segunda-feira, agosto 09, 2010

FLIP

Fui, vi e voltei. Não plenamente satisfeito, mas tampouco insatisfeito. Digamos que, das seis edições da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) a que estive presente, a deste ano foi a mais...insossa. Culpa do menor espaço dedicado à ficção? Da ausência de boas polêmicas? Do meu desconhecimento (compartilhado por boa parte do público) a respeito da obra do sociólogo Gilberto Freyre?

Para os organizadores, "a diversidade de temas garantiu o sucesso" desta oitava edição da Flip. Segundo eles, entre 15 e 20 mil pessoas acompanharam as 19 mesas de debates e conversas que aconteceram entre a quarta-feira e o último domingo. Consequentemente, as receitas da festa saltaram de R$ 5,9 milhões em 2009 para R$ 6,3 milhões este ano. Um bom sinal, lógico, mas, para mim, a seleção dos autores convidados ficou mais irregular que as ruas de pedras da cidade.

Quem esperava que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se valesse do convite para proferir a conferência de abertura do evento para fazer proselitismo político acabou acompanhando a uma "conferência extremamente complexa", nas palavras do diretor de programação da Flip, Flávio Moura. Não achei isso e o próprio FHC repetiu mais de duas vezes não conhecer a fundo a obra de Freyre, mas o que importa é que ele respeitou o caráter do evento e se absteve de fazer política, salvo por uma ou duas alfinetadas sutis.

Já a chilena Isabel Allende, autora de, entre outros, A Casa dos Espíritos, fez piada de si mesma e das mulheres chilenas em geral, contou que o poeta Pablo Neruda a incentivou a se tornar escritora dizendo que as características que a tornavam a pior jornalista em atividade em seu país seriam as mesmas que poderiam ajudá-la a se transformar em uma boa autora de ficção, evitou se alongar na descrição de sua pouca vivência com seu tio, o presidente morto durante um golpe militar, Salvador Allende, e defendeu a literatura como paixão. Infelizmente, não parecia estar em um de seus melhores dias e o jornalista Humberto Werneck não conseguiu extrair muito mais dela.





Mas pior sorte teve o experiente Silio Boccanera. Após anos como repórter correspondente no exterior, Silio tentou conduzir o bate-papo com o indiano Salman Rushdie para temas controversos como o extremismo religioso (sobretudo o mulçumano), as críticas que apontam uma "visão estereotipada" na obra de Rushdie e a situação iraniana. Em tom ríspido, o autor indicou ter vindo ao Brasil para falar de seu novo livro e não de política. O jornalista se fez de desentendido e seguiu a mesma linha, pouco interessado em divulgar a obra do indiano. Dá para condená-lo por isso? Acho que não, né?

Mas foi só as 17h15 de sábado que enfim as Musas baixaram sobre a Tenda dos Autores. Dando mais munição aos que defendiam que a Flip, por seu caráter, deve privilegiar os autores ditos "literários" (contistas, cronistas, romancistas e poetas), o poeta Ferreira Gullar fez a palestra "do ano".





Prestes a completar 80 anos e recém-agraciado com o Prêmio Camões, a maior distinção literária da língua portuguesa, Gullar esteve impagável. Seja ao ironizar os que colocam a atuação política acima da obra literária de qualidade intrinseca, seja ao contar as muitas história que vivenciou nas últimas seis décadas.

"Não adianta fazer poesia ruim, engajada, para não mudar nada. Se é para não mudar nada é preferível fazer boa poesia", disse pouco antes de ler um trecho de sua obra mais famosa, o Poema Sujo, de 1976, escrito quando achava que seria `desaparecido´ pelo regime militar. Aplaudidíssimo, Gullar não escondeu a fragilidade e o estranhamento com que recebia a homenagem.





Ainda no sábado, na sequência de Gullar, duas lendas-vivas subiram ao palco para, digam o que disserem os jornais que apoiam o evento, frustrar o público presente. Não foi preciso nem meia-hora para que os cartunistas norte-americanos Robert Crumb e Gilbert Shelton transformassem a mesa mais concorrida desta Flip na conversa com o maior índice de evasão dos últimos tempos. Ao menos na Tenda do Telão, que começou lotada e logo estava com metade dos assentos vazios. Culpa das piadinhas de Crumb sobre o tamanho das bundas das brasileiras? Penso que não e acho que o mediador, o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, teve boa dose de responsabilidade para o fracasso da conversa, que não revelou absolutamente nada. Principalmente pela desastrada atenção que deu à esposa de Crumb, a também desenhista Aline Crumb, que convidada a subir ao palco, acabou monopolizando o encontro diante de um apático Shelton que poucas oportunidades teve para falar.

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