domingo, janeiro 29, 2012

Quem quer cuscuz

Hoje é domingo, PEDE cachimbo, e estou com pregui. De forma que faço minhas as palavras do colunista da Folha de S.Paulo, Fabrício Corsaletti, sobre um tema que já gerou muita discussão entre mim e alguns conhecidos (incluindo uma ex-namorada que serviu um cuscuz na forma de farofa alegando que aquele sim era o legítimo manjar dos deuses), sobretudo aqueles que desconhecem a iguaria paulista. Quando os assuntos que deveriam ser sérios se tornam rasteiros, a melhor coisa a fazer é buscar o significado (e o prazer) da vida nas coisas comezinhas (simples, triviais, mas, também uma coisa boa de se comer. Percebem a riqueza vocabular? Te prepara Jabour)

FABRÍCIO CORSALETTI
A história é conhecida, está em todas as apostilas dos cursinhos pré-vestibulares, mas não custa relembrá-la.

Entre os séculos 17 e 18, os tropeiros que partiam da capital em direção ao interior do Estado, a fim de desmatá-lo, povoá-lo e inaugurar McDonald's, levavam nas suas bruacas ("cada um dos sacos ou das malas rústicas de couro cru usados para transportar objetos, víveres e mercadorias sobre bestas, e que se prendem, a cada lado, nas suas cangalhas, ou vão atravessadas na traseira da sela", segundo o Houaiss) farinha de milho com galinha, feijão, miúdos de porco ou baby beef.

Durante a viagem, a farinha absorvia os sucos dos alimentos e os ingredientes se misturavam, formando um virado mais tarde batizado de cuscuz paulista (do latim "cusciusus", ou seja, aquele que tem formato de bolo). Em pouco tempo o prato ganhou fama, e Minas Gerais fez a sua versão do cozido, menos massuda e acrescida de queijo canastra, torresmo e couve.

Trocou-se então o adjetivo "paulista" por "mineiro", embora alguns sobreviventes da Inconfidência insistissem que o nome deveria ser "cuscuz tiradentes".

Em 1889, o marechal Deodoro, junto com os melhores cozinheiros do país, visitou o norte da África com a campanha "Yes, Nós Temos Cuscuz". Quando a comitiva passou pelo Marrocos, o rei Baba Sali, em êxtase, pagou trezentos ducados pela receita -da qual, cerca de um ano depois, já faziam parte a linguiça de carneiro, o grão-de-bico e a semolina. Dessa vez, não apenas o adjetivo -"marroquino" e não "paulista"- foi alterado; o próprio substantivo "cuscuz" ganhou nova grafia, "couscous".


Com essa roupagem, digamos, mais francesa, o couscous (ou cuscuz) conquistou Paris e hoje pode ser apreciado em inúmeros bistrôs da Rive Gauche e da Rive Droite (margens esquerda e direita, respectivamente) e inclusive entre elas, isto é, em pleno Sena, nos restaurantes dos sofisticados "bateaux mouches".

Não conheço Nova York, mas amigos viajados me garantem que nossa invenção culinária está prestes a ganhar as ruas de Manhattan, onde o hot dog ainda é rei.

E antes que eu me esqueça: a sardinha em lata só começou a ser usada no cuscuz durante a Segunda Guerra Mundial, época de escassez de alimentos frescos, como o camarão, e de abundância de alimentos enlatados, como a sardinha, que por sua vez rareavam no período colonial, sendo portanto privilégio das classes altas etc. etc.

Tudo isso pra perguntar o seguinte: por que é tão difícil comer, fora da casa da sogra, cuscuz paulista em São Paulo e relativamente fácil comer cuscuz marroquino? Por que não existe uma Casa do Cuscuz (sem TV, por favor)? Por que o cuscuz não é vendido nas padarias e nos botecos, como coxinha, esfirra, pizza e pão na chapa? Por que não há um único livro brasileiro de fotos e/ou receitas de cuscuz (nas minhas pesquisas no Google não encontrei nada além de títulos franceses e espanhóis)?

No dia em que souber as respostas, talvez eu entenda o Brasil.

sexta-feira, janeiro 27, 2012

"Reizinho" mimado


"Tio Rei"?!?!?!
Credo!
Que país é este?
Ou mais adequado seria dizer: que pobre rico estado é este onde o "reizinho mimado" obtém tanta atenção? 



