quarta-feira, maio 04, 2011

Navarro apresenta documentário em acampamento indígena na Esplanada


Depoimentos sobre os conflitos e as consequências do avanço do agronegócio no Mato Grosso do Sul para a vida dos mais de 40 mil índios Guarani Kaiowá que vivem na região sul do estado à espera do reconhecimento do direito que o grupo tem às terras que reivindicam como parte de seu território original são o fio condutor do documentário `A Sombra de um Delírio´.

Exibido em março deste ano no Festival Cine Latino da cidade francesa de Toulouse, o curta-metragem de 29 minutos estreia no Brasil esta noite (4), no Acampamento Terra Livre, principal mobilização do movimento indígena e que desde o início da semana ocupa parte do gramado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF).

Segundo um de seus diretores, o jornalista Cristiano Navarro, a proposta é tentar sensibilizar quem assistir à obra para a difícil situação dos Guarani Kaiowá e chamar a atenção para a luta silenciosa que eles travam contra interesses políticos e econômicos que ameaçam sua cultura e sua sobrevivência.

Quem vive na cidade não tem a dimensão exata de que, no campo, terra é a base não apenas do poder econômico e político, mas também do poder cultural. E que é por isso mesmo que, ainda hoje, há quem compre o discurso de que os índios que morrem trabalhando como escravos em canaviais de grandes produtores ou empresas multinacionais são vagabundos ou que são todos uns aculturados que só querem terras para deixar o mato crescer”, declarou Navarro ao Semifosco.

Editor do jornal e do site Brasil de Fato, Navarro foi o responsável por publicar o jornal Porantin entre os anos de 2002 e 2006, período em que visitava aldeias guaranis kaiowás com frequência. Em função do conhecimento adquirido à frente da publicação mantida pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Navarro recebeu, em 2008, o convite para se juntar à jornalista belga An Baccart e ao cinegrafista argentino Nico Muñoz na produção do documentário. Os dois haviam tomado conhecimento do problema indígena ao acompanhar uma delegação da FIAN (do inglês Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar, entidade humanitária creditada pela Organização das Nações Unidas (ONU)), que visitou o Brasil para preparar um relatório sobre o direito alimentar e sobre a desnutrição entre a etnia, sobretudo das crianças.

Os guarani kaiowá são, talvez, hoje, o povo indígena em pior situação no Brasil. Segundo denúncias de organismos internacionais, o que há é um processo de etnocídio. Enquanto isso, o outro lado se opõe a qualquer tipo de demarcação de uma reserva, uma reação nada sensível”, afirma o jornalista, criticando a passividade do Estado brasileiro.

Os produtores, as empresas multinacionais, vão plantar onde houver espaço. Como diz uma representante do setor no filme, para eles, o céu é o limite à expansão da cana-de-açúcar, por exemplo. E o pior é que o principal financiador disso é o governo, o BNDES, não só por meio de estímulos financeiros ou de investimentos na infraestrutura necessária à produção, mas também por não demonstrar qualquer interesse em demarcar e homologar novas reservas indígenas”, acrescenta o jornalista.

Filmado entre 2008 e o início de 2010, a produção demorou a ser concluída porque, de acordo com Navarro, os três jornalistas jamais tentaram captar recursos públicos ou privados para realizar um filme que critica governos, empresas e grandes produtores rurais, tendo que custear eles mesmos os cerca de R$ 30 mil gastos na produção.

Para Navarro, um dos grandes méritos do filme é não apresentar os índios como vítimas incapazes, mas sim como personagens politicamente ativos, embora fragilizados. E também a apuração. Embora admita ser um filme que toma partido, Navarro garante que todas as informações tem por base autuações do Ministério Público do Trabalho, relatórios de violência elaborados anualmente pelo Cimi, notícias divulgadas pela imprensa e confrontadas com outras fontes, trabalhos acadêmicos, entrevistas com representantes dos produtores rurais e, óbvio, relatos dos próprios índios. 

“A facilidade [tecnológica] de fazer um documentário dá a falsa impressão de que se pode contar uma história sem apurá-la muito bem. E uma das qualidades do nosso filme está baseado em muita pesquisa e na minha experiência de quase nove anos trabalhando com os guaranis”, concluiu Navarro.
 

2 comentários:

Cecília Bizerra Sousa disse...

Muito, muito legal! Concluí que não dá pra ficar muito tempo sem aparecer por aqui... Acumulam-se as novidades, e quero ler todas! Beijão!

Semifosco disse...

Apareça! Você é sempre bem-vinda para um dedo de prosa. Em geral, sobre trivialidades, mas às vezes também sobre coisas sérias como as tratada no documentário. Beijo