de entretenimento, com fama de ser um playboy fútil e mulherengo e sem nenhuma experiência relevante
no campo da política, Frost viu na ocasião a oportunidade de dar “o pulo do gato” de sua carreira. Já Nixon encarava a entrevista como a chance de, dando sua versão dos fatos e destacando seus feitos na presidência, se redimir perante a opinião pública. Quem sabe assim, não conseguiria voltar à vida pública.

Pois não é que, apesar da direção cativante de Ron Howard, eu peguei no sono. Pior. De repente eu me vi assistindo a um David Frost estupefato diante do...Dono do Maranhão, o Imortal e Vitalício “Sr. Presidente”. E o diálogo, real ou imaginário, sucedeu mais ou menos assim, embora eu não saiba precisar se em 1977 ou em 2009.

_ (Frost) O senhor sempre sustentou que não sabia de nada. Espera mesmo que acreditemos que o senhor não tinha conhecimento desses fatos?

_ (Sr. Presidente) Não tinha mesmo. Acreditava que o dinheiro tivesse fins humanitários. Que fosse para ajudar pessoas carentes. (Me pareceu ouvi-lo acrescentar um “para a instituição com fins culturais”, mas isso eu não sei se foi um acréscimo posterior de minha imaginação)

_ (Frost) Bom, o dinheiro estava sendo entregue em cabines telefônicas, com nomes falsos, e em aeroportos, por pessoas usando luvas.

_ (Sr. Presidente) Olha, eu já declarei o que tinha a declarar sobre isso. São negócios de meus advogados e eu não sabia de nada.

_ (Frost) Se eles são os único responsáveis, porque quando o senhor descobriu não chamou a polícia e mandou prendê-los? (Aqui também pensei entender Frost acrescentar um “prender esses aloprados” bem baixinho, mas restou a dúvida)

_ (Sr. Presidente) Talvez eu devesse mesmo ter feito isso. Chamar a Polícia Federal no meu gabinete e dizer, “aqui estão esses homens. Levem-nos e joguem-nos no xadrez”. Só que eu não sou assim. Eu conheço as famílias dos dois e conheço-os desde que eram crianças.

Pausa. A câmera dá um close em Frost, que parece não conseguir acompanhar o raciocínio de vossa excelência. O Vitalício, no entanto, parece perceber o descompasso entre seu pensamento e o entendimento mediano, aqui, representado pelo jornalista, e acrescenta:

_ (Sr. Pr
esidente) Não sou assim, mas, politicamente, a pressão para que eles fossem processados se tornou insuportável e EU (destaca, apontando para si próprio) então permiti isso. Cortei um braço, cortei o outro e olha que eu não sou um bom açougueiro. Sempre sustentei que o que eles estavam fazendo não era um crime. Quando se está no poder, é preciso fazer muita coisa que, no sentido mais estrito, não é legal. Só que você faz essas coisas porque elas são do interesse maior da Nação.

_ (Frost, aturdido) O senhor está dizendo que, em certas situações, o presidente pode decidir se algo é do interesse da Nação e fazer algo ilegal?

_ (Sr. Presidente) Estou dizendo que quando o presidente faz algo, não é ilegal. É nisso que acredito...mas percebo que ninguém concorda comigo.

_ (Frost) Neste caso, então, o senhor aceita esclarecer tudo de uma vez por todas, admitir que violou a lei?

_ (Sr. Presidente) ...

_ (Frost) Chamaria seus atos algo além de “erros”?

_ (Sr. Presidente) Que palavras você usaria?

_ (Frost, já suando) Minha nossa! Já que o senhor me perguntou, acho que há três coisas que as pessoas gostariam de vê-lo dizer. Primeiro, que (será que eu o ouvi dizer atos secretos e desvios de recursos) foram mais que erros, foram delitos. E que, portanto, deve ter havido um crime. Segundo, as pessoas gostariam de ouvi-lo falar “eu abusei do poder que tinha como presidente”. Terceiro, “permiti que o povo tivesse muito tempo de agonia desnecessária e quero que me desculpem por isso”.

