quarta-feira, janeiro 23, 2013

É o dinheiro, estúpido



Após sete anos vivendo em Brasília, uma das capitais com o mais alto custo de vida do país, acho que comecei a entender como se dá este tal de processo inflacionário - um fantasma que muitos insistem em dizer estar sob controle.

Pois então, vejamos.  Fundamentos não tão básicos para quem se ferra pela economia dos outros. 

Um belo dia, o dono de um apartamento de 48 metros quadrados em um prédio de algumas décadas acorda e decide pôr o imóvel à venda. Por alguma razão subjetiva, conclui que sua propriedade sem garagem vale R$ 550 mil. 

Ao ficar sabendo disso, o dono de um outro imóvel próximo avalia obtusamente que o seu apartamento de 157 metros quadrados e uma vaga de garagem deve valer no mínimo três vezes o do quase vizinho. E fixa em um milhão e setecentos mil reais o preço a ser pago por eventuais interessados.

Entre uma oferta e outra, os donos de outros imóveis vão pedindo diferentes preços, de acordo com a pressa em se ver livre do abacaxi. O problema é que há muita gente que compra imóvel não  para morar ou guardar seus livros e sim para "viver de renda", ou seja, do aluguel pago por quem não tem condições de comprar a casa própria. E como os especialistas sugerem que o investimento só vale a pena se for possível obter, mensalmente, algo entre 3% e 6% do valor total da morada, a exorbitância acaba pesando no bolso de todos, principalmente daqueles que sequer cogitam como alguém consegue juntar R$ 1,7 milhão. 

E então, um sujeito resolve pedir R$ 1,2 mil só de aluguel em um ... bem, em um esquisito apartamento de um quarto e um catre cujo dono insiste se tratar de outro quarto. O lugar fica em cima de um comércio, numa quadra não das mais seguras, não tem garagem e nem box no banheiro, mas, em compensação, tem um "terraço" que nada mais é que a laje do edifício, um espaço por onde um ladrão com disposição e algum tempo pode entrar e cortar a garganta do inquilino. 

Assim como no caso dos apartamentos à venda, uma vez que isso é anunciado não demora para que um outro proprietário/investidor que não quer passar atestado de otário decide que seu bem de dois quartos, sendo uma suíte, e três vagas na garagem, não pode valer menos de...R$ 6 mil. O ALUGUEL! E, novamente, surgem as ofertas intermediárias. 

Ocorre que, no caso das ofertas de aluguel, em Brasília há um outro interessante aspecto a contribuir para as distorções econômicas: o Estado enquanto indutor da inflação. Traduzindo: na capital federal, alguns privilegiados servidores públicos, incluindo parlamentares, recebem, além de seus salários, o chamado auxílio-moradia. E quando o preço dos aluguéis sobe, o benefício é reajustado de forma a compensar a alta. Somado ao fato de que a procura por apartamentos no Plano Piloto é maior que a oferta, o dinheiro público gasto em auxílio-moradia acaba por estimular os locatários a pedirem valores cada vez mais fora da realidade. 

A questão é que tudo isso acaba por se torna uma "inexorável realidade econômica" contra a qual não se pode lutar. Como o mercado é livre para se auto-regular, resta a quem não trabalha no serviço público, mas tem qualificação e é valorizado, incluir esses custos na negociação salarial. E para a maioria, que não se encaixa em nenhum dos dois casos anteriores? Resta o metrô ou o ônibus igualmente lotado para uma das cidades-satélites. 

Só que o Plano Piloto não é uma ilha auto-suficiente e mesmo que a manicure do salão onde você tira cutícula não more no Plano Piloto, o dono da padaria onde ela toma café ao chegar pra trabalhar mora. E para continuar morando, ele não hesita em repassar para o preço do pãozinho a alta do seu custo de vida. Assim como as companhias fornecedoras de água e luz, que contrata muita gente qualificada capaz de reivindicar e obter a reposição da perda inflacionária e que, ao conceder um aumento, acaba por compartilhar o prejuízo entre as contas que envia para a casa de milhares de cidadãos que não moram no Plano Piloto. Entre elas, a sua manicure. 

Agora, adivinha quem vai ajudar a moça a manter a luz e a água da casa dela? Ou a margem de lucro do banco onde você tem conta, já que a instituição também vai passar a pagar mais de luz, água e salários? 

E por aí vai, em um efeito cascata que termina por obrigar a quem vive de renda a cobrar mais de aluguel para continuar podendo pagar academia, escolinha de futebol do filho, plástica da esposa, eventuais presentes para a amante do marido e as compras em New Iorque. 

Um comentário:

Thais Leitão disse...

Ao te ler, fiquei imaginando as cenas descritas como parte de um documentário à la Ilha das Flores. Vc podia tentar... Polegar opositor, cérebro desenvolvido e humanidade à flor da pele são seus pontos altos.