Senti a náusea se instalando sorrateiramente. Tudo permanecia exatamente como há poucos instantes: as casinhas cuidadas com esmero, o romântico piso irregular, o sol brando, as coroas elegantes ou plastificadas, os jovens casais de namorados sorridentes, o intelectual com a barba por fazer, todas as grifes, todas as marcas, o café e o jornal de graça...Ainda era a mesma Paraty. Com helicópteros e jatinhos executivos pousando, com a casa do príncipe Orleans e Bragança e as outras pertencentes à realezas midiáticas. Mesmo assim, como em todos os anos, a náusea conseguiu voltar a me pegar desprevenido, ameaçando meu processo digestivo.
"A esquerda escocesa A GENTE sabe onde é que está. No Executivo, no Legislativo e no Judiciário. A Direita, da qual eu faço parte, ...bem, qual é o endereço da direita a não ser os nossos aparelhos?", perguntou uma senhora de pele alva, olhos claros e óculos Tag Heuer prendendo os cabelos (louros, óbvio) que deve ter caído do SUV durante a mudança e desde então anda buscando por seu grupo. Era ela a que mais esperava que Pondé arreganhasse os dentes frente a qualquer menção a Lula (o que, aliás, ele não fez, ou fez cordialmente).
Foi o que bastou para a náusea do mundo se alvoroçar, embora ela só tenha me pego de jeito momentos depois, quando ouvi a resposta dada a uma jovem estudante da Bahia que fez a pergunta mais sensata entre todas feitas pelos leitores do jornal paulista que lotavam o casarão colonial para ouvir o filósofo e colunista Luiz Felipe Pondé falar sobre o jornalista Paulo Francis, mas, principalmente, sobre as conclusões que o levaram a escrever, com colegas, o livro "Por Que Virei à Direita".
Nada contra o sujeito ser destro, canhoto ou chutar com as duas. Eu provavelmente reagiria da mesma forma caso um outro sujeito tentasse justificar porque virou à esquerda - a menos que ele tivesse a coragem de assumir ter feito isso para ficar próximo ao poder. Minha indiferença é por acreditar que estes conceitos - que, no Brasil, só ficaram claros durante os regimes de exceção, quando quem não era ingênuo era obrigado a saber onde estava pisando -, estes conceitos há tempos estão clamando por uma revisão, por uma nova definição. E o filósofo, aquele que deve buscar ver com olhos novos, não veio auxiliar neste sentido. Pelo contrário.
Tanto que, quando a jovem de 17 anos disse estar confusa tentando entender o que classificou como "A DISCUSSÃO DE VOCÊS" e perguntou pragmaticamente se esquerda e direita de fato ainda existem, a resposta veio na forma de uma digressão histórica de um didatismo primário, sem qualquer Ponderação sobre onde se quer chegar com tal discussão.
"Esquerda e direita são conceitos didáticos... Esta é uma imagem da Revolução Francesa, mas existe todo um processo político britânico que conhecemos pouco e que não passa por esta oposição de forma tão clara", disse Pondé. Como se no Brasil das alianças pragmáticas e partidos de aluguel sem qualquer projeto ideológico ou político a separação entre os dois pólos estivesse clara.
"A expressão direita e esquerda existe como fato histórico, como conceitos. Assim como quando nós dizemos `na Idade Média´, é uma expressão didática que é mais ou menos verdadeira. Primeiro porque quem vivia na Idade Média não sabia que vivia nela", reconheceu o filósofo, que, ao contrário do exemplo citado, está convicto de viver à direita em um estado (SP) há décadas administrado por um partido social-liberal que o principal opositor se esmera em associar à direita. O filósofo talvez cogite escrever um livro com o chamativo título "Por que me voltei em direção à Idade Média, um "termo didático" como tantos outros usados por nós acadêmicos enquanto jovens continuam confusos sem saber a que estamos nos referindo".
A coisa seguiu mais ou menos assim por uma hora, em um espaço de consenso amplo, sem espaço para o contraditório e com parte dos ouvintes incitando o palestrante a falar de Lula, do governo federal, do PT e das esquerdas. É direito. Eu mesmo não discordo de tudo o que Pondé disse - concordo, por exemplo, que não há debate na academia e que as experiências comunistas reais foram um fracasso, por diversas razões que ele não elencou. Só lamento que, ele talvez não tenha tido espaço apropriado ou vontade para ir além na sua definição das características do que vem a ser a tal direita a que se filia - "sociedade de mercado, democracia liberal, defesa da propriedade privada e da relação entre trabalho, esforço e direito pessoal de se buscar o que se quer" - para deixar claro que, no Brasil, isso nunca existiu. Haja visto a gana dos empresários em socializar os prejuízos e buscar auxílio governamental frente a qualquer marola.
Sei, óbvio, que Pondé e boa parte dos presentes leram e tem um repertório informativo muito mais amplo que eu, que fico tão confuso quanto a jovem estudante de 17 anos quando me ponho a pensar sobre se, politicamente, sou de direita ou de esquerda. Neste sentido, no entanto, a fala de Pondé só serviu para me deixar esperançoso de que neste exato momento, em algum ponto do planeta, algum outro jovem confuso e descontente esteja testando, na prática, alguma uma outra coisa que não o que ainda se entende por direita e esquerda. Porque se é verdade que as teorias políticas de esquerda, na prática, geraram ditaduras, os resultados alcançados no "melhor" capitalismo ainda estão muito aquém de nos contentar. ("mesmo com a atual crise, e o mundo sempre teve crises, a ideia de democracia liberal calcada pelos direitos individuais e pela noção de capitalismo como o sistema menos mal que conhecemos parece ter se tornado hegemônico porque, primeiro, os governos de esquerda reais produziram pobreza, explosão social, burocracia e patrulha ideológica, como em Cuba", palavras de Pondé).
Sei, óbvio, que Pondé e boa parte dos presentes leram e tem um repertório informativo muito mais amplo que eu, que fico tão confuso quanto a jovem estudante de 17 anos quando me ponho a pensar sobre se, politicamente, sou de direita ou de esquerda. Neste sentido, no entanto, a fala de Pondé só serviu para me deixar esperançoso de que neste exato momento, em algum ponto do planeta, algum outro jovem confuso e descontente esteja testando, na prática, alguma uma outra coisa que não o que ainda se entende por direita e esquerda. Porque se é verdade que as teorias políticas de esquerda, na prática, geraram ditaduras, os resultados alcançados no "melhor" capitalismo ainda estão muito aquém de nos contentar. ("mesmo com a atual crise, e o mundo sempre teve crises, a ideia de democracia liberal calcada pelos direitos individuais e pela noção de capitalismo como o sistema menos mal que conhecemos parece ter se tornado hegemônico porque, primeiro, os governos de esquerda reais produziram pobreza, explosão social, burocracia e patrulha ideológica, como em Cuba", palavras de Pondé).
Creio que para chegarmos ao ponto de partida, primeiro será preciso responder à pergunta da jovem Luma: ainda existem direita e esquerda? A partir daí, então, vamos pensar em quais são nossas opções. Fora isso, qualquer outra ação é somar esforços a um dos dois leões que estão se comendo enquanto os animais menores esperam pelas sobras.
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