_ (Sr. Presidente) Bom, é verdade. (Toda a equipe técnica e o próprio Frost acusa
m ansiedade. Sabem que o Vitalício está em uma sinuca de bico. Frost parece ter ganho o embate verbal) Cometi erros terríveis, erros que não são dignos de um presidente e que não atingem o padrão de excelência com que sonhei quando era menino. Esta é uma época difícil. Lamento muito por todos os meus erros, mas ninguém sabe como é renunciar à presidência. Não me humilharei, nunca. Continuo insistindo que foram erros do coração, não da cabeça. Eu derrubei a mim mesmo. Dei a eles uma espada e eles aproveitaram. Enterraram fundo e a giraram com deleite. Acho que se eu estivesse no lugar deles teria feito o mesmo...

_ (Frost) E o povo?

_ (Sr. Presidente) ...Eu o decepcionei.

Nisso, algo me trouxe de volta. Se do sonho, da alucinação ou da realidade, não sei dizer. Só sei que voltei a me dar conta de meu corpo esparramado no sofá ao ouvir o som vindo da casa do vizinho. Renato Russo gritava “que país é este?”. ?.

terça-feira, julho 21, 2009

TIRANDO O ATRASO

Sete anos após seu lançamento, eu, enfim, li O Cheiro do Ralo, do quadrinista Lourenço Mutarelli. Desde sua primeira publicação, em 2002, o livro vem recebendo criticas elogiosas e vendendo bem. Em parte porque o autor já era então famoso entre os que apreciam Hqs, mas também porque a obra acabou por se tornar conhecida do grande público após o diretor Heitor Dhalia (Nina) transpor a história para o cinema, dando o papel principal para um inspirado Selton Mello.

Fiquei impressionado com a construção da novela, com a concisão e com o ritmo das sentenças construídas por Mutarelli. A história do homem atormentado pelo cheiro do ralo do banheiro do depósito onde trabalha, comprando objetos usados, se lê de um fôlego só.

Também aproveitei o final de semana para assistir ao filme que deu ao ator Sean Penn seu segundo Oscar. Lançado em 2008, Milk narra a trajetória de Harvey Milk, o primeiro homossexual norte-americano assumido a ocupar um cargo público após, já com 40 anos de idade, decidir assumir sua opção sexual e “sair do armário”.

Desde Sobre Meninos e Lobos que o antes “ex-marido de Madonna” vem participando de um filme melhor que o outro. Mesmo assim, para vários críticos, a atuação em Milk é a melhor de sua carreira. Eu ainda acrescento que é também o melhor filme de Gus Van Sant (Paranoid Park, Os Últimos Dias, Gênio Indomável, Drugstore Cowboy) em muitos anos.

sábado, julho 04, 2009

A Luta é Cultura!

Ontem (3), caiçaras, quilombolas, índios guaranis e artesãos tomaram as ruas do Centro Histórico de Paraty. Portando faixas e cartazes e avançando ao som do maracatú por entre poetas, estudantes e peruas, representantes dos moradores de comunidades tradicionais protetaram contra o que classificam como "a pressão exercida pela especulação imobiliária, a ausência de políticas públicas".

Segundo o manifesto distribuído pelo Fórum de Comunidades Tradicionais - entidade civil que diz lutar pelos direitos e pela manutenção da identidade cultural das comunidades locais - há pelo menos 30 anos a região sofre as consequências negativas da construção da Rodovia Rio-Santos. Ainda de acordo com o manifesto, a estrada pavimentou um modelo de desenvolvimento baseado no turismo, seguido pela a construção de condomínios de luxo e de empreendimentos como marinas e resorts que acabaram por determinar a expulsão dos moradores originais de suas terras.

