terça-feira, dezembro 28, 2010

Invasões Bárbaras


Conforme previsto, Eles chegaram.

Vieram em hordas. E embora avançassem lentamente, não podiam ser contidos nem mesmo pelas inúmeras praças de pedágio que separavam nossos mundos. Os homens cobriam suas vergonhas com peças ínfimas que não escondiam sua palidez. As mulheres, por sua vez, tinham as protuberâncias artificialmente hipertrofiadas e as faces pintadas.

Traziam caixas de isopor, cadeiras, esteiras, uma espécie de grande guarda-chuva, bolas, recipientes de alumínio, recipientes de plástico, mais plástico, boias, pranchas, comida e, sobretudo, dinheiro que, inicialmente, nos pareceu bom.
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Entoavam estranhos hinos que lhes motivavam e dos quais só entendiamos algo como “beber, cair, levantar” ou então “eu quero mais é beijar na boca”. Era comum que, quando combinados cânticos e o líquido contido nos recipientes de alumínio, os machos avançassem sem mais delongas contra nossas mulheres - muitas das quais, atraídas pela novidade, não ofereciam qualquer resistência.

Besuntadas com uma substância branca, as crianças temiam o mar. Já os machos se atiravam de barriga contra a água. Não raramente, um de nós tinha que socorrê-los para que não se afogassem. Quando não estavam na areia da praia, deitados sob o sol, gostavam de se reunir em um mesmo local, onde paravam em ordem anárquica, um atrás do outro. Não havia, nesta época, comida e água suficiente para todos. Ainda assim, nós não os rechassávamos. Pelo contrário. Inicialmente, nós os admirávamos. Principalmente as mulheres, cuja pele ainda não maltratada pela exposição contínua ao sol nos passava a falsa ideia de superioridade.

A admiração se tornou influência e não demorou para que muitos de nós passássemos a imitar alguns de seus hábitos. A maneira de vestir, a forma de construir, o jeito de falar...Tudo foi sendo assimilado e logo nós havíamos perdido parte de nossos hábitos e costumes. Já não éramos nós, mas não havíamos conseguido ser como eles. Nossas praias se deterioraram, os melhores terrenos já não nos pertenciam, nossas comunidades se agigantaram, nossos jovens já não mais se interessavam pelas antigas atividades, mas continuávamos apequenados, meros serviçais, trabalhando para Eles, para garantir sua comodidade de fim de semana em nosso próprio território. Em muitos pontos, até mesmo o acesso ao mar e a possibilidade de ver o céu e o horizonte nos foram negados.

Isso não faz muito tempo. Algumas décadas, apenas. Tempo suficiente para que a história quase esquecesse os caiçaras e sua rica cultura.
foto: Moacyr Lopes Junior / Folhapress
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(escrito após um fim de semana na praia das Toninhas, em Ubatuba (SP))

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