(conheço-o há tempos, da revista em que escreve, mas, para minha surpresa, constatei que, fora de São Paulo e de alguns lugares do Sul, boa parte das pessoas não associa o nome à desagradável figura. E muitas das que sabem de quem se trata consideram-no indigno de sequer ter o nome mencionado)

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Artistas criticam truculência do Estado

 fonte: Brasil de Fato

A cerimônia de entrega do Prêmio Governador do Estado para Cultura 2011, na terça-feira (24), em São Paulo, foi local de mais um protesto contra a truculência do Estado em operações policiais recentes. 

Em seu discurso de agradecimento, os diretores do filme "Trabalhar Cansa", Juliana Rojas e Marco Dutra, que conquistou o prêmio, leram um manifesto de cerca de três minutos. No texto, eles criticaram os episódios de violência contra a população na Universidade de São Paulo (USP), na chamada área da "Cracolândia" e na ocupação urbana Pinheirinho, em São José dos Campos, interior paulista. Na plateia estava o governador do estado e alvo das críticas, Geraldo Alckmin (PSDB).


“Moção de repúdio à política do coturno em Pinheirinho
De um lado, pelo menos 1.600 famílias que lutam pelo direito de morar no bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), ocupação que tem oito anos de existência. Do outro, mais de 2.000 policiais militares e civis cumprindo ordens da Justiça Estadual e da Prefeitura de São José dos Campos, em favor da massa falida da empresa Selecta, pertencente ao mega-especulador Naji Nahas. Ainda que não houvesse outras circunstâncias agravantes no caso, já seria possível constatar que as instâncias dos poderes executivo e judiciário fizeram a opção, em Pinheirinho, pela lei que protege a especulação imobiliária, em detrimento do direito das pessoas à moradia. Vence mais uma vez a política do coturno em prol do capital. 

De um lado, bombas, armas, gases, helicópteros, tropa de choque. Do outro, dois revólveres apreendidos. Não há notícia de que tenham sido usados. Uma praça de guerra é instalada – numa batalha em que um exército ataca civis. Não há plano de realocação das famílias. As que não conseguiram ou não quiseram fugir, ou receberam dinheiro para passagens para outras cidades, ou estão sendo mantidas cercadas, com comida racionada, como num campo de concentração. A imprensa não pode entrar no local, não pode fazer entrevistas, e os hospitais da região não podem informar sobre mortos e feridos. O que se quer esconder? O Governo do Estado lavou as mãos diante do caso, assim como o Superior Tribunal de Justiça. O Governo Federal tardou em agir. A chamada “função social da propriedade”, prevista na Constituição Brasileira, revelou-se assim como peça de ficção, justamente onde a ficção não deveria ser permitida. 

Mais uma vez, o Estado assume o papel de “testa de ferro” para as estripulias financeiras da “selecta” casta de milionários e bilionários. A política do coturno em prol do capital vem ganhando espaço. Assim está acontecendo na higienização do bairro da Luz, em São Paulo, preparando-o para a especulação imobiliária; assim vem acontecendo na repressão ao movimento estudantil na USP, minando a resistência à privatização do ensino; assim acontece no campo brasileiro há tanto tempo, em defesa do agronegócio. Os exemplos se multiplicam. E não nos parece fato isolado que, hoje, a quase totalidade dos subprefeitos da cidade de São Paulo sejam coronéis da reserva da PM. Nós, trabalhadores artistas, expressamos nosso repúdio veemente a esse tipo de política. Mais 1.600 famílias estão nas ruas: a lei foi cumprida. Para quem?”

terça-feira, janeiro 24, 2012

Roberto Leal 8, Lady Gaga 0


O Blogger oferece a nós blogueiros um mecanismo bastante interessante que nos permite saber quais os posts (textos) mais acessados durante determinados períodos, o `caminho´ que o visitante fez para chegar ao blog (se, por exemplo, pesquisando uma determinada palavra no google) e o país de onde ele é.

Foi graças a este feedback (resposta), por exemplo, que eu descobri que um comentário meu havia sido citado na página do documentário José & Pilar, a respeito do escritor português José Saramago. Além de uma noção mínima de o quanto nossa vaidade e futilidade anda ecoando, a ferramenta também contribui com surpresas. Às vezes inesperadas.

