Longa Viagem Noite Adentro
(ou de como Winona Ryder roubou minha outra camiseta)
Quando, enfim, se decidiu e bateu a porta, ela disse que eu temia amadurecer e me tornar velho. Ela estava enganada. Desde que me deixou, há poucos meses, envelheci alguns anos. Os vincos em meu rosto e as olheiras são indícios das noites mal-dormidas. O pior: não amadureci.
Na última sexta-feira, por exemplo, decidi alongar o fim-de-semana. Senti vontade de ver gente, de sair sem destino certo. Me vesti, baguncei o cabelo e ganhei a rua. Só não tirei os óculos porque isso representaria um enorme risco de eu ser atropelado.
Passei diante do Restaurante Chaminé, na 402 Norte e segui até a 203 Norte, onde o garçom do Manga Rosa recolhia cadeiras esvaziadas. Do outro lado da rua, algumas pessoas faziam a social no Balaio Café. No Armazém do Ferreira também havia um número considerável de pessoas, mas estas me pareceram enjoadas demais para meu estado de espírito.
Segui até o Eixão. Sabia aonde minha caminhada noturna me levaria. Sem ver alma viva que não as que passavam velozes em seus carros, continuei em direção à Rodoviária. Próximo ao Teatro Nacional Cláudio Santoro, três figuras furtivas surgiram das sombras de um ponto de ônibus. Tive medo, claro, mas se eram malandros, devem ter concluído que, em Brasília, um sujeito caminhando de madrugada não deve ter muito a oferecer.
Parei alguns instantes diante da Rodoviária do Plano Piloto. Observava “as luzes de Natal” e aquela paisagem de cartão-postal, com os edifícios dos ministérios e, ao fundo, o Congresso. Meu Deus! Mas que cidade fria. Só nos resta mesmo trabalhar, cortar madeira, lapidar palavras e ignorar o desastre social a nossa volta. As luzes podem ser bonitas, mas o significado das construções já não me comove. Diferentemente da feia, suja e mal-cuidada Rodoviária do Plano Piloto.
Atravessei-a. À noite, após os trabalhadores terem retornado a suas casas nas cidades satélites, a Rodoviária acomoda todo tipo de desafortunados. Famílias que vêm a Brasília mendigar durante o verão, desocupados, sem-tetos e hippies encardidos se misturam aos funcionários da limpeza, a taxistas e perueiros sonolentos. À noite, o cheiro de urina da rodoviária que a elite não utiliza se torna mais perceptível.
Sigo adiante. À direita fica o shopping. Fechado. À esquerda...bem, à esquerda fica o inclassificável, o diverso, o mau-afamado Conic. O local mais heterogêneo de Brasília. Diferentemente do templo do consumo ao lado, com suas entranhas abertas para os pedestres tal qual uma...bem, deixa para lá.
Mesmo, porém, para grande parte dos que vivem no e do Conic, é tarde. Bares, igrejas, livrarias, lojas de skate, óticas, o enorme templo da Universal, tudo está fechado a uma da manhã. Apenas os cines pornôs e os puteiros do lado externo do prédio funcionam à vista das pessoas a esta hora. Só procurando bem para encontrar, no subsolo, a entrada da boate Espaço Galeria.
Entro ao som de Rock The Casbah, do The Clash. Três garotos de colete, blazer e óculos escuros dançam animadamente no centro da pista ainda vazia. Uma garota com vários pieciengs no rosto beija uma loira muito bonita. Nas paredes, além de fotos de astros do rock, quadros com fotos de modelos semi-nús. E o som bombando. Ramones, The Killers, Beck, The Hives, White Strippes, Iggy Pop, Beatles, Rolling Stones, Strokes, Franz Ferdinand.
Velho ou não, tomo, logo de cara, duas caipirinhas. Não são lá grande coisa, mas, in rock we trust. O negócio é ir para o meio da pista, chacoalhar o esqueleto e deixar o resto por conta do estrobo. Quem quer amadurecer? Quem aqui quer escapar à ditadura da juventude? A publicidade, os estúdios de cinema, as rádios fms, a tv, as revistas semanais, a moda, Beavis & Buthead, os dedinhos da Eliana, Michael Jackson, tudo, tudo o que é comercializável neste mundo é jovem e esbanja ATITUDE. Quem quer envelhecer? Que importa que ela tenha batido a porta com força? Que diabos, esta caipirinha só tem gelo. Que coisa. O quem quer este metrossexual me encarando com seu topetinho e cinto com estampa de vaca malhada?