Alvo das críticas mais contundentes, o Condomínio Laranjeiras é acusado de dificultar o acesso de moradores da Vila Oratória a suas próprias casas, além de impedir que antigos pescadores usem a praia, privatizada. A quem não se mudou para bairros periféricos, restou a alternativa de se tornar caseiro, tomando conta das casas milionárias.

"A política ambiental implementada na região desconsidera historicamente a presença das comunidades nos seus territórios, proibindo-os de manter práticas tradicionais como plantar e pescar e até mesmo construir ou reformar suas moradias, através de uma estratégia de intervenção incompatível com as possibilidades de manejo sustentável da biodiversidade na Mata Atlântica", diz a nota do Fórum de Comunidades Tradicionais.

Segundo um dos representantes da associação de moradores de Laranjeiras que pediu para não ser identificado, após a construção do condomínio, iniciada há cerca de 20 anos, as pessoas que vivem em Vila Oratória passaram a ter que se identificar na portaria instalada na única via de acesso ao local. Além disso, diz ele, há uma segunda guarita logo após a vila e esta impediria o acesso à praia de pessoas que não sejam proprietários de casas no condomínio.

Durante o protesto, que chegou a contornar a Praça da Matriz, passando ao lado da tenda onde as pessoas acompanhavam por telões as palestras de escritores convidados para a Flip, os manifestantes reclamaram da indiferença do poder público para com esta e outras questões.

Artesãos acusaram o IPHAN de, com o argumento de estar protegendo o patrimônio histórico, impedí-los de trabalhar nas ruas do Centro Histórico, ao passo que dezenas de estabelecimentos cujos proprietários, segundo eles, não passam de comerciantes intermediadores, com dinheiro para arcar com impostos e outras taxas, estão estabelecidos no local de maior afluxo turístico.

O protesto chamou a atenção dos visitantes, mas diante da inicial indiferença da imprensa, só foi ter sua eficácia confirmada no final da noite, quando Chico Buarque, ao término de sua palestra, pediu licença para falar sobre o assunto e pedir atenção ao tema.


quarta-feira, julho 01, 2009

A literatura é uma festa?

Daqui a exatos dez minutos, portanto, as 19 horas, o crítico literário Davi Arrigucci Jr. subirá ao palco da Tenda dos Autores e, com uma palestra sobre a poesia de Manuel Bandeira (autor homenageado deste ano), dará início a VII Festa Literária Internacional de Paraty (que,erroneamente, alguns insistem em grafar Parati).

Durante a tarde, o movimento ainda estava tranquilo, embora ônibus vindos do Rio de Janeiro e de São Paulo chegassem lotados a todo instante. Saí para comer algo e conferir os preparativos finais para o evento e, enquanto eu caminhava pelo Centro Histórico, me lembrei da questão apresentada pelo assessor da Flip, Flávio Moura, no blog dedicado à festa.

"Por que, afinal, tanta gente se abala até Paraty para ouvir escritores e intelectuais? Num país em que a tiragem média de um livro é de 3 mil exemplares, o que leva quase 20 mil pessoas a pegar a estrada e assistir a leituras e palestras que em outro contexto poderiam estar vazias?", questiona Moura.

Já começava a pensar nas razões que pelo quinto ano consecutivo me trazem a este pequeno paraíso do litoral sul fluminense, quando, ao chegar a Tenda da Matriz, ouço a voz inconfundível de Adriana Calcanhoto. A cantora, que se apresenta logo mais, as 21 horas, estava ali, passando o som, com apenas algumas poucas pessoas debruçadas sobre as grades que delimitam o acesso à Tenda da Matriz sem, contudo, impedir a visão do palco ou mesmo dos telões pelos quais eu e dezenas de outras pessoas iremos assistir a maioria das palestras sem gastar um tostão.
Talvez isso ajude a responder o Moura, mas, entre uma palestra e um show, eu ainda vou pensar melhor sobre o assunto...