Lady Gaga, por exemplo. Apontada como a rainha do pop, é um fenômeno internacional, não?  Pois bem. Há 11 dias eu escrevi um texto (O Mundo Está Gagá) endossando a opinião de um jornalista português que considera a loira “um embuste” musical. Para minha surpresa, neste período, ninguém, NINGUÉM, acessou o SEMIFOSCO por ter pesquisado a expressão Lady Gaga no google.  Já o texto Até Tu Roberto?!?, a respeito dos reality shows brasileiros, foi acessado ao menos uma vez durante os últimos oito dias. E, segundo as estatísticas, não por mencionar os programas Big Brother e Mulheres Ricas. Nããããooo! As pessoas chegaram ao SEMIFOSCO ao procurar no google notícias sobre ... Roberto Leal. Sim, o cantor português. Aquele do tiro-liro-liro. Aqui, doidão de chá de cogumelo em um programa da tv portuguesa.  

Conclusão falsa: Roberto Leal 8 X 0 Lady Gaga.

O que, realisticamente, me leva à seguinte conclusão, esta sim mais próxima da realidade: fosse eu o Reinaldo Aze[ve]do, da Veja, acostumado a achar que o mundo é aquilo que quero ver da minha janela, diria que Roberto Leal é mais famoso que Lady Gaga.

E não é só isso. Ao longo da última semana, o segundo post mais acessado foi Basalto Que Emana dos Seus Poros..., sobre a cantora brasiliense Ellen Oléria (alguns dos acessos tiveram origem numa pesquisa sobre a baixista da banda que toca com Ellen, a Pret.Utu, Paula Zimbres).


 

segunda-feira, janeiro 23, 2012

"Enquanto o tempo acelera e pede pressa..."



"Eu achava que Renato Russo ia salvar minha vida"
"Não sei se a arte nos deve salvar, mas tenho a certeza de que pode nos
conduzir ao melhor que há em nós, para que não desperdicemos a vida"
v. h. mãe - Paraty (RJ) - 2011


Este post está equidistante entre o que virá e o que passou. Ou seja, trata da próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) quase seis meses antes das datas já anunciadas pelos organizadores (4 a 8 de julho) e resgata algumas lembranças da última edição quase seis meses após o fim da mesma.


A razão, ou melhor, a motivação, é que só agora encontrei o registro do momento em que o escritor português valter hugo mãe lê o texto que escreveu especialmente para o evento com a finalidade de explicar sua relação com o Brasil. Seguramente, um dos momentos mais aplaudidos em 2011. (Se ao tentar assistir o vídeo abaixo, aqui mesmo no blog, o som estiver baixo, veja-o diretamente no youtube clicando aqui)






Procurando pelo vídeo, acabei sabendo que o primeiro autor confirmado para aportar na cidade histórica do litoral fluminense este ano é o inglês Ian McEwan, de Reparação (adaptado com sucesso para o cinema) e do recente Solar. Será a segunda vez de McEwan em Paraty. A primeira foi em 2004, ano em que por lá também estiveram Rosa Montero, Paul Auster, Miguel Sousa Tavares, Martin Amis, Margaret Atwood, Agualusa, entre muitos outros, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Arnaldo Antunes. Bom ano.


E aí, revirando minhas coisas, achei três vídeos esquecidos desde julho de 2011. Não os publiquei na época devido a qualidade das imagens terem ficado ruim (sobretudo o último, de dois argentinos que atrairam atenção tocando em plena rua. Embora não dê para ver nada, gostei tanto da voz da cantora que achei que também valia a pena reproduzí-lo Suponho que se chamam Soledad e Juan Manoel, mas perdi as minhas anotações). Contudo, agora estão aqui.



quinta-feira, janeiro 19, 2012

Furacão Elis

capa da biografia escrita pela jornalista e amiga de Elis, Regina Echeverria

Trinta Anos Esta Noite.

E a pergunta que não quer calar: como teria evoluído a música popular brasileira caso a Pimentinha tivesse vivido mais alguns anos?

Primeiro porque Elis Regina não só É uma das maiores cantoras mundiais e a melhor intérprete brasileira de todos os tempos, como também porque todos reconhecem sua capacidade de identificar novos talentos e alçá-los à fama, gravando suas composições ou convidando-os para gravar com ela.

