Imagino que contar com uma boa universidade pública capaz de atrair alguns dos jovens mais interessados e capacitados do país traga inúmeras vantagens para uma cidade. Entre elas a de alimentar o espírito crítico, contestador e empreendedor de uma parcela da população que, por menor e mais homogênea que seja, acaba por realizar coisas que geram benefícios para muitas outras pessoas.
Quando penso em Campinas, São José dos Campos, São Carlos, Florianópolis ou Londrina, só para citar alguns exemplos, eu automaticamente penso na Unicamp, no ITA, na Ufscar, na Ufsc e na UEL. Em seguida, lembro dos alunos de toda a Baixada Santista que estudavam em um cursinho pré-vestibular em que trabalhei. Na época, não havia um único curso público de graduação em toda a região metropolitana. Quase a totalidade daqueles jovens se preparavam para prestar vestibular para instituições federais e estaduais de outras regiões e, se aprovados, deixar suas cidades em busca de melhores oportunidades.
E porque estou escrevendo sobre isso? Porque ontem eu vi uma peça de teatro muito boa. "E...?", deve estar se questionando o único dos meus três leitores habituais que, por amizade, superou a aridez dos dois primeiros parágrafos. "E...", respondo, ... que a peça foi concebida, escrita, dirigida e produzida por um grupo de ex-alunos da Universidade de Brasília, a UNB que, juntos, formaram a Companhia de Teatro Setor de Áreas Isoladas. Entendeu? A peça é boa. Pode até ser que a universidade tenha pouco que ver com o resultado do trabalho, mas, no mínimo, cumpriu a função de reunir os talentos dos jovens atores, cenógrafos, diretores, iluminadores e demais artistas. O que me faz lembrar do Grupo XIX de Teatro, de São Paulo, um dos mais importantes da atualidade e que também surgiu em situação semelhante, nas salas de aula da USP. Surgida na capital paulista, tinha entre seus criadores três santistas que haviam deixado o litoral em busca do sonho de estudar e viver teatro.
Não sei se a ironia do nome do grupo brasiliense faz sentido para quem não está habituado à segmentação urbanística da capital federal, onde até os motéis tem um setor próprio. De qualquer forma, o nome indica o que a dramaturgia da peça `Vialenta´ comprova: seus integrantes tem um humor sutil e inteligente. A peça, de 2009, é a primeira parte do que o grupo promete ser uma trilogia sobre a violência, com assumida influência dos filmes de detetives tipo B feitos em Hollywood, de Quetin Tarantino e de histórias de detetives como as escritas por Elmore Leonard. Encenada em dois atos, o primeiro recupera competentemente este clima noir. No segundo ato o grupo faz a plateia rir muito, ainda que o tema continue sendo a violência e o ímpeto de agredir e matar que pode tomar conta de qualquer pessoa. Os quatro atores em cena são muito bons, mas Rodrigo Fischer cai nas graças do público.
Pena este ser o último final de semana da peça no Espaço Cena (CLN 205), um teatro que por sí só mereceria um post e que também me motivou a escrever os dois primeiros parágrafos deste. Afinal, se há gente produzindo coisas de qualidade, há público para espetáculos em que mais é menos e que o principal é a atuação e o texto e não a cenografia (ou, pior, a publicidade e a presença de uma celebridade). E aí não dá para ficar contando com os grandes teatros municipais (no caso, o Teatro Nacional), geralmente ocupados por porcarias caça-níquel. Esta é a terceira peça que assisto no Espaço Cena e, felizmente, todas foram muito boas.
Se você chegou até aqui e está em Brasília, faça como uma das quase 50 pessoas que lotaram o pequeno teatro ontem (22) e prestigie um bom grupo local.
2 comentários:
Valeu a pena resistir, por amizade, à aridez dos primeiros parágrafos... O texto tá muito legal! E é bem essa a sensação que a peça/o grupo/ o texto provocam.Beijos!
Só a amizade, mesmo que as vezes árida, vale à pena rs,rs,rs,rs Beijo, morena
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