Midiótica
Não pude escrever antes a respeito da discussão resultante da reportagem de capa da edição de CartaCapital da semana passada (ver o post de 17 de outubro). Quando, nesta quarta-feira, reproduzi as capas desta semana, queria fazê-lo. Mas só hoje (sexta) pude comentar algo. Durante todo este tempo, as acusações sobre o papel desempenhado pelos veículos de comunicação nestas eleições causaram a irritação ou a indignação de vários profissionais que se posicionaram ao sabor de suas convicções políticas.
Resumo da ópera para os que não sabem do que se trata: o experiente repórter político Raimundo Rodrigues Pereira publicou na edição de CartaCapital de 18/10 a primeira matéria de, até agora, duas, sobre o tratamento dado pela mídia aos fatos que antecederam a realização do primeiro turno. Leia-se, a exibição das fotos tiradas pela Polícia Federal do dinheiro apreendido na operação que deteve os militantes petistas envolvidos na compra do Dossiê Vedoin.
Em linhas gerais, a reportagem “Os Fatos Ocultos” procura demonstrar que a mídia, em especial a Globo, omitiu informações cruciais ao divulgar as fotos e, assim, contribuiu para que houvesse um 2º turno, prejudicando a candidatura de Lula. Dada a riqueza de detalhes apurados pelo repórter, os editores imaginaram estar, com a matéria, dando sua contribuição a um eventual Dossiê da Mídia.
Além de algumas revelações de bastidores (jornalistas teriam sido avisados da prisão dos petistas por um dos donos da produtora de marketing político que presta serviços a José Serra e a Geraldo Alckmin; as fotos do dinheiro foram entregues a alguns repórteres pelo mesmo delegado da Polícia Federal que, duas semanas antes, havia prendido os petistas), Raimundo levanta dúvidas sobre os procedimentos técnicos e éticos dos profissionais de comunicação. (Por que o Jornal Nacional de sexta-feira (29) teria dado tanto destaque à divulgação das imagens quando concorrentes já falavam do acidente com o avião da Gol?).
A principal questão, porém, é por que os jornalistas teriam omitido de seus leitores/ouvintes/telespectadores a informação de como o cd com as fotos chegara as suas mãos?
Qualquer pessoa minimamente esclarecida sabe dos interesses políticos e econômicos que permeiam a atividade jornalística. Sabe, também, que a credibilidade de um veículo é proporcional a sua capacidade de manter a isenção e a objetividade, possíveis apenas por meio da fidelidade à verdade factual e à compreensão do que é notícia de interesse público (e não do público). Pois então, neste caso, qualquer um saberia também que a informação divulgada com alarde só estaria completa caso os jornalistas revelassem as condições em que haviam obtido as cópias das fotos.
Não se tratava de revelar uma fonte, mas de deixar claro que um delegado da Polícia Federal havia entregue a cinco jornalistas um cd com 23 fotos cuja exibição havia sido desautorizada pela Justiça. Que havia lhes recomendado afirmarem ter recebido o material de alguém que o teria roubado dele próprio. E que, para dar verossimilhança ao álibi, ele, o próprio delegado, disse que forjaria um boletim de ocorrência e insinuaria aos seus superiores que o autor do furto poderia ser um jornalista mais ousado. Segundo Raimundo Pereira, o delegado chegou a recomendar que as fotos fossem editadas a fim de suprimir detalhes e despistar sua origem.
O pior. Toda a conversa entre o delegado e os jornalistas a quem entregou o cd estava gravada e foi apresentada a outros profissionais. Um deles, o repórter da Tv Globo, Luiz Carlos Azenha, chegou a veicular em seu blog (http://viomundo.globo.com) trechos desta gravação. Em uma das passagens, o delegado deixa clara sua principal preocupação ao entregar o material. “Tem de sair hoje à noite na tevê. Tem de sair no Jornal Nacional”.
É como diz Azenha na apresentação de seu blog. "Não dá para mostrar tudo na tevê".
Então, vá à net e tire suas próprias conclusões:
Os Fatos Ocultos – (a reportagem que originou a polêmica) http://www.cartacapital.com.br/index.php?funcao=exibirMateria&id_materia=5457
Rede Globo: os fatos – (a réplica do diretor-executivo de jornalismo da Central Globo de Jornalismo, publicada inclusive na CartaCapital desta semana, como matéria publicitária paga)
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=403JDB010
Tartufo trabalha na Globo? - (a tréplica de Mino Carta à carta-resposta de Ali Kamel)
http://www.cartacapital.com.br/index.php?funcao=exibirMateria&id_materia=5459
O Fantasma do Paredón – (a opinião do jornalista Alberto Dines sobre a matéria de CartaCpital) http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=404JDB001
De onde veio o Dinheiro – (texto que o jornalista global Luiz Carlos Azenha publicou em seu blog sobre a montagem cenográfica em torno do dinheiro apreendido pela Polícia Federal)
http://viomundo.globo.com/site.php?nome=PorBaixoPano&edicao=359
Réquiem do jornalismo – (o elogio a Raimundo Pereira, a crítica ao antijornalismo e a opinião do jornalista Luis Nassif)
http://z001.ig.com.br/ig/04/39/946471/blig/luisnassif/2006_10.html#post_18660494
O 1º Golpe já houve. E o segundo? – (a opinião de Paulo Henrique Amorim fica explícita no título)
http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/394501-395000/394778/394778_1.html
Quase mais uma ... (A notícia do ‘laranja’ que não era ‘laranja’ e da jornalista que não era jornalista, ambos à serviço do PSDB, foi divulgada como verdadeira pelos principais veículos da imprensa, ocupando as primeiras páginas de sexta-feira, 27. Para entender, é necessário, após assistir ao vídeo –primeiro link – ler a entrevista que o delegado da PF concedeu a Paulo Henrique Amorim – segundo link)
http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/397001-397500/397246/397246_1.html
http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/397001-397500/397257/397257_1.html
Um comentário:
Tenho, no entanto, duas observações a fazer: Primeiro, creio que a leitura das mais recentes polêmicas midiáticas que orbitam em torno do processo eleitoral (e “extra-eleitoral”) que permeia a sucessão para presidente da república, a exemplo de outras controvérsias que a história recente do Brasil, debalde, insiste em nos esfregar nos olhos desavisados, correspondem não necessariamente a símplices embates de blocos políticos antagônicos em busca de hegemonia, mas a articulação de instituições, segmentos, classes sociais e da sociedade civil, mais especificamente, com interesses bem definidos acerca da maneira como a realidade deva se estruturar, visando a organização e reprodução dos meios de produção, além disso, como devem se manifestar concretamente às formas de poder hierarquizador e disciplinador dos papéis sociais no âmbito desta mesma sociedade. Não obstante, é bom salientar, também eu, nesse caso, aparente assimilar e reproduzir uma dada representação dos fatos, e a forma como foram noticiados, de maneira sectária (eis o ponto da minha segunda observação), creio que - e o que, no meu entender, de fato teria ocorrido - tudo nos denunciaria um esforço inaudito no intuito de assegurar um segundo turno e, quiçá, uma ulterior vitória do pleito presidencial em favor do candidato psdebista. Em segundo, será que podemos falar em isenção , neutralidade e coisas do tipo, mesmo quando nos esmeramos para salvaguardar a integridade destas coisas? Será que mesmo a busca por uma pseudo-neutralidade não absconde, no mais profundo do urdume discursivo (senão, mesmo na sua superfície), um posicionamento relativamente comprometido com um sistema de idéias e um contexto histórico determinado.
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