Até hoje, regravar uma música eternizada por Elis é um desafio para qualquer artista. Poucos são os casos em que sua interpretação não é considerada a versão definitiva. E muito artista bamba foi apadrinhado pela gaúcha no início da carreira. Milton Nasciomento, Ivan Lins, Renato Teixeira são alguns dos que me recordo agora. Fora o "síndico" Tim Maia, agraciado com a oportunidade de fazer com Elis um dos mais belos duetos de nossa história em These Are The Songs. (sobre o paradigma que a eficaz interpretação de Elis representa para outros intérpretes, compare a gravação da mesma música por Marisa Monte e Ed Motta)

Mas... se o dueto com Tim Maia é UM dos mais belos  é porque o título de dueto mais memorável da MPB cabe, inquestionavelmente, à gravação de Águas de Março, de Tom Jobim, um de nossos hinos nacionais alternativos. Momento mágico que, de alguma forma, revela algo do que o país tem de melhor. E como amanhã (20) estreia o documentário A Música Segundo Tom Jobim, de Nelson Pereira dos Santos, nada mais oportuno que resgatar este clássico.




quarta-feira, janeiro 18, 2012

Até tu Roberto?!?


Assunto mais comentado pelos brasileiros nos últimos dias – menos pela Luisa, que está no Canadá – o suposto estupro de uma participante do programa Big Brother Brasil (BBB) vai ser tema do programa Ver TV,  que irá ao ar no domingo (22) a tarde, na TV Brasil. Especialistas vão dizer que blá-blá-blá. No fim das contas, vai ficar tudo como sempre esteve - nenhuma sanção para a  empresa concessionária responsável por levar ao ar as tais imagens  polêmicas (quer elas sejam verdadeiras, quer não). Empresa autorizada pelo Estado a funcionar sob uma série de condições e exigências cujo cumprimento jamais é exigido.

O Ministério Público Federal em São Paulo já se manifestou. O Ministério das Comunicações já se manifestou. A Secretaria de Políticas para as Mulheres já se manifestou. O delegado já se manifestou. O Rafinha Bastou já se manifestou (“Seis meses depois: Piadas de estupro estão na boca do povo. Cheguei cedo, é isso?!”, escreveu ele no twitter). Quem falta? Ah, os patrocinadores que financiam esta porcaria.

Equivocada armação global para atrair mais atenção ou não, prefiro o episódio português. Roberto Leal doidão de chá de cogumelo  em um reallity show luso era algo que eu não cogitava ver jamais. Muito mais original, convenhamos, que as pobres Mulheres Ricas sacudindo aquela taça de champagne até esquentar e perder o gás. (Ai! Que loucura. Se esta chuva  e minha gripe não passar logo, sei não.) 


Talvez só não chegue a ser tão inusitado quanto ver o maior  colecionador de títulos do surf brasileiro de todos os tempos , o santista Picuruta Salazar, participando do reallity show da Record, Amazônia. De qualquer forma, tomara que a madrinha Naninha não veja este vídeo. A decepção poderia matá-la. (Ela é fã antiga do portuga. Já a mim este gajo nunca enganou. Basta ver a foto ao lado. Pra este lance de tiro-liro-liro a pessoa tem que ser muito doida, já havia demonstrado Amália Rodrigues)




terça-feira, janeiro 17, 2012

novas salas de cinema e mostras animam público brasiliense


O ano começou bem para os brasilienses que gostam de cinema. Ainda que boa parte das melhores opções sejam reprises, não dá para reclamar da oferta de bons filmes disponíveis neste janeiro chuvoso de cidade vazia.    

Pra começar, aconteceu, no CCBB, a mostra “Clint Eastwood – clássico e implacável”, uma retrospectiva com 43 (!) filmes do ator e diretor norte-americano. Na sequência veio a mostra "De Bergman ao Moderno - Cinema Sueco", que reuniu no enorme Cine Brasília desde clássicos de Ingmar Bergman como Sétimo Selo e Gritos e Sussurros até algumas produções suecas recentes, caso de Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, primeira parte da popular trilogia Millenium e cuja (desnecessária?) refilmagem norte-americana está prestes a chegar às telas. Além do bom público das sessões gratuitas, chamou a atenção a presença jovem. No final de semana, as sessões das 21h. pareciam o esquenta pra balada.

