quinta-feira, abril 21, 2011

Capital Criativo: A Brasília Underground

fotos: Marcello Casal Jr. (Agência Brasil)


Como não estou conseguindo diagramar adequadamente as legendas nas fotos, colo-as abaixo:

(1) Imagine, como sugeriu o poeta brasiliense Nicolas Behr, uma Brasília “não capital”, “não poder”, com vista para o Congresso Nacional e outros cartões-postais pelos quais a cidade é conhecida. Imagine Brasília terno-e-gravata discutindo política com a Brasília de bermudão, camiseta, tatuagens e piercings espalhados pelo corpo. Uma cinquentenária alternativa, underground, tolerante, estigmatizada
(2) Eis o Setor de Diversões Sul, ou simplesmente Conic. Assim é conhecido o complexo arquitetônico de 15 edifícios, muitas lojas comercias e uma enorme área pública de circulação interna. Na cidade projetada para estimular o lazer e a convivência, o Conic acabou por se tornar um dos poucos lugares onde os vários grupos que caracterizam a diversidade local convivem naturalmente

(3)  “Muita gente acha que Brasília é uma cidade de funcionário público, aonde as pessoas vêm, trabalham durante a semana e voltam para suas cidades. Onde todos são engravatados ou marajás. E o Conic é a prova contrária”, afirma Fernanda Maia, vocalista da banda Lucy and the Popsonics, grupo de projeção na cena musical independente que já tocou em quase dez países. “Frequentamos o setor há muitos anos e um pouco desse ambiente se reflete em nossas letras”


(4) Desde sua conclusão, na década de 1970, o Conic atravessou diferentes fases. Previsto no projeto urbanístico de 1957 de Lúcio Costa para suprir as necessidades de lazer e cultura das pessoas que se mudavam para a recém-inaugurada capital, o Setor de Diversões Sul, assim como o Norte, abrigou as primeiras representações diplomáticas que se estabeleceram em Brasília, atraindo restaurantes e lojas caras e sofisticadas


(5) “Aqui havia bons restaurantes, botequins e boates. Houve uma época em que havia dez livrarias e cinco cinemas funcionando”, lembra o carioca Ivan Presença, do Quiosque Cultural, ponto de encontro de intelectuais, escritores e leitores. Há 30 anos no Conic, ele se orgulha de conviver com diversas pessoas, de desempregados a personalidades como os músicos Renato Russo e Cássia Eller e os escritores Ignácio de Loyola Brandão, Thiago de Mello e Cassiano Nunes


(6) Com a mudança das embaixadas, o setor passou por sua primeira transformação. Localizado na região central de Brasília, entre a Rodoviária do Plano Piloto e o Setor Comercial Sul, a partir da década de 1980, o Conic ganhou a feição de um centro comercial popular ao mesmo tempo em que se estabeleceu como sede de sindicatos, escritórios políticos e de organizações não governamentais


(7) A presença de tantos sindicatos fez com que por muito tempo a atual Praça Ary Para-Raios, onde trabalhadores, estudantes e alguns turistas se reúnem ficasse conhecida como Praça Vermelha. Verdadeiro “setor da sociedade civil”, como classifica Ivan Presença, o Conic passou a atrair um público cada vez mais diversificado, com a abertura de boates, cines pornôs e saunas


(8) Parte do estigma que o Conic carrega até hoje vem dessa época, quando o setor funcionava 24 horas por dia. “Antes aqui saía muita confusão, muita briga, mas hoje a coisa está 100% melhor”, afirmou o encarregado-geral do Edifício Boulevard desde 1974, o baiano Geraldo Moreira Pinho

(9) No Conic desde 1974, o advogado goiano Erasto Villa-Verde diz que muitos brasilienses consideram o Conic um ambiente “carregado e comprometedor da moralidade”, mas não crê que isso prejudique seus negócios. “Nunca senti o estigma e não acho que isso tenha afastado clientes. E apesar de hoje haver muitos lugares para abrir um escritório, aqui continua sendo um dos principais locais para o exercício da advocacia”


(10) O mineiro Renato Barcelos, o Vlad, recorda seu primeiro contato com o local, há cerca de 15 anos, quando ele ainda morava em Uberaba (MG). “Eu era garoto e lembro que me marcou ver o público do antigo Cine Ritz, um ponto de prostituição frequentado por viciados e malandros. Era um lance marginal junto com o lado cultural das livrarias e da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes”


(11) Originalmente, o Edifício Boulevard, em que Geraldo Pinho trabalha, chamava-se Edifício Conic, nome da construtora responsável pela obra e que decidiu expor uma enorme placa de propaganda sobre o telhado. Como a placa podia ser vista a distância, os brasilienses se acostumaram a chamar assim a todo o Setor de Diversões Sul.


