domingo, dezembro 12, 2010

Carlos Leite vê Santos

De: Carlos Leite leiteempedra@ig.com.br
Assunto : Valeu!
Para: semifosco semifosco@blogspot.com
11 de dezembro de 2010 22:50


Salve, semifosco. Acabo de chegar em casa, em Brasília, e, pra variar, não foi fácil encontrar, no aeroporto, um taxista disposto a transportar minha prancha. Eu poderia estar trazendo drogas, armas ou até mesmo uma bomba presa ao corpo que nenhum deles suspeitaria de nada. Já a prancha provoca, de cara, as mais diversas reações.... Outro dia, após conseguir convencer um senhorzinho de que a prancha caberia perfeitamente no interior do carro, ele me perguntou se a pesca tinha sido boa rs,rs,rs,rs,rs,rs,rs

Quero te agradecer mais uma vez por ter me recebido na casa dos teus pais. E me desculpar por não ter te ajudado mais enquanto teu velho esteve no hospital. Confesso que me senti um pouco culpado porque, apesar da preocupação inicial com o coroa, me deixei convencer muito facilmente de que você e sua mãe não precisavam de ajuda e logo estava me divertindo pra kct enquanto meus anfitriões se revezavam no hospital cuidando de soro e bolsas de urina. Mas o importante é que ele está bem e, no fim, até você conseguiu pegar umas ondas.

Acho que depois desses 12 dias em Santos, consegui compreender um pouco melhor não apenas algumas das coisas que você já havia comentado como também a própria cidade. E admito que, apesar de algumas ressalvas, comecei a gostar dela. Por isso, torço para que seu pessimismo em relação ao futuro seja um exagero, ainda que até um ignorante como eu note que, como você disse, "a conta não fecha".

Para mim, acostumado que estou com as facilidades do Plano Piloto de Brasília e com as possibilidades de um emprego bem-remunerado, foi estranho ver seus amigos, mais velhos que eu, contando sobre as dificuldades de se arranjar, na cidade, um emprego que pague mais de R$ 1.2 mil, enquanto o custo de vida local se compara ao do Distrito Federal.

Qual não foi minha surpresa ao pagar R$ 2.50 para andar de ônibus se, aqui, há dois anos pagamos os mesmos R$ 2 (a menor tarifa). E olha que ao descer em São Paulo, eu gastei R$ 2.25 para ir do aeroporto ao Jabaquara e lá, além das distâncias percorridas serem maiores, tem a integração, que permite ao usuário apanhar outra condução, de graça, dentro de um certo período de tempo. E os R$ 3 cobrados por um coco?!?!?! Na Asa Norte, você sabe, dá para encontrar por R$ 2. E quando pensei em deixar de dar trabalho pra sua mãe e ir para um hotel, não encontrei nada por menos de R$ 140, sendo que nenhum deles oferecia nada que justificasse os preços cariocas (Daí eu ter continuado na pensão dos Rodrigues). Isso para não falar da, como você disse, "especulação imobilária" causada pela expectativa com o Pré-Sal. Ou do reajuste de 11% do IPTU, praticamente o dobro da inflação. Agora, te pergunto, os orgulhosos santistas não reclamam desses disparates? Como viver numa cidade classe média alta com os salários pagos atualmente? E isso para não falar dos seus conhecidos da Associação dos Moradores de Cortiços do Centro - aliás, conhecê-los foi uma grande lição de vida.

Mesmo assim, entendi que teu amor pela cidade não se deve apenas ao fato dali ser teu chão ou de tua história pessoal estar ligada a cada uma daquelas ruas e paisagens. Não bastasse isso, a cidade é, de fato, muito legal para se viver. Depois do terceiro dia pegando onda enquanto assistia, do mar, o sol se por detrás da Serra do Mar, com aquela enorme escultura da Lina Bo Bardi e a Ilha de Urubuqueçaba em primeiro plano, comecei a me perguntar como você conseguiu se adaptar tão bem a Brasília a ponto de estar voltando pra cá. A falta de melhor opção profissional não me parece o bastante? Ainda mais para um cara como você, que tem tão pouco a ver com o clima palaciano. Não à toa teus amigos riem quando você lhes diz que, agora, usa terno. Justo você, o caiçara que há apenas quatro anos comprou o primeiro celular, a primeira calça social, o primeiro terno e que resistia até mesmo a usar sapatos rs,rs,rs,rs,rs,rs

A sensação de deixar o mar no final de tarde, após duas ou três horas surfando, e voltar pra casa caminhando pela areia é algo indescritível e, brasiliense e surfista tardio, sinto como se a vida tivesse me negado algo. Assim como chegar ao jardim da praia e se deparar com um monte de gente caminhando, correndo, jogando bola e até nadando tarde da noite é algo estranho para quem cresceu acostumado às ruas vazias do Plano Piloto a noite. Não digo que seja melhou ou pior, mas percebo agora que estas são experiências determinantes na forma como vemos e lidamos com a realidade a nossa volta.

Bom, enfim, é isso. Adorei o bolinho de bacalhau do Toninho e o pf de arroz, feijão e pescada. A programação daquele cineminha do jardim da praia (R$ 3!!!) é ótimo e, de fato, a tão comentada roda de samba do Ouro Verde é divertidíssima, ainda mais por ser de graça. Tomara que a vizinhança não consiga acabar com ela e que se chegue a um acordo. A vista do alto do morro da asa delta é bonita pacas e ver o Neymar saindo tranquilamente do prédio em que mora, saudando a galera, foi algo bacana. E ainda confirmei o que você sempre me diz sobre a vida cultural santista ao saber que o genial Milo Manara tinha estado por lá poucos dias antes da minha chegada. Pô, Manara! Que eu saiba, o cara só passou por São Paulo e Rio de Janeiro. E pra não dizer que não falei de flores: ahhh! as santistas... Pena serem tão patricinhas.

Agora, as ondas podiam ser um pouco mais constantes, não acha?

Abraço, do seu amigo
Carlos Leite

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