Na sexta passada, o até então renegado cinema do Shopping Liberty Mall reabriu após uma reforma de mais de dois meses, repaginado, rebatizado (agora se chama Cine Cultura Liberty) e prometendo qualificar a programação e manter o ingresso entre os mais baratos de Brasília (R$ 16 a inteira). No primeiro final de semana, foram exibidas uma produção francesa (Adeus, Primeiro Amor), uma alemã (Triângulo Amoroso) e o bastante comentado norte-americano O Espião que Sabia Demais. Pra turma da pipoca, Sherlock Holmes 2. Outra novidade é o Espaço Itaú de cinema, onde, pra minha surpresa (em Brasília eu ainda não tinha visto isso), há cerveja a venda na bomboniere e se pode entrar com ela na sala - fora a qualidade da programação: se ainda estiver em cartaz quando você por acaso ler isso, assista a O Conto Chinês (veja post)

E, hoje (17), teve início a mostra Lars von Trier. Praticamente toda a obra do cineasta dinamarquês será exibida até o dia 5 de fevereiro, parte no Cine Brasília, parte no CCBB, sempre na faixaonsiderado um dos diretores mais polêmicos e inovadores das últimas décadas, Trier é o diretor de, entre outros, Dogville, Manderlay e de Melancolia (este último foi exibido por duas vezes no Cine Brasília e teve gente que não conseguiu lugar, apesar da sala ser enorme). Alguns títulos da mostra são inéditos no Brasil.

Na mesma hora em que a projeção começava no Cine Brasília, outra mostra começava perto dali. Pra ser exato, no Espaço Cultural Instituto Cervantes, na 707 Sul, onde, até esta quinta-feira, o público pode rever, de graça, três dos principais títulos do diretor mexicano Alejandro Iñarritu (pela ordem da programação, Babel, 21 gramas e o violentíssimo e cultuado Amores Perros). 

sábado, janeiro 14, 2012

"O Mundo está Gagá"

"Abandonar os preconceitos não é deixar de acreditar em valores"

A frase acima foi pinçada de uma excelente crítica do jornalista econômico português Tiago Freire sobre o sucesso mundial de Lady Gaga. No artigo Este Mundo Está Gagá, publicado na revista musical portuguesa Blitz, de setembro do ano passado, Freire conclui que a loira norte-americana, muito mais famosa por suas excentricidades midiáticas do que pelo conjunto de sua obra, é um "embuste" só relevante enquanto produto.
"Um mito global, supostamente musical, construído à base de 20 e poucas canções, nenhuma delas inovadora, nenhuma delas particularmente memorável, nenhuma delas merecendo sequer uma linha de rodapé na história da música pop"
É isso! Do alto de minha ignorância, mas dotado de um mínimo de bom-senso obtido graças a uma já considerável trajetória auditiva, várias vezes me questionei como uma artista cujo cartão de visita é a música Just Dance (primeira faixa de seu primeiro cd, cheio de modulações e sintetizadores) chega a se tornar o fenômeno mundial que a loira esquisita se tornou. A resposta, minha mesma trajetória como espectador me deu. E, lógico, ela é tão óbvia quanto o jornalista português aponta.
"Como é de pop que falamos, é evidente que nem tudo é (e muitas vezes, bem pouco é) acerca da música. É acerca da imagem, acima de tudo [...] Como tal, a única coisa que peço é: falem de Gaga que ela adora - e é para isso e só para isso que ela existe, mas não tentem legitimar uma gritante falta de originalidade e de talento através de apreciações musicais. Enquanto música, esta senhora é uma inexistência e sua relevância, por enquanto, é apenas enquanto produto. Assim como a Coca-Cola, que também vende camisetas, canetas e agendas com sua logomarca, embora nunca ninguém tenha dito que a Coca-Cola saiba cantar".
Embora possa soar a polêmica gratuita, a afirmação de Freire de que falta a Gaga originalidade e talento é precisa. Só deixando claro que o jornalista se refere à qualidades musicais, pois talento para criar factóides e se manter à tona a loira tem de sobra. De resto, quando vejo alguém dizer que Gaga trouxe alguma inovação para a música duas hipóteses me vem à mente: ou a pessoa tem menos de 25 anos ou então demorou muito a se interessar por música e pela cultura pop. Qualquer que seja o caso, acrescento que esta pessoa desinformada nunca se interessou pelo que a antecedeu e, portanto, não tem muitas referências.

Os vídeos de Gaga? Madonna só se tornou o que é graças ao surgimento da MTV e à consequente valorização e aprimoramento da linguagem audio-visual. Isso há 30 anos, quando poucos levavam à sério aquelas evoluções de ginástica aeróbica que, hoje, se confunde com dança. Gaga hoje se beneficia da evolução dos video-clips, embora o mérito maior seja do diretor e de sua equipe.