(12) De acordo com o jornalista maranhense Raimundo Campos Rocha, com a ocupação dos cinemas por igrejas e o fechamento das livrarias, o Conic foi deixando de ser uma referência cultural para a cidade. Em Brasília há 29 anos, há seis Rocha observa a rotina local do alto da cobertura onde montou sua agência de notícias. “Houve e há casos esporádicos de pequenos roubos, mas isso não é a regra. O normal é uma relativa tranquilidade”


(13) Um dos cinemas ocupados por igrejas evangélicas é o Cine Atlântida, ainda hoje citado por muitos brasilienses como um dos melhores que a cidade já teve. Com cerca de 1,2 mil lugares, sua transformação em um templo teve de ser aprovada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal


(14) Segundo o secretário executivo da faculdade inaugurada pela atriz Dulcina de Moraes em 1982, Augusto Lacerda, milhares de pessoas já frequentaram um dos três cursos universitários, entre eles Françoise Forton e Murilo Rosa. Atualmente, a instituição tem cerca de 550 alunos e planos de encabeçar “um movimento que devolva o Conic à cidade”

(15) De acordo com Augusto Lacerda, além da mostras semestrais realizadas nos dois teatros da Faculdade Dulcina, que somam 500 lugares, um programa de residência artística vai selecionar quatro grupos teatrais brasilienses que poderão apresentar seus trabalhos. Um espaço já está sendo reformado para abrigar a futura galeria de arte contemporânea da cidade


(16) Prefeita do Conic, a arquiteta maranhense Flávia Portela sustenta que o local precisa de mais atenção do governo do Distrito Federal, principalmente em relação à limpeza e à definição do que fazer com as áreas abandonadas pertencentes ao próprio governo. “O poder público tem que intervir sem descaracterizar o local. Não adianta querer transformá-lo em um shopping”.

(17) Para Flávia, o Conic já conta com um movimento de empreendedores e artistas que compreendem “a linguagem da cultura contemporânea” e o interessante seria conseguir reabrir ao menos um dos antigos cinemas e oferecer mais opções gastronômicas. “Para mim, o pulo do gato vai ser a gastronomia. E, se o governo local repassasse à prefeitura a responsabilidade pelas áreas públicas, poderíamos explorá-las em parceria com a iniciativa privada”

(18) Uma das jovens empreendedoras do Conic é a a maranhense Adriana Pereira, dona de um dos vários salões afro do setor. “As pessoas me diziam que aqui era um lugar de prostituição e que eu não ficasse até tarde. Com a convivência, fui vendo que aqui há muita gente interessante, pessoas de todas as partes. Para mim, o Conic representa a felicidade. Aqui eu consegui abrir meu negócio e atingir meu público”


(19) Brasília - Já o piauiense Antonio de Souza Lira Neto decidiu transformar o gosto pelo skate em ganha-pão e abriu uma loja no Conic há 20 anos. Embora diga que o movimento já foi melhor, ele não pensa em deixar o setor. “O Conic é o coração da cena brasiliense de skate. Além do pessoal andar aqui perto, no Setor Bancário Sul, aqui é um ponto central, perto da rodoviária”


(20) “O dia a dia é arisco”, diz a vendedora Caroline de Oliveira antes de concordar com sua chefe, Denise Porto, dona de uma loja de roupas em estilo militar. Para ela, existem dois Conics: um que funciona em horário comercial e outro que surge a partir das 19h. “Durante o dia, o Conic é dos escritórios, das lojas transadas e dos artigos diferenciados. A noite surgem alguns craqueiros [usuários de crack], o clube de sauna abre e ainda falta segurança para os lojistas. Se eu quiser funcionar até as 22h, eu não tenho coragem”, diz a comerciante.

