Legítimos exploradores urbanos, os skatistas são, por natureza, admiradores dependentes da arquitetura, da qual usufruem de forma jamais imaginada por arquitetos, engenheiros, urbanistas e pedreiros. Sobretudo os chamados "streeteiros", ou seja, aqueles que aplicam nas ruas seus estilo de vida. Para eles, um vão na obra ou buraco no chão é desafio. Um banco ou escadaria, obstáculo a ser transposto manobrando seus carrinhos. Qualquer transição se torna playground onde eles enxergam possibilidades de diversão inacessíveis ao restante dos mortais. Deslocando-se mais rapidamente que um pedestre e mais livre e atento que alguém motorizado, o skatista, mesmo que inconscientemente, se apropria da cidade de uma forma única. Para ele, qualquer espaço público ou privado erguido em seu trajeto tem que cumprir uma função social: a de proporcionar que ele se ponha a prova e se divirta, sozinho ou em bandos. Pela inesgotável possibilidades de combinações de manobras, o skate também pode ser uma ferramenta muito poderosa para o desenvolvimento da criatividade e autonomia. O skatista que se depara com uma escadaria primeiro aceita o desafio de pulá-la com um ollie. Da primeira vez ele erra. Da segunda, cai. A partir daí, ele acerta a manobra tantas vezes que só lhe basta tentar um ollie flip. E então um ollie-flip-180º e um ollie-flip-180º-switchstance antes de seguir à procura de outro obstáculo mais desafiador. (Confesso que, mesmo careta, esta é uma característica tão enraizada em mim que, até hoje, tenho dificuldades para me adaptar à estruturas burocráticas).
Considerando-se isso, não é de estranhar que uma produtora de Brasília, a Ozi (que também funciona como uma escola de audiovisual, com resultados muito interessantes), tenha decidido usar jovens andando de skate em um vídeo que apresenta um outro olhar sobre os pontos turísticos da capital modernista, símbolo do arquitetura e do urbanismo brasileiro. O resultado é belíssimo, principalmente pelos primeiros minutos, durante os quais a "cidade de concreto", conhecida pelo clima seco, é apresentada como um jogo de reflexos. O vídeo foi produzido em 2010, a pedido da Secretaria de Cultura do Distrito Federal e disponibilizado no site http://www.venhaparabrasilia.com.br/. Uma pena que não tenha sido exibido durante a festa dos 51 anos da cidade, há poucas semanas. Vídeos como este minimizariam os frequentes comentários do tipo "não imaginava que Brasília era assim" feitos por quem visita a cidade pela primeira vez. Agradeço ao amigo Guilherme Strozzi pela indicação.
E para reforçar o que escrevi sobre a capacidade criativa dos skatistas, eis um vídeo de um dos maiores atletas de free-style de todos os tempos, o norte-americano Rodney Mullen, aplicando à modalidade street a base que o estilo livre lhe deu.
E para quem quiser outras provas do quanto o skate (e os chamados esportes radicais em geral) pode ser libertador (às vezes, até exageradamente), vale acessar o antigo post do Semifosco sobre Skatopia, "uma tentativa de erguer um lugar regido por regras próprias, ainda que seja a mais completa falta de regras" ou assistir ao excelente documentário Dogtown And Z-Boys (A revista Trip, em matéria de capa, anunciava o que os diretores brasileiros teriam a aprender assistindo ao filme dirigido pelo ex-campeão do esporte, Stacy Peralta, e narrado por ninguém mais, ninguém menos, que o oscarizado Sean Penn).
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