Atitude? Pesquise as biografias de Ella Fitzgerald, Nina Simone, Janis Joplin, Debbie Harry, Patti Smith, Chrissie Hynde, Elza Soares, Elis Regina e de tantas outras que, sem contar com as graças de produtores, tiveram que ralar muito para conquistar o direito de se dizerem cantoras. Orfã, Ella chegou a trabalhar como vigia de um bordel. Hoje, a Primeira Dama da Canção, como é chamada, é considerada a maior cantora do século XX. Para isso, no entanto, passou 59 anos sobre os palcos e em estúdios de rádio e de gravação. Já Gaga, como bem lembra Tiago Freire, passou a ser apontada como "a nova diva do pop" (no que já foi substituída por Adele, apesar de tudo, muito mais legítima) tendo lançado um único disco mediano, do qual eu, com alguma boa vontade, numa festa tocaria apenas Beautiful, Dirty, Rich ou The Fame (talvez também tocasse Poker Face para agradar aos amigos da mesma faixa etária já que este é o sucesso mais anos 80 das últimas estações e, como bem sabemos, o público gosta de aplaudir sua própria memória, daí o sucesso das festas revivals)

Ah, mas Ella, Nina, Janis e Elis estão ultrapassadas e construíram suas carreiras em um tempo em que "BASTAVA saber cantar bem", dirá a hipotética pessoa que considera Gaga inovadora. Já Debbie, Patti e Chrissie tomaram parte de uma cena em que dancinhas coreografadas não eram muito bem recebidas por seus público-alvo. Sinto informar, mas Gaga também não passa com louvor no quesito originalidade. Além de seguir em suas apresentações e vídeo-clips a trilha pavimentada por Madonna, a postura cool e performática lembra Grace Jones.

E por falar em Grace Jones, eis aí alguém realmente subestimado. O que, em última análise, pode ser um sintoma de como nos tornamos mais indulgentes já que, há três décadas, artistas muito melhores que Gaga não costumavam sequer ser merecedoras de críticas ou textos como este e, hoje, são lembrados por bem poucos. Em geral, por aqueles mesmos chatos que não enxergam nada demais em Gaga. Sinal dos tempos pop?
 
 
1 - (Talvez você, como eu até há bem pouco tempo, não tenha tido a curiosidade de ouvir os discos de Lady Gaga, sendo-lhe suficiente tomar conhecimento do último modelito de roupa ou penteado criado por seus estilistas. Se achar oportuno ouví-lo para tirar suas próprias conclusões, clique aqui)
 
2 - O artigo de Tiago Freire é uma resposta a um texto publicado um mês antes pela mesma revista portuguesa, escrito por Mary Rose, que assume, "orgulhosamente", ser uma little monster (monstrinha), que é como Gaga se refere aos seus fãs ("uma forma de diminuí-los emocionalmente e  dar-lhes uma causa com que se identificar (o desajuste)", sustenta Freire). "A Mother Monster [Gaga] mudou a forma como encaro a Vida", aponta Rose, lembrando-no de que discussões como esta vão muito além do que parece já que vivemos todos sujeitos à cultura pop. "Gaga não é simplesmente um fenômeno pop que irá desvanecer ao longo do tempo. Não, ela representa a mudança, a esperança de um mundo sem preconceitos nem desigualdades, um mundo onde a diferença é aceita e valorizada, um mundo melhor. É provável que tudo isto não passe de um sonho, mas tenho a certeza que todos os Little Monsters estão empenhados em realizá-lo!" (tive uma demonstração deste mundo mais tolerante no último reveillón, durante uma festa estranha, com pessoas esquisitas, que não valorizaram meu set list composto por faixas lado B pouco conhecidas. Como disse, as pessoas amam aplaudir sua própria boa memória)

sexta-feira, janeiro 13, 2012

Documentando pra esclarecer


Caraco! Com alguns anos de atraso e graças à TV Brasil (a tv PÚBLICA que muitos insistem em continuar chamando de a tv DO governo federal), assisti hoje ao excelente documentário Fabricando Tom Zé, de 2006. Fabuloso. Vou além: mesmo incorrendo no pecado de abusar dos adjetivos, escrevo que é um dos melhores documentários musicais já produzidos no Brasil.