_ As mulheres são vingativas. Elas sempre fazem isso.
_ Haã???
_ Roubam vocês quando vão embora. Você não viu o clip da Lily Allen? É daquele jeito que uma mulher rancorosa pensa que tem de agir – diz ele, rindo e apontando para minha camiseta, onde se lê Winona Ryder stole my other t-shirt.
_ Ah, que se dane. Eu não sou tão moderno.
O negócio é continuar chacoalhando e socando o ar, torcendo para que o efeito do estrobo me faça parecer o Astaire deste pardieiro. A intenção é reavivar o que sentia aos dezesseis, simulando uma dança espasmódica nas matinês da Lofty, junto com meus amigos. Só que eu não tenho mais dezesseis, meus amigos não estão aqui, minhas articulações doem e aquela garota está apalpando os seios de outra garota.
Quem quer envelhecer? Se minha pernas permitirem, eu, amanhã, vou andar de skate. Vou fazer como o cara do Beleza Roubada. Largar meu trabalho e me empregar em um McDonald´s. Voltar a tomar vinho barato direto do gargalo. Que se dane que a gordura transaturada contribui para entupir as artérias gordurosas deste sistema intravenosos corrompido pelo espírito capitalista carcinogênico da jovem velha guarda da Música Pra Besta brasileira. Esta caipirinha podia vir com menos gelo. Talvez se adicionassem açaí ou pó de guaraná....Por precaução, melhor eu chegar para perto daqueles casais heteros.
Eu vou te provar. Eu não temo envelhecer, embora tenha medo de a garota ao lado me dizer que o som que está tocando e que eu nunca tinha ouvido é da banda sensação do momento. Eu tenho medo é de me acontecer algo enquanto volto para casa pelas ruas desertas de Brasília e, assim, não envelhecer. Me dá medo atravessar a passarela por sob o Eixão. Seguir pelas ruas silenciosas. Ruas vazias que me permitem enfiar o dedo no nariz sem cerimônia. Ruas tranqüilas e arborizadas que, eu sei!, escondem perversões, taras, volúpia, fetiches. Enquanto eu, distraidamente, caminho trôpego futucando o nariz.
Chego em casa e desabo na cama. Pronto. Está feito. Amanhã, estarei um dia mais velho. Isto é fácil. O que tarda é o vinho a amadurecer.
Na última sexta-feira, por exemplo, decidi alongar o fim-de-semana. Senti vontade de ver gente, de sair sem destino certo. Me vesti, baguncei o cabelo e ganhei a rua. Só não tirei os óculos porque isso representaria um enorme risco de eu ser atropelado.
Passei diante do Restaurante Chaminé, na 402 Norte e segui até a 203 Norte, onde o garçom do Manga Rosa recolhia cadeiras esvaziadas. Do outro lado da rua, algumas pessoas faziam a social no Balaio Café. No Armazém do Ferreira também havia um número considerável de pessoas, mas estas me pareceram enjoadas demais para meu estado de espírito.
Segui até o Eixão. Sabia aonde minha caminhada noturna me levaria. Sem ver alma viva que não as que passavam velozes em seus carros, continuei em direção à Rodoviária. Próximo ao Teatro Nacional Cláudio Santoro, três figuras furtivas surgiram das sombras de um ponto de ônibus. Tive medo, claro, mas se eram malandros, devem ter concluído que, em Brasília, um sujeito caminhando de madrugada não deve ter muito a oferecer.
Parei alguns instantes diante da Rodoviária do Plano Piloto. Observava “as luzes de Natal” e aquela paisagem de cartão-postal, com os edifícios dos ministérios e, ao fundo, o Congresso. Meu Deus! Mas que cidade fria. Só nos resta mesmo trabalhar, cortar madeira, lapidar palavras e ignorar o desastre social a nossa volta. As luzes podem ser bonitas, mas o significado das construções já não me comove. Diferentemente da feia, suja e mal-cuidada Rodoviária do Plano Piloto.
Atravessei-a. À noite, após os trabalhadores terem retornado a suas casas nas cidades satélites, a Rodoviária acomoda todo tipo de desafortunados. Famílias que vêm a Brasília mendigar durante o verão, desocupados, sem-tetos e hippies encardidos se misturam aos funcionários da limpeza, a taxistas e perueiros sonolentos. À noite, o cheiro de urina da rodoviária que a elite não utiliza se torna mais perceptível.