(21) A subgerente Maiara Medova também reclama da insegurança que, segundo ela, amedronta alguns fregueses da loja de instrumentos musicais. Apesar disso, ela diz gostar do local de trabalho, principalmente pela diversidade dos clientes. “São principalmente jovens roqueiros, mas aqui entra todo tipo de gente, de crente à freira”

(22) “Em que outro lugar você se encontraria com um vampiro em plena luz do dia?”, pergunta o ator Alvaro Neto. Aluno da Faculdade Dulcina de Artes, ele frequenta o Conic diariamente. E afirma que ali encontrou pessoas com interesses e referências em comum sobre o que chama “Teatro Gótico”. “O Conic é um lugar onde tudo acontece e que serve de inspiração para o meu trabalho”


(23) Outro que diz se inspirar na diversidade do Conic é o músico carioca Rildo Dias de Oliveira, o Bim da Paz. “Para mim, que estranho a convivência em Brasília, o Conic é como a Cinelândia ou o Largo da Carioca, um lugar onde pessoas de diferentes lugares e classes sociais se encontram”. O aposentado baiano Fernando Teixeira de Carvalho, em Brasília desde 1960, acrescenta: “Isso aqui já foi um antro de perversões, mas assim como vi Brasília atrair gente de todos os cantos do país, nos últimos tempos também vi as coisas melhorarem no Conic”


(24) - Há oito meses na capital, os amigos Isadora Gurgel Leite e Hugo Motta, de Porto Velho (RO), criticam a estrutura e a falta de limpeza do Conic, mas consideram o espaço “sensacional por ser um local alternativo”. Ele acha que um lugar que atrai tanta gente e que é tão bem localizado deveria receber mais atenção do governo


(25) “Quem vem de fora acha isso aqui um shopping esquisito”, brinca o maranhense Lima Neto, um dos donos de uma loja especializada em histórias em quadrinhos e cultura pop. Segundo ele, após um período de abandono, o Conic voltou a receber mais de atenção. “Mas ainda há muito o que melhorar”, diz, citando o dia da morte do cineasta Afonso Brazza, bombeiro que produziu uma séries de filmes de baixo orçamento considerados clássicos do trash movie, como um momento marcante. “Foi uma surpresa e um dos dias mais chocantes para o Conic porque o Afonso era um símbolo do underground cultural brasiliense e conhecia e pedia patrocínio para todo mundo daqui”


(26) “Gosto muito de quadrinhos e produtos ligados à década de 1980. Por isso, venho sempre ao Conic. Fora a facilidade de ficar perto da rodoviária, é um point da galera que curte o underground. Uma boa limpeza o deixaria melhor e, infelizmente, há muitos usuários de crack aqui por perto, mas, ainda assim, o Conic é legal por propiciar uma interação parecida com a do centro de outras cidades”, diz o repórter cinematográfico Cristiano Silva, goiano que mora em Brasília há sete anos.


(27) Formada em 2003 por alunos de uma escola pública de São Sebastião, da Universidade de Brasília e de um cursinho pré-vestibular particular, a companhia Teatro do Concreto ocupa uma sala no Conic há dois anos. “Usamos a sala para ensaios e debates, mas nossa ideia é começar a apresentar pequenas cenas aqui mesmo e quem sabe conseguir um espaço maior. O Conic é a diversidade do Distrito Federal”, diz o diretor do grupo, Francis Wilker


(28) O maranhense Antonio José dos Santos Neves passa em média 12 horas diárias no fliperama em que trabalha. Há 13 anos em Brasília, Neves diz que o lugar é frequentado principalmente por quem trabalha nos escritórios e lojas do Conic e do Setor Comercial Sul. “Eu acho aqui tranquilo, mas falta mais policiamento”


(29) “Vendemos de tudo relacionado ao grafite e à cultura de rua: telas, spray, canetas, roupas. E vamos agenciar artistas de todo o Distrito Federal. Quem quiser fazer uma pintura poderá contratá-los”, conta Miguel Oliveira Molina, um dos donos de uma loja de grafite inaugurada há uma semana. “A cada primeiro e segundo sábados do mês, acontece uma batalha de rimas improvisadas e de break. Há um mês, em vez de fazer um evento só de grafite, propus que fizéssemos um evento conjunto que atraiu mais de 500 pessoas durante o dia inteiro”

(30) Para a professora da UNB Sylvia Ficher, embora exigindo cuidados, o Conic tem uma atmosfera urbana rara em Brasília. “[Urbanisticamente] o espaço interno é agradável e amigável, embora o conceito não tenha sido tão bem desenvolvido. Ações de valorização trariam uma melhora significativa para toda a cidade, mas não podemos correr o risco de cair em um elitismo. Essa é uma área de comércio popular e áreas assim sempre são mais, digamos, bagunçadas”

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