quinta-feira, outubro 06, 2011

Cabanagem




Espécie de díario, este blog serve para eu registrar aquilo que me empolga ou incomoda. Serve também para eu compartilhar minhas impressões com os quatro amigos que me lêem (a audiência varia conforme a estação das ondas). Mas, no fundo, no fundo, serve principalmente para eu tentar ordenar minhas vagas idéias. O que, desta vez, está difícil.

Nos últimos anos eu tive a oportunidade e o privilégio de viajar um pouco. Dentro e fora do país. Confesso que, exceção a Colômbia, nenhum outro lugar me surpreendeu tanto quanto o Pará. Mesmo já tendo andado por lá a trabalho em outras duas ocasiões, a semana que tirei para conhecer parte do estado superou qualquer expectativa.

Estou contando isso somente para explicar que não sei muito bem como expressar a confusão que se instaurou em mim após constatar a efervescência cultural (principalmente musical) de Belém; aprender em Alter do Chão que mesmo a milhares de quilômetros da costa é possível encontrar praias lindas, ainda que sejam praias fluviais, sem a possibilidade de surf. E, por que não, conhecer Santarém.

Deem um desconto, mas o fato é que, diante de tantas descobertas, cheguei a sentir vergonha de ser paulista. Não de ter nascido em São Paulo, um estado tão bom e bonito quanto qualquer outro, mas sim de nossa pretensa autossuficiência, de nossos preconceitos, a falsa ideia de que somos a "locomotiva do país", que a modernidade reside entre a Rua Augusta e a Vila Madalena. "A banda é boa, mas o sotaque da vocalista me incomoda". Li isso em um comentário postado junto a um vídeo de uma das bandas paraenses a que assisti, escrito por alguém que era possível identificar como sendo paulista.

Óbvio que o buraco é mais embaixo. O paulista são muitos. Não dá para generalizar e se eu, um paulista privilegiado e relativamente bem-informado que mantém um blog sobre banalidades e cultura pop imaginava que a música paraense contemporânea não ia além da Banda Calypso, que culpa tem meus conterrâneos?

Que culpa tem o "pobre paulista" de não saber quem foi o frei abolicionista Francisco Luiz Zagalo, um dos ideólogos da Cabanagem (1835-1840), que dizia que "se alguma religião tinha era a que aprendera junto aos pedreiros livres de Caiena"? Ou que Belém já foi a terceira cidade em importância do país, como nos lembra a arquitetura local? De ignorar não apenas o potencial turístico do estado, mas também que boa parte dos minérios necessários para movimentar "a locomotiva" vem do Pará?

A culpa não é nossa se por muito tempo acreditamos haver um único sotaque apropriado ao padrão de excelência. De não sermos informados sobre a existência do Sairé, uma festa que, reza a lenda, tem trezentos anos de tradição. E de alguns gênios reconhecidos mundialmente, como Sebastião Tapajós, não terem o espaço que merecem. E de as vicissitudes, as carências, a miséria paraense não receber a mesma atenção que as nossas. Não. A culpa definitivamente não é nossa.

Mas porque estou falando em culpa? Pra isso viajamos. Para ver as coisas com nossos próprios olhos, aprender mais sobre a realidade e ver que o mundo não cabe no Fantástico a menos que em suas bordas também haja um mercado consumidor que valha o investimento necessário para expandir o "eixo" um pouco além de "Rio-São Paulo". No dia em que isso acontecer, aí sim teremos algo mais que apenas Calypso.

Com isso, encerro minhas confusas anotações sobre minha viagem ao Pará. Pelo menos até a próxima visita.

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