domingo, julho 26, 2009

"Ninguém sabe como é renunciar", diz presidente

Jesus! Não sei se foi devido ao cansaço, à baixa umidade relativa do ar, ao uso inconseqüente deste fluidificante nasal ou se por tudo junto, mas eu ontem tive uma alucinação enquanto assistia ao filme Frost/Nixon.

Até onde me lembro, o ator Michael Sheen, que no filme interpreta o jornalista David Frost, comemorava o fato de ter fechado um acordo para entrevistar, com exclusividade, o ex-presidente norte-americano Richard Nixon, vivido por Frank Langella. A história é real e se passou em 1977. Frost foi o primeiro a entrevistar Nixon após este ter renunciado à presidência dos EUA, em 1974, por causa do escândalo de Watergate. Apresentador de programas de entretenimento, com fama de ser um playboy fútil e mulherengo e sem nenhuma experiência relevante
no campo da política, Frost viu na ocasião a oportunidade de dar “o pulo do gato” de sua carreira. Já Nixon encarava a entrevista como a chance de, dando sua versão dos fatos e destacando seus feitos na presidência, se redimir perante a opinião pública. Quem sabe assim, não conseguiria voltar à vida pública.

Pois não é que, apesar da direção cativante de Ron Howard, eu peguei no sono. Pior. De repente eu me vi assistindo a um David Frost estupefato diante do...Dono do Maranhão, o Imortal e Vitalício “Sr. Presidente”. E o diálogo, real ou imaginário, sucedeu mais ou menos assim, embora eu não saiba precisar se em 1977 ou em 2009.

_ (Frost) O senhor sempre sustentou que não sabia de nada. Espera mesmo que acreditemos que o senhor não tinha conhecimento desses fatos?

_ (Sr. Presidente) Não tinha mesmo. Acreditava que o dinheiro tivesse fins humanitários. Que fosse para ajudar pessoas carentes. (Me pareceu ouvi-lo acrescentar um “para a instituição com fins culturais”, mas isso eu não sei se foi um acréscimo posterior de minha imaginação)

_ (Frost) Bom, o dinheiro estava sendo entregue em cabines telefônicas, com nomes falsos, e em aeroportos, por pessoas usando luvas.

_ (Sr. Presidente) Olha, eu já declarei o que tinha a declarar sobre isso. São negócios de meus advogados e eu não sabia de nada.

_ (Frost) Se eles são os único responsáveis, porque quando o senhor descobriu não chamou a polícia e mandou prendê-los? (Aqui também pensei entender Frost acrescentar um “prender esses aloprados” bem baixinho, mas restou a dúvida)

_ (Sr. Presidente) Talvez eu devesse mesmo ter feito isso. Chamar a Polícia Federal no meu gabinete e dizer, “aqui estão esses homens. Levem-nos e joguem-nos no xadrez”. Só que eu não sou assim. Eu conheço as famílias dos dois e conheço-os desde que eram crianças.

Pausa. A câmera dá um close em Frost, que parece não conseguir acompanhar o raciocínio de vossa excelência. O Vitalício, no entanto, parece perceber o descompasso entre seu pensamento e o entendimento mediano, aqui, representado pelo jornalista, e acrescenta:

_ (Sr. Pr
esidente) Não sou assim, mas, politicamente, a pressão para que eles fossem processados se tornou insuportável e EU (destaca, apontando para si próprio) então permiti isso. Cortei um braço, cortei o outro e olha que eu não sou um bom açougueiro. Sempre sustentei que o que eles estavam fazendo não era um crime. Quando se está no poder, é preciso fazer muita coisa que, no sentido mais estrito, não é legal. Só que você faz essas coisas porque elas são do interesse maior da Nação.

_ (Frost, aturdido) O senhor está dizendo que, em certas situações, o presidente pode decidir se algo é do interesse da Nação e fazer algo ilegal?

_ (Sr. Presidente) Estou dizendo que quando o presidente faz algo, não é ilegal. É nisso que acredito...mas percebo que ninguém concorda comigo.

_ (Frost) Neste caso, então, o senhor aceita esclarecer tudo de uma vez por todas, admitir que violou a lei?

_ (Sr. Presidente) ...

_ (Frost) Chamaria seus atos algo além de “erros”?

_ (Sr. Presidente) Que palavras você usaria?

_ (Frost, já suando) Minha nossa! Já que o senhor me perguntou, acho que há três coisas que as pessoas gostariam de vê-lo dizer. Primeiro, que (será que eu o ouvi dizer atos secretos e desvios de recursos) foram mais que erros, foram delitos. E que, portanto, deve ter havido um crime. Segundo, as pessoas gostariam de ouvi-lo falar “eu abusei do poder que tinha como presidente”. Terceiro, “permiti que o povo tivesse muito tempo de agonia desnecessária e quero que me desculpem por isso”.

_ (Sr. Presidente) Bom, é verdade. (Toda a equipe técnica e o próprio Frost acusa
m ansiedade. Sabem que o Vitalício está em uma sinuca de bico. Frost parece ter ganho o embate verbal) Cometi erros terríveis, erros que não são dignos de um presidente e que não atingem o padrão de excelência com que sonhei quando era menino. Esta é uma época difícil. Lamento muito por todos os meus erros, mas ninguém sabe como é renunciar à presidência. Não me humilharei, nunca. Continuo insistindo que foram erros do coração, não da cabeça. Eu derrubei a mim mesmo. Dei a eles uma espada e eles aproveitaram. Enterraram fundo e a giraram com deleite. Acho que se eu estivesse no lugar deles teria feito o mesmo...

_ (Frost) E o povo?

_ (Sr. Presidente) ...Eu o decepcionei.

Nisso, algo me trouxe de volta. Se do sonho, da alucinação ou da realidade, não sei dizer. Só sei que voltei a me dar conta de meu corpo esparramado no sofá ao ouvir o som vindo da casa do vizinho. Renato Russo gritava “que país é este?”. ?.

Nenhum comentário: