No último dia 20 de maio, o desembargador Teodomiro Mendez, da 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proibiu a realização da Marcha da Maconha que deveria acontecer no dia seguinte, na Avenida Paulista. Mesmo assim, cerca de mil pessoas compareceram ao local sob o pretexto de participar do ato então reclassificado como uma passeata pela liberdade de expressão e o direito de debater a legalização e a regulamentação da produção, venda e consumo da canabis. O ato foi violentamente reprimido pela Polícia Militar.
Duas semanas depois foi a vez do desembargador da 4ª Vara de Entorpecentes do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, João Timóteo de Oliveira, proibir a realização da Marcha da Maconha em Brasília, também transformada em um ato pela liberdade de expressão. O ato foi realizado após ser renomeado como Marcha da Pamonha e todas as referências à maconha terem sido camufladas.
Manifestações semelhantes já ocorreram em Florianópolis, Salvador, Belém, Recife, Rio de Janeiro e em várias outras cidades. Todas divulgadas e registradas no site mantido pelo Coletivo Marcha da Maconha Brasil, um grupo de indivíduos e instituições que trabalham de forma majoritariamente descentralizada com, entre outros objetivos, estimular reformas nas leis e políticas públicas relativas à maconha e seus usos e promover o debate do tema.
Em meio à polêmica em torno da iniciativa popular de organizar atos interpretados como apologia às drogas, chegou aos cinemas o documentário Quebrando o Tabu, uma produção de cerca de R$ 3 milhões recolhidos, entre outros, de grandes empresas beneficiadas pela lei de estímulo à cultura em troca de renúncia fiscal. Ou seja, o Estado financia o que o própro Estado procura coibir: o debate.
Apesar do título, o filme não acrescenta nada de novo ao tema, a não ser para aqueles acostumados a enxergar o assunto pelo viés moralista. Talvez por isso, talvez porque a cultura do “sabe com quem está falando” em um país de doutores permita a um político ou “especialista” emitir sua opinião sobre algo que é vedado à juventude discutir e defender, nenhum juiz teve coragem de proibir que o filme fosse exibido, o que seria interpretado como um ato contra a liberdade de expressão, ao passo que a proibição das marchas populares é visto como um gesto legal para impedir a apologia às drogas.
A 3ª Guerra Mundial, proclamada pelos Estados Unidos em 1971 contra às drogas, matam muito mais inocentes do que as substâncias ilícitas em si? O foco na repressão e a proibição custam mais aos Estados que a prevenção e a recuperação dos usuários? A ideia de um mundo livre das drogas é uma utopia mais difícil de atingir que a superação do capitalismo já que nunca houve, na história, uma única civilização cujos cidadãos não recorressem a alguma substância alucinógena? Proibir a maconha e permitir a venda do tabaco e do álcool é uma hipocrisia? Descriminalização é diferente de liberação e nenhuma das duas significa, em absoluto, estimular o uso? Alguém minimamente informado ainda não sabia destas coisas?
Se o filme do paulistano Fernando Grostein Andrade (Coração Vagabundo) quebra algum tabu é o de colocar vários ex-presidentes (Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Bill Clinton (Estados Unidos), César Gaviria (Colômbia)) admitindo que erraram ao tentar resolver a questão das drogas pela via policial e judiciária. Com isso, tudo que conseguiram foi lotar os presídios e tornar as drogas mais caras, o que favoreceu a popularização do crack e da merla (agora chamada de oxi) entre os que não tem como pagar por um fumo ou mesmo pela cocaína, que dirá por duas doses de whisky.
Para quem assistiu o documentário Notícias de Uma Guerra Particular, dirigido por João Moreira Salles há mais de 11 anos, ou para os que não aceitam simplificar o debate e demonizar as drogas, Quebrando o Tabu não avança em nada. Pelo contrário. Em alguns momentos, chega a ser constrangedor. Ou você, que faz parte do grupo acima, tem outro termo para definir a seguinte declaração do "príncipe dos sociólogos": “Eu [quando presidente] não tinha consciência da gravidade dessa questão das drogas e do que ela significava como tenho hoje. Além disso, na época, no Brasil, a consciência média era de que isso se resolvia com ação policial, mas isso não funcionou. E eu não vi tudo isso. Errei”.
FHC, que presidiu o país entre 1995 e 2002, deveria ter promovido, no Palácio da Alvorada, a Notícias de Uma Guerra Particular, de 1999. Ou lido (se é que não leu) a autobiografia (Flashbacks) do neurocientista, psicólogo e ex-professor de Harvard (sim, da prestigiada Harvard, onde, ainda na década de 1960, levou adiante seus primeiros experimentos com drogas como auxiliares na reabilitação de detentos), Timothy Leary. Ou chamado para um papo algum dos muitos jovens presos por portar um baseado.
Mas é como dizem: a caravana passa e os cães a seguem ladrando. E as passeatas que se espalham por todo o país indicam que a sociedade já não suporta mais o debate hipócrita e começa a enxergar que, como diz o médico Dráuzio Varella no documentário em cartaz, um dia, no futuro, as pessoas olharão para trás e irão se questionar, pasmas, “mas eles prendiam as pessoas que usavam drogas”, estigmatizando-as e dando-lhes a oportunidade de cursar um mestrado no crime? Pior. Ao ler os jornais de hoje, elas vão ver que, em pleno regime democrático, a Justiça proibia manifestações pacíficas por mudanças comportamentais.
2 comentários:
Alex meu caro, sensacional seu texto! Não tinha caído minha ficha da hipocrisia elitista deste país, de proibir as Marchas da Maconha e permitir tranquilamente a exibição do filme de FHC nos cinemas, que fala justamente sobre legalizar a maconha no Brasil. Que essa sensação de que estamos sendo levados por um bando de hipócritas motive as pessoas a tomar as ruas cada vez mais. Que chegue o tempo em que poderei dominar o crescimento de uma planta em meu apartamento de forma evoluida e madura. Sem esconder nada de ninguém. Principalmente do que dizem ser a Justiça de um país.
Guilherme
Pois é, Guilherme. É a velha questão da tutela ao povo. O "especialista" é o acadêmico articulado (intelectualmente, politicamente, ideológicamente), nunca um "anônimo" que sofre na pele com o problema. E, nesta questão, os magistrados parecem ignorar que as leis muitas vezes devem acompanhar os costumes, como se dissessem, "danem-se as pessoas que reivindicam mudanças. Quem elas pensam que são além de milhares?"
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