domingo, agosto 15, 2010

A falta que um assobio faz

* (reproduzo abaixo um poema escrito pela jornalista e professora universitária santista, Lidia Maria de Melo, autora de, entre outros, "Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós", livro em que documenta o vergonhoso episódio do navio-cárcere que permaneceu ancorado na baía de Santos e no qual prisioneiros do regime militar foram mantidos presos entre abril e outubro de 1964. Segundo ela mesma, o poema abaixo começou a ser escrito em 2000, mas só foi concluído em 2009, de maneira que, apesar de algumas mudanças recentes, ainda representa o pensamento de muitos)



Um Assobio
Lidia Maria de Melo


Minha cidade mudou de cor.
Já foi vermelha, desbravadora,
mais que temida: foi respeitada.

Minha cidade tinha
um característico viço incomum.
Homens erguiam sacas de café, de açúcar
e tantos outros produtos
que garantiam sustento digno.

Minha cidade era de brios.
Já foi grevista, polêmica,
operária, dona de vida à toa na beira do cais,
artística, intelectual,
poética, teatral,
vanguarda política e musical.

Minha cidade foi palco de eternos e heroicos dribles,
célebres conquistas,
inesquecíveis vitórias.
Gerou discursos, comícios,
inflamadas assembleias.
Inspirou prosas e versos.
Minha cidade já teve siso, ares sombrios...
Minha cidade sempre se defendeu.

Nos últimos tempos, minha cidade contraiu
uma palidez preocupante,
uma cruel anemia.
Minha cidade ficou branca.
Mas não com ares de paz.

Seus meninos tombam, abatidos,
ainda no vigor dos hormônios.
Minha cidade virou manchete
na internet, rádios, jornais e emissoras de TV.

Minha cidade perdeu o sono
e morre de medo.
Minha cidade anda doente,
necessitada de intensivos cuidados.
Minha cidade precisa
é recuperar o bom humor de um assobio.

** (Agora que melodia mágica deve ser esta a ser assobiada para que nossa cidade recupere o bom-humor que permita a volta dos shows na praia e o uso adequado do Teatro Municipal e da Cadeia Velha? Que desestimule aqueles que pensam em promover abaixo-assinados para impedir o uso da Concha Cústica ou para fechar o Ouro Verde? Que devolva à Avenida Mário Covas, seu verdadeiro nome e aos jovens à esperança de poderem dar o melhor de si em sua própria terra?)

Um comentário:

Lidia Maria de Melo disse...

Oi, Alex. Tudo bom?
Gostaria que você pusesse meu nome também abaixo do título do poema (entre o título "Um assobio'' e o início do poema). Sei que você mencionou a autoria no preâmbulo, mas internet é meio terra de ninguém. De repente, um desavisado não observa e o reproduz sem o devido crédito.
Para mim, meus escritos são como crias. E, em relação a eles, sou como galinha choca. Procurei um e-mail seu, para fazer esse alerta, mas não encontrei. Um abraço