quarta-feira, outubro 12, 2011

A Cinematografia da Crise

O mundo inteiro ainda sofre com os desdobramentos da crise econômica mundial que teve início em 2008, nos Estados Unidos. Nações atingidas pela turbulência causada pelo verdadeiro tsunami que paralisou a economia mundial, varreu milhares de postos de trabalho e levou de bancos à empresas dos mais diversos setores à bancarrota continuam procurando formas de evitar uma quebradeira geral. E pagando a conta. Principalmente os países hoje mais severamente endividados por terem socorrido financeiramente setores da economia que estavam em risco de falência, como os bancos.

Em meio a este cenário - apocalíptico, diriam alguns -, dois filmes recentemente lançados em DVD abordam as causas e as consequências da crise. Ou melhor, as consequências da ganância e da soberba dos operadores do sistema financeiro e da recente desregulamentação do setor, que se desassociou do mundo real, conforme diz um dos personagens do primeiro filme. (Obs: o mercado imobiliário brasileiro também não andará desassociado da realidade, pergunto eu)

Indicado ao Oscar deste ano, o documentário Trabalho Interno é um filme esclarecedor, embora não seja nada fácil acompanhá-lo. Isso porque o diretor Charles Ferguson optou por ouvir algumas das maiores autoridades no assunto, algumas delas credenciadas a falar sobre o tema justamente por terem participado ativamente das discussões e decisões equivocadas que levaram à crise do setor imobiliário norte-americano, à falência de bancos como o Lehman Brothers, à necessidade de o governo norte-americano socorrer a seguradora AIG e outros países fazerem o mesmo com suas instituições bancárias e empresas. Tudo isso sem que ninguém fosse responsabilizado e punido.

Narrado pelo ator Matt Damon, Trabalho Interno sustenta a tese de que a crise poderia ter sido evitada caso os governos não tivessem adotado cegamente, nas duas últimas décadas, o credo liberal de que o mercado pode regulamentar a si próprio. Caso da Islândia, outrora considerada um porto seguro. O documentário expõe as relações nada republicanas existentes entre governantes, agências reguladoras, lobistas, banqueiros, agências de ratting e até mesmo acadêmicos pagos para endossar fragilíssimas teses e argumentos. E registra a denúncia de que enquanto milhares de pessoas perdiam seus empregos, suas casas e condições para pagar por seu bem-estar social, diretores de empresas que só sobreviveram à crise graças à injeção de recursos públicos continuaram recebendo salários imorais de tão altos e gratificações sabe-se lá pelo quê. Além de deixar claro a total falta de credibilidade das agências de ratting, que, poucos dias antes de empresas falirem, continuavam apontando-as como excelentes investimentos.

Para Ferguson, os principais culpados pela derrocada são os homens que ocuparam a presidência dos Estados Unidos entre os anos de 1981 e os dias atuais, ou seja, Ronald Reagan, George Bush (pai e, mais recentemente, filho)e Barack Obama. Mas não só. O diretor também é enfático ao entrevistar assessores do segundo escalão dos sucessivos governos e cientistas.

 
Já o segundo filme é uma obra de ficção, embora não seja difícil imaginá-lo livremente inspirado nas muitas histórias reais registradas diariamente nos jornais. Com elenco de famosos (Ben Affleck, Tommy Lee Jones, Kevin Costner, Chris Cooper, entre outros rostos conhecidos), A Grande Virada conta a história de bem-sucedidos executivos que, diante da crise, perdem os empregos quando o conglomerado que ajudaram a construir ao longo de décadas decide fechar o departamento de construção naval sob o argumento de que a empresa precisa conter gastos e se adequar aos novos tempos, nos quais a "indústria pesada" perde atratividade.

O personagem central é Bobby Walker (Affleck), o pai de família de 37 anos há tempos afastado dos bancos escolares e mais jovem dos três personagens centrais da trama (os outros dois são Jones e Cooper). E também o que mais demora a perceber que os tempos mudaram e que não vai ser fácil conseguir voltar ao mercado. 

Apesar do final esperançoso, o filme é capaz de despertar em qualquer espectador realista a lembrança de que tudo que é sólido se desmancha no ar, ou seja, que os períodos de crise não são uma excepcionalidade, mas sim uma constante para a qual devemos estar preparados.

Quem assistir aos dois filmes não deixará de notar tal tese. Enquanto um dos entrevistados para Trabalho Interno aponta a contradição de um engenheiro civil ganhar muito menos que um engenheiro financeiro já que "o primeiro constrói pontes e o segundo, sonhos, mas se os sonhos dos financistas viram pesadelos são os outros que pagam", em A Grande Virada um personagem decepcionado caminha por um estaleiro abandonado comparando o passado e o presente. "Tinhamos milhares de homens trabalhando dia e noite aqui. Eles construiam navios. Podiam tocá-los, sentir seu cheiro. Hoje, fabricamos números".


Pode não parecer, mas neste momento que o Brasil atravessa uma fase de bonança e relativa estabilidade (embora a inflação insista em voltar a mostrar os dentes) é oportuno assistir a este tipo de filme. 


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Para quem se interessar, também vale procurar um filme um pouco mais antigo, Segunda-Feira ao Sol (2001), com Javier Bardem, sobre a crise do início da década passada na Europa e o desemprego na Espanha.
 
Há também uma produção argentina, As Viúvas das Quintas-Feiras (Las Viudas de Los Jueves), que descreve os efeitos da crise argentina para a emergente classe média. Creio que o filme não foi lançado no Brasil, mas nunca se sabe que surpresas se pode encontrar na net. Além do mais, o livro original da escritora argentina Cláudia Piñeiro, que é muito melhor que o filme, foi sim publicado por aqui. Eu mesmo já falei sobre ele há cerca de dois anos
 
 


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