Bendito Maldito – Uma Biografia de Plínio Marcos (editora Leya) é, sem qualquer demérito, a homenagem feita por um amigo a um dos mais importantes dramaturgos brasileiros das últimas décadas (um santista, vale ressaltar) nos dez anos de sua morte. Mas, acima de tudo, é um relato saborosíssimo de se ler.
No livro de exatas 500 páginas, o jornalista, ator e diretor teatral Oswaldo Mendes concilia objetividade jornalística e uma apurada pesquisa histórica ao relato de episódios que ele próprio vivenciou ao longo das conturbadas quatro últimas décadas do século XX, período em que Plínio lutou para sobreviver e ver sua obra, proibida pela censura, encenada.
Polêmico, transgressor (inicialmente, talvez mais por suas supostas “deficiências” do que por convicção), apaixonado por futebol e certamente muito divertido, Plínio é apontado por muitos críticos como o primeiro dramaturgo brasileiro a levar aos palcos tipos marginalizados nunca antes retratados como são: cafetões, prostitutas, gigolôs, drogados, trabalhadores do cais do Porto e toda a sorte de pobres não idealizados, personagens sem quaisquer convicções políticas ou consciência de classe, lutando para sobreviverem com um mínimo de dignidade.
Peças como Dois Perdidos Numa Noite Suja, Navalha na Carne, Barrela, Querô, Abajur Lilás e outras hoje são consideradas clássicas e continuam sendo montadas e inspirando filmes e outras formas de manifestações artísticas. Dois Perdidos, por exemplo, volta a ser apresentada em Santos no próximo dia 29, 40 anos após sua exibição na cidade ter resultado na primeira de várias prisões de Plínio.
Não bastasse contextualizar a vivência de Plínio e dar a devida dimensão a sua obra artística, Oswaldo consegue condensar várias outras biografias em seu livro. Para se ter uma idéia da extensão da pesquisa realizada pelo autor, o índice onomástico traz nada mais nada menos que 600 nomes. Ou seja, em meio às revelações sobre Plínio é possível conhecer e entender um pouco mais sobre a pujança cultural santista nas seis primeiras décadas do século passado, sobre a dama do Modernismo, Patrícia Galvão (Pagu), sobre Procópio Ferreira e sobre a diva do teatro, Cacilda Becker.
Destaque aqui para a pouca conhecida história de porque, em 1968, o jornal O Estado de S. Paulo decidiu extinguir o Prêmio Saci após um grupo de atores devolver os troféus ganhos em anos anteriores por entenderem que o jornal estaria apoiando a censura militar. Só lendo o livro para saber um pouco mais não só sobre o episódio, mas também como Plínio acabou indo parar em um debate televisivo com um parlamentar que defendia limites para os “excessos” do teatro. Ou porque, revoltado com o jornal, ele supostamente teria atirado uma pedra contra a porta do jornal.
Outro fato que me chamou a atenção foi a coerência de Plínio ao longo de toda sua vida. Encerrado o período militar, costumavam indagar ao dramaturgo se ele se sentia injustiçado por ter sido tão perseguido e por suas peças terem sido proibidas por tanto tempo, o que, de certa forma, o obrigou a se tornar camelô da própria obra, vendendo seus livros nas portas de teatros e de faculdades.
“Se sentir perseguido é coisa de bunda mole. Eu fiz por merecer! Eu sacaneava a milicada a toda hora e conheço bem a lei das causas e efeitos. Se eu dava uma pedrada na cabeça do Sodré [Roberto de Abreu Sodré, ex-governador de São Paulo] o que ia esperar? Que eles me mandassem flores? Porra! Bateu, levou”.
Clique aqui para ouvir a entrevista que Oswaldo Mendes concedeu ao programa Galeria, da Rádio Cultura, inclusive imitando o modo sibilino amalandrado de falar de muitos santistas.
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