sexta-feira, janeiro 19, 2007

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

O PODER DO MITO
Vocês não vão acreditar, mas eu ontem reencontrei Sísifo. Achava que aquele grego já tinha morrido. Que nada. Ele está aqui, em Brasília, trabalhando no bloco D da 103 Norte. Demorei a reconhecê-lo, mas a postura arqueada, os ombros caídos e aquele sorrisinho submisso e nervoso o traíram.

Após muito tempo rolando pedra montanha acima, Sísifo conseguiu deixar o último trabalho e receber uma espécie de promoção, tornando-se faxineiro do edifício destinado a militares. Segundo ele, a pena é mais leve, embora tão inútil quanto a anterior.

Todos os dias, por volta das 13 horas, ele é obrigado a espalhar uma lama pelo chão de mármore e, com a ajuda de uma enceradeira, deixar o piso brilhando. Acontece que o piso em questão é a passarela de um prédio sem muro ou cerca, utilizado pelas pessoas como atalho. E, então, chove, as pessoas entram e saem pela portaria do prédio, pisam distraídas sobre o recém-terminado serviço de Sísifo sem se darem conta de sua existência... Tudo isso para que, no dia seguinte, o grego possa recomeçar tudo de novo.

Para ele, no entanto, poderia ser pior. Ele agradece o fato de os deuses terem permitido que ele use a enceradeira. E lembra, com certo regozijo, que seu amigo Prometeu foi condenado à pena bem mais severa apenas por ter presenteado a humanidade com o fogo celestial furtado por ele. Para quem não se recorda da trágica história, Prometeu foi acorrentado a uma rocha. Todos os dias, uma águia vinha lhe comer o fígado, que se recompunha durante a noite apenas para que o suplício fosse retomado no dia seguinte.

Pensando por este prisma, até que ele está certo. Fora que, além de agora receber vale-transporte, ele tem direito a 30 dias de descanso que pode vender para reforçar o orçamento doméstico. Por outro lado, como escreveu Camus em um texto dedicado ao hoje humilde faxineiro, "não há punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança".

Um comentário:

Anônimo disse...

CAramba, que memória e poder de reinterpretação!! Estupefato eu ...
Que bom gente que pensa. Isso me alegra.