segunda-feira, dezembro 24, 2012

300 Dias de Noite


UMA OBRA VERÍDICA BASEADA EM FATOS FICTÍCIOS


Refém das almas sebosas que a noite se arrastam pelas ruas da cidade futurista de traços sinuosos, o semifosco consumiu o último pacote de mantimentos que conseguira reunir em casa antes do declínio da civilização, quando a cidade era ora apontada como a de maior poder aquisitivo, ora como a mais socialmente desigual do país.

Trancado no bunker, o semifosco já se via obrigado a beber a água infecta que o Poder Público continuava a oferecer apenas para o asseio dos sobreviventes, sem conseguir tratá-la para que ficasse apta a ser ingerida.

Bem guardado por militares, o depósito comercial onde os sobreviventes se arriscavam a chegar sempre que precisavam reabastecer a dispensa fica a menos de 400 metros do bunker do semifosco. Vista do posto de observação, a rua parece deserta e segura. O semifosco, contudo, sabe que os zumbis estão lá fora, à espreita da próxima vítima. E que só com muita sorte ele conseguiria chegar intacto ao depósito.

Na véspera, um outro sobrevivente esfomeado tentara sair. Mal chegou ao veículo pessoal terrestre estacionado na entrada do bunker e foi alcançado por um dos zumbis de alma sebosa. Eram 21 horas e as luzes dos postes mal atravessavam a copa das árvores que lançavam sombras bruxuleantes sobre o veículo. Enquanto a vítima choramingava diante do inevitável, outros sobreviventes se arriscaram a abrir as janelas blindadas e começaram a gritar, bater panelas e fazer barulho, tentando desviar a atenção do zumbi e, assim, dar tempo para a infeliz vítima escapar ao seu trágico destino. Deu certo, embora o zumbi tenha ficado com o veículo pessoal. Chorando, esfomeado e sem conseguir comida, o sobrevivente voltou para seu bunker, onde o aguardavam uma mulher e duas crianças igualmente sem esperanças. Ao longe, um outro zumbi saiu das sombras e atravessou furtivamente a superquadra. 

Vez ou outra, as forças de segurança passam tentando espantar os zumbis, mas, apesar da manifesta melhora dos índices sociais, eles se multiplicam e parece não haver o que fazer. Nem mesmo os bunkers são totalmente seguros. O do próprio semifosco já fora invadido uma vez. Por sorte, ele não estava na parte invadida, ou, provavelmente, teria o mesmo destino que outros sobreviventes, como o jovem que adormecera e fora surpreendido pela invasão dos almas sebosas, que o agrediram, amarraram com o fio do aparelho telepático e o mantiveram vivo enquanto se banqueteavam com seu cérebro.

Enquanto isso, a Nulidade Executiva pedia calma e prometia aos sobreviventes resolver o problema dos zumbis. Apesar de, tempos atrás, um especialista ter garantido que não haveria solução, que estamos todos fadados a nos tornarmos zumbis de almas sebosas, tese que exemplificou com os episódios do restaurante self-service obrigado a cobrar os clientes antes que eles almoçassem a fim de impedir que saíssem sem pagar;  do jogador brasileiro punido no exterior por falta de espírito esportivo e, óbvio, dos antigos mandatários e parlamentares, entre os quais parece ter começado, há muito tempo, a se proliferar o vírus que transformava a todos em zumbis. 

Um estampido, um choro, uma sirene distante...O semifosco pensou que super-herói nenhum manteria os sobreviventes a salvo por  muito mais tempo. Uma hora, os zumbis perceberiam que não havia mais nada nem ninguém que pudesse impedi-los. Então, aos sobreviventes, já não restaria outra opção que não se misturar aos almas sebosas e vagar pelas ruas da Nação.


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