Entre os vários depoimentos, Caetano Veloso revela que sua então esposa, Paula Lavigne, ao assistir a um show de Tom Zé disse, na lata, que por mais que Caetano fosse bom e merecesse todo o sucesso que tem, o também baiano (de Irará) Tom Zé fazia "uma outra coisa", superior, "genial". O músico David Byrne, ex-vocalista do Talking Heads e autor do livro Diários da Bicicleta, explica que quando questionado por brasileiros que estranhavam sua decisão de lançar, nos Estados Unidos, os discos do, aqui, na época, quase esquecido Tom Zé, respondia que a originalidade de um disco como Estudando o Samba era o que mais se aproximava ao underground norte-americano. Mas é o jornalista Cláudio Tognolli o autor da melhor definição para o arretado e criativo artista septuagenário: "É o único punk brasileiro. Se você lhe oferecer dinheiro, ele vai recusar se não puder continuar fazendo aquilo que faz".

Bem pesquisado, o filme acompanha Tom Zé em incursões por sua cidade natal e por São Paulo, onde o músico vive há décadas. Além de documentar trechos de apresentações em vários países europeus. E é justamente durante a passagem de som de um destes shows que acontece uma das cenas mais inusitadas e ao mesmo tempo reveladoras sobre a personalidade do artista.

É quando Tom Zé bate-boca e chega a empurrar um dos membros da organização do mítico Festival de Montreaux, na Suíça, por se considerar desrespeitado pelos técnicos que não conseguem equalizar o som satisfatoriamente. Dá para imaginar um outro artista brasileiro ameaçando abandonar o palco do mais prestigiado festival de música por razões técnicas? O mesmo festival em que Elis Regina disse ter tremido e que consolidou a carreira internacional de Hermeto Pascoal? Pois Tom Zé faz questão de deixar claro, aos gritos: "Têm que entender que esta banda é doida e que se a noite a coisa não estiver do jeito que queremos, deixamos o palco".

Baita documentário. Pena que na maior parte do país, o sinal da TV Brasil ainda só é captado na tv paga. Mais pena ainda dá saber que mesmo onde ela está disponível na tv aberta, tem pouca audiência. Não porque seja pública e equivocadamente (muitas vezes de má-fé) associada ao governo, mas sim porque não conta em seu elenco com "nossos heróis" hipertrofiados e sem cérebro dos reality-shows.

Se gostar de música e tiver condições, assista.
 


Leia mais e veja os vídeos feitos pelo semifosco:

maio/2011 - Baiano Cumprido(r)
setembro/2010 - Bailão do Tom Zé

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Desbunde libertino



A cidade está fora do meu quarto, mas eu estou dentro da cidade. A hierarquia sensível da realidade é a seguinte: primeiro meu quarto, depois a cidade lá fora. Aí vem o país e o mundo, notícias impressas no jornal intacto jogado no chão. [...] Corrige-se: primeiro meu corpo.

Seu corpo. Seu quarto. Eis as duas principais fronteiras a delimitar os interesses imediatos (ou a egotrip, se preferirem) de Ricardo, o protagonista dos dois primeiros romances de Reinaldo Moraes, Tanto Faz (1981) e Abacaxi (1985). Esgotados e há muitos anos só encontrados em sebos, os dois títulos foram reunidos em um único livro de bolso e relançados ano passado pela Companhia das Letras, conquistando novos leitores.

A trama de um dos poucos "clássicos" da literatura de "contracultura" publicado em Pindorama: diante dos sinais inequívocos de que, gradual ou instântaneamente, o regime militar (1964-1985) estava por cair, a personagem, um paulistano classe-média cansado do clima político e cultural barra-pesada do final da década de 1970, dá uma banana pro trabalho, pra carreira, pra luta, pros milicos, pra literatura de gabinete e se manda pra Paris onde, graças a uma bolsa de estudos, passa dois anos experimentando toda e qualquer substância lícita ou ilícita que lhe abra "as portas da percepção". E intercambiando-se com garotas de nacionalidades diversas, sobretudo conterrâneas que, como ele, aproveitam a ordem e progresso à moda do Velho Continente para se libertar dos pudores conservadores terceiro-mundistas. A pesquisa etílica-alucinógena-sexual é concluída em NY, onde a personagem "dá um pulo" antes de retornar a Sampa. Ou seja, o tipo de "drama humano" dificilmente adotado nas aulas de literatura brasileira.