Sigo adiante. À direita fica o shopping. Fechado. À esquerda...bem, à esquerda fica o inclassificável, o diverso, o mau-afamado Conic. O local mais heterogêneo de Brasília. Diferentemente do templo do consumo ao lado, com suas entranhas abertas para os pedestres tal qual uma...bem, deixa para lá.
Mesmo, porém, para grande parte dos que vivem no e do Conic, é tarde. Bares, igrejas, livrarias, lojas de skate, óticas, o enorme templo da Universal, tudo está fechado a uma da manhã. Apenas os cines pornôs e os puteiros do lado externo do prédio funcionam à vista das pessoas a esta hora. Só procurando bem para encontrar, no subsolo, a entrada da boate Espaço Galeria.
Entro ao som de Rock The Casbah, do The Clash. Três garotos de colete, blazer e óculos escuros dançam animadamente no centro da pista ainda vazia. Uma garota com vários pieciengs no rosto beija uma loira muito bonita. Nas paredes, além de fotos de astros do rock, quadros com fotos de modelos semi-nús. E o som bombando. Ramones, The Killers, Beck, The Hives, White Strippes, Iggy Pop, Beatles, Rolling Stones, Strokes, Franz Ferdinand.
Velho ou não, tomo, logo de cara, duas caipirinhas. Não são lá grande coisa, mas, in rock we trust. O negócio é ir para o meio da pista, chacoalhar o esqueleto e deixar o resto por conta do estrobo. Quem quer amadurecer? Quem aqui quer escapar à ditadura da juventude? A publicidade, os estúdios de cinema, as rádios fms, a tv, as revistas semanais, a moda, Beavis & Buthead, os dedinhos da Eliana, Michael Jackson, tudo, tudo o que é comercializável neste mundo é jovem e esbanja ATITUDE. Quem quer envelhecer? Que importa que ela tenha batido a porta com força? Que diabos, esta caipirinha só tem gelo. Que coisa. O quem quer este metrossexual me encarando com seu topetinho e cinto com estampa de vaca malhada?
_ As mulheres são vingativas. Elas sempre fazem isso.
_ Haã???
_ Roubam vocês quando vão embora. Você não viu o clip da Lily Allen? É daquele jeito que uma mulher rancorosa pensa que tem de agir – diz ele, rindo e apontando para minha camiseta, onde se lê Winona Ryder stole my other t-shirt.
_ Ah, que se dane. Eu não sou tão moderno.
O negócio é continuar chacoalhando e socando o ar, torcendo para que o efeito do estrobo me faça parecer o Astaire deste pardieiro. A intenção é reavivar o que sentia aos dezesseis, simulando uma dança espasmódica nas matinês da Lofty, junto com meus amigos. Só que eu não tenho mais dezesseis, meus amigos não estão aqui, minhas articulações doem e aquela garota está apalpando os seios de outra garota.
Quem quer envelhecer? Se minha pernas permitirem, eu, amanhã, vou andar de skate. Vou fazer como o cara do Beleza Roubada. Largar meu trabalho e me empregar em um McDonald´s. Voltar a tomar vinho barato direto do gargalo. Que se dane que a gordura transaturada contribui para entupir as artérias gordurosas deste sistema intravenosos corrompido pelo espírito capitalista carcinogênico da jovem velha guarda da Música Pra Besta brasileira. Esta caipirinha podia vir com menos gelo. Talvez se adicionassem açaí ou pó de guaraná....Por precaução, melhor eu chegar para perto daqueles casais heteros.
Eu vou te provar. Eu não temo envelhecer, embora tenha medo de a garota ao lado me dizer que o som que está tocando e que eu nunca tinha ouvido é da banda sensação do momento. Eu tenho medo é de me acontecer algo enquanto volto para casa pelas ruas desertas de Brasília e, assim, não envelhecer. Me dá medo atravessar a passarela por sob o Eixão. Seguir pelas ruas silenciosas. Ruas vazias que me permitem enfiar o dedo no nariz sem cerimônia. Ruas tranqüilas e arborizadas que, eu sei!, escondem perversões, taras, volúpia, fetiches. Enquanto eu, distraidamente, caminho trôpego futucando o nariz.
Chego em casa e desabo na cama. Pronto. Está feito. Amanhã, estarei um dia mais velho. Isto é fácil. O que tarda é o vinho a amadurecer.
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