terça-feira, março 20, 2012

Vidas Cruzadas

O problema, mas também a delícia, de envelhecer é que qualquer um que tenha uma boa memória e esteja atento ao que o cerca pode reunir um repertório de referências, experiências e saberes que lhe permitam estabelecer comparações e, consequentemente, valores com os quais confrontar o que lhe dizem.

Não sei porque pensei isso após assistir ao filme Vidas Cruzadas, mas desconfio que tenha sido uma maneira inconsciente de tentar entender as várias críticas elogiosas que li e o sucesso comercial da fita com Emma Stone e Viola Davis.

É um vício meu. Sei que cinema, principalmente o hollywoodiano, é entretenimento. Ainda assim, não consigo deixar de crer que algo que tenha envolvido os esforços de centenas de pessoas, consumido meses de trabalho e custado alguns milhões de dólares merece alguns instantes de reflexão. Dizer que quem manda mensagem é celular pode até soar engraçado, mas, no fundo, é terrivelmente estupidificante.

Daí que, refletindo, concluí que a história de Vidas Cruzadas é como um bandaid sobre a ferida. Aliás, um bandaid nada original, daqueles com motivos infantis. Tanto que o filme é distribuído pela Walt Disney e recomendável à crianças a partir dos 12 anos.

Entenda: não estou dizendo que o filme seja ruim. Tecnicamente, é perfeito. Além do mais, Viola Davis e Octavia Spencer estão excelentes no papel de empregadas domésticas negras maltratadas pelas patroas sulistas brancas (apesar de eu achar que a melhor interpretação é a de Bryce Dallas Howard, cujo papel de megera racista e esnobe é muito mais exigente). O problema é que, a meu ver, ele não é nada além de um forte candidato à Sessão da Tarde de aqui a alguns meses.

Por quê? Porque, ao meu ver, ele não incomoda além da dúvida sobre quantas indicações aquele prêmio acadêmico chatíssimo iria receber. Deixamos o cinema pensando em como Octavia Spencer está bem, fazendo-nos rir com tal drama humano. E não creio que um bom filme sobre a segregação racial e sobre os crimes cometidos devido à intolerância e estupidez humana possa não incomodar.

(ao meu lado, durante o filme, um casal comentava como era possível que isso tivesse acontecido, mas que, felizmente, estava superado. Pensei não só na continuidade dos problemas decorrentes da escravidão, segregação etc, mas também em como não viam que isso continua acontecendo ainda hoje. Com os índios do Mato Grosso do Sul, com os moradores de rua de todo o país, com quem trabalha em lixões)

Vidas Cruzadas pode passar por um filme excepcional, além do que é, para quem não compará-lo com outros do gênero que o precederam, como Conduzindo Miss Daysy, Uma História Americana (que também trata das relações entre negros e seus patrões) e, principalmente, Mississípi em Chamas – este último, obrigatório.



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