Ícones da chamada "literatura marginal" produzida no país durante o período do desbunde (ressaca dos 60 na antesala da "década perdida" yuppie), Tanto Faz e Abacaxi revelaram aos leitores, na forma de uma prosa livre de amarras e preconceitos, a semente da teoria autoral revelada por Reinaldo Moraes em 2007 e que resultou no best-seller de quase 500 páginas e ritmo frenético, Pornopopéia (2009): não se faz boa literatura sem maus sentimentos. E sem uma boa dose de humor e muita libertinagem, faltou ele acrescentar. Pois vejamos:


"Atravessando em linha reta a noite americana, me bateram vários momentos de lucidez cósmica, instantânea compreensão da minha presença no mundo e do mundo em mim. Aos meus olhos eu era um santo grogue com o pé no sapato, na calçada, no espaço. Um santo sem milagres nos bolsos vazios. Na boca o travo azedo de tudo que eu tinha bebido, cheirado, fumado, comido, vomitado, mais o veneno do ressentimento por ter sido expulso do loft-paradise da morena milionária. Buáááááá!"
Anti-herói apolítico e amoral, Ricardo não parece se importar com nada que não seja uma maneira de extrair algum prazer da vidinha besta que o sistema tem a oferecer.


"Mas que porra: onde está escrito que a história tem que meter seu estúpido bedelho na minha anônima vidinha? Eu quero é o mel da vida, melodia e ritmo na vitrola, namoro, vadiagem. Flânerie, noites brancas, manhãs de sono no quarto escuro. Drogas, birita. Quem precisa de história? Tirem essa puta velha e assassina daqui! [...] Meu saco pra política anda a zero"

sábado, janeiro 07, 2012

Muito Prazer. Letícia Bufoni



A paulistana Letícia Bufoni, 18 anos, é um fenômeno esportivo tipicamente brasileiro que o radar da grande mídia nacional ainda não captou. Sem o apoio de grandes marcas e enfrentando a resistência paterna, ela começou a se destacar entre as atletas brasileiras até que, em 2007, com apenas 14 anos, foi convidada para participar do X-Games, o maior evento mundial de esportes radicais. Se deu bem e terminou na oitava colocação. No ano seguinte ela não só voltou a disputar o mesmo evento, terminando em quinto lugar, como também se fixou nos Estados Unidos, passando a disputar o circuito feminino mundial. Terminou o ano em terceiro. A partir daí, passou a consolidar seu nome entre as melhores do planeta na modalidade. Em agosto do ano passado, Letícia venceu a última etapa do circuito mundial, o Air Attack, disputado na Bélgica, sagrando-se bi-campeã mundial da categoria Street. Hoje, em todo o mundo, meninas se inspiram na paulistana. Em parte também um pouco por conta da força da imagem acima, parte da campanha publicitária de uma marca internacional de desodorante que concilia radicalidade e feminilidade.

segunda-feira, janeiro 02, 2012


Meninas que cheiram como um coador de café?
Plantadores de café em Santos??
Ketchup de café???

Sinatra pode ter sido A Voz, mas, definitivamente, nem ele, nem Bob Hilliard, autor da irônica letra de The Coffee Song, tinham a mais vaga ideia sobre nosso patropi no distante ano de 1946. E olha que já então os Estados Unidos da América estavam entre os maiores consumidores de nosso valioso produto.



A Música do Café

Caminhando entre brasileiros
Grãos de café aumentam aos bilhões
Então eles têm que achar xícaras extras para encher
Eles têm uma quantidade horrível de café no Brasil


Você não consegue refrigerante de cereja
Porque eles têm que encher a cota
E pelo jeito que as coisas vão aposto que nunca vão conseguir
Eles têm um zilhão de toneladas de café no Brasil


Nada de chá ou suco de tomate
Você não verá suco de batata
Porque todos os plantadores em Santos dizem não, não, não


A filha de um político
Foi acusada de beber água
E foi multada com a grande multa de cinquenta dólares
Eles têm uma quantidade horrível de café no Brasil


Você sai com uma menina e descobre depois
Que ela cheira como um coador
Seu perfume foi feito no torrador dos grãos
Por que eles conseguiram coar o oceano no Brasil?


E quando seu presunto e ovos precisam de sabor
Ketchup de café lhes dá gosto
Picles de café venderam mais que salsinha
Por que eles botam café no café, no Brasil?


Então você lidera para a cor local
Servindo café com churros
Embeba-lo não exige muita habilidade
Eles têm uma quantidade horrível de café no Brasil

Feliz Ano Novo

Muitas felicidades e saúde pra dar e vender. 
São os votos da família Barbalho pra patuleia.