domingo, novembro 25, 2012
Documentando a Roda
Sábado.
Santos, litoral paulista.
A noite cai e as ruas do Marapé, bairro popular santista, vão se esvaziando. Exceção à Rua Nove de Julho, a agora chamada Rua do Samba.
Pessoas vão chegando. A maioria, a pé. Destino: o modesto clube social Ouro Verde, a poucas quadras da sede da União Imperial, uma das mais tradicionais escolas de samba do estado.
No começo, o que chama a atenção são os cabelos brancos e a simplicidade no trajar dos primeiros que chegam. Para os mais atentos, é como uma senha: aqui se vem para encontrar os amigos, se divertir e ouvir boa música. Senhoras se acomodam nas mesas dispostas em um canto reservado aos sócios desta espécie de Clube da Lua (filme argentino dirigido por Juan José Campanella e com Ricardo Darín no papel principal).
Logo, mas ainda cedo para os padrões atuais, começam a chegar os jovens. Que também seguem o código: aqui ninguém arruma confusão ou vem para chamar a atenção para si, sob pena não apenas de ser colocado para fora pela "diretoria", mas, principalmente, de ser desclassificado por quem já viveu o bastante para saber o que é a real malandragem. Tampouco se exige música, afinal, os músicos estão ali para se divertir, tocando de graça unicamente pelo prazer de tocar aquilo de que gostam para quem compartilha de suas preferências. Se não houvesse um único assistente ao redor da corda que separa a roda dos demais, eles ainda assim estariam ali, com a cerveja, a água, o whisky e o amendoim sob a mesa no centro da roda.
Todos encontrarão as portas abertas, sem bilheteria ou segurança a fazer revistas pessoais. Por algum milagre, no Ouro Verde, o limite da precaução foi afixar em local visível a faixa com o aviso de que é proibido dançar junto, ficar sem camisa e namorar no interior do salão.
Salão onde, há 25 anos, um grupo de amigos, músicos nas horas vagas, se reúne praticamente todos os sábados para tocar samba de excelente qualidade. Samba mesmo, não aquilo que se vê anunciado nos muros santistas ou que toca nas rádios locais.
É esta história, uma das mais belas manifestações culturais santistas, que a produtora Dose de Inspiração registra no documentário Ouro Verde - A Roda de Samba do Marapé, lançado há uma semana e cuja íntegra, infelizmente, ainda não está disponível nas redes sociais (veja trailler abaixo)
Uma história de amizade regada à samba, cerveja e alegria espontânea, muito diferente dos sorrisos forçados e necessidade de aparecer presenciada em lugares `mudérnos´, da moda.
23h30. Um dos joviais senhores cantores se ergue e samba enquanto os últimos acordes se elevam. O público aplaude. Zinho faz o cavaco chorar. Pandeiro e repique se esmeram. O surdo soa mais alto e, em geral, Mário sola com seu trombone de vara antes de suspender a nota e escancarar seu contagiante sorriso de quem viveu a vida.
Ainda há whisky na garrafa, mas não há problema. Todos estão felizes e o precioso líquido fica para o próximo sábado. Todos saem à rua Nove de Julho com uma sensação de leveza. Os jovens seguem para outros lugares em busca da única coisa que o Ouro Verde não lhes oferece. Os mais velhos, voltam pra casa que amanhã é domingo e quem é esperto chega cedo à praia.
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