sábado, março 24, 2012

Parte da sociedade se opõe a atendimento humanizado a moradores de rua


A Constituição Federal estabelece que a assistência social deve ser prestada a quem necessite. Ainda assim, segundo servidores públicos do Distrito Federal, a atenção básica e a humanização do atendimento a moradores de rua enfrenta a oposição de muitas pessoas que não reconhecem em quem mora na rua um cidadão, detentor de direitos, entre eles, o de receber a devida atenção do Estado.

Ouvidos pela Agência Brasil, representantes das secretarias de Saúde e de Segurança Pública do Distrito Federal, além do presidente do Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Michel Platini, afirmaram que o preconceito, o desconhecimento da realidade e o medo levam muitos a verem os moradores de rua apenas como uma ameaça ou um transtorno. E a exigir do Estado soluções imediatas para um problema social complexo. Para os três, os crimes contra moradores de rua de todo o país, que chegaram ao conhecimento da imprensa e da sociedade nos últimos dias, são apenas “a ponta de um iceberg”.

"Infelizmente, vivemos com a noção de que parte da sociedade quer exterminar ou higienizar [limpar as ruas da presença dos que não têm casa] estas pessoas, sem reconhecer que elas têm direitos”, comentou Antonio Garcia Reis Júnior, médico da equipe da Secretaria de Saúde do Distrito Federal e responsável por atender às famílias que, sem ter onde morar, vivem nas ruas do Plano Piloto (região central da capital federal). "Há muitas pessoas que não compreendem sequer a existência de equipamentos públicos sociais destinados à população de rua.”

Segundo Reis Junior, a mesma intolerância é verificada entre alguns agentes públicos responsáveis por atender à população de rua. “A rejeição a estas pessoas vem não só de membros de uma comunidade, mas também de alguns servidores públicos e até mesmo dos próprios moradores de rua [entre si]. Há pacientes que reclamam da animosidade com que são tratados em outros equipamentos públicos, da relação com a polícia, entre outras queixas que acabam os afastando do Poder Público.”

De acordo com o major Marcos Lourenço de Brito, chefe do Núcleo de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, da Secretaria de Segurança Pública do DF, o medo - nem sempre sem razão - que muitos sentem ao avistar um morador de rua tem contribuído para a intolerância de quem defende uma política "higienista" como solução para o problema.

“Quando se sente importunada por moradores de rua, a comunidade em geral quer uma resposta imediata. Muitas pessoas cobram [do Poder Público] atitudes drásticas, às vezes até com viés de violência”, comentou o major. “Muitas vezes, isso resulta em atitudes isoladas, impensadas de pessoas que se sentem agredidas e que, por considerarem que o Poder Público não resolve o problema da forma como gostariam, adotam a justiça com as próprias mãos.”

Ao menos 165 moradores de rua foram mortos no Brasil entre abril de 2011 e a semana retrasada, segundo dados do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores (CNDDH). Além dos casos não notificados, as investigações policiais de 113 dessas ocorrências não avançaram e ninguém foi identificado e responsabilizado pelos homicídios.

Somente no Distrito Federal, nas últimas semanas, ao menos três moradores de rua foram mortos e um sobreviveu a um atentado, embora tenha tido queimaduras graves por todo o corpo. Em uma das ocorrências, a Polícia Civil apurou que um comerciante encomendou a morte dos morados de rua por R$ 100.

Diante da repercussão, o governo do Distrito Federal decidiu antecipar para os próximos dias a publicação de um decreto que institui a política de atenção a moradores de rua, estabelecendo medidas de enfrentamento às dificuldades, discriminação e violência enfrentadas por essa população. Além de uma campanha de enfrentamento à intolerância, o governo promete construir três novos abrigos e dois centros de Referência Especializados para Pessoas em Situação de Rua (Centros Pops). O governo também quer realizar cursos de capacitação em direitos humanos de 20 horas para preparar os policiais a lidar com grupos como os de moradores de ruas.

De acordo com o último censo da população de rua da capital federal, há 2.365 pessoas vivendo nas ruas de Brasília. Para a vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a deputada Erika Kokay (PT-DF), os assassinatos e as agressões físicas contra moradores de rua são sintomas de um problema bem maior.

“Devemos estar atentos às agressões, pois elas representam um processo de desumanização, mas também é necessário resgatarmos a lógica de que todos os seres humanos são iguais e têm direitos. Não podemos admitir que a sociedade passe a aceitar as agressões contra os moradores de rua ou qualquer outro grupo como algo natural”, afirmou a parlamentar durante audiência pública realizada nesta semana pelo Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos.

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