quarta-feira, agosto 24, 2011

Leitão


The Last Boy Zen.

Há quanto tempo eu não me lembrava desta expressão.

Eu às vezes o chamava assim. O último garoto zen. Uma brincadeira com o último cara tranquilo dentre nós, os então ansiosos adolescentes duros e cheios de planos.

Não que ele também não fosse ansioso. Devia ser. Só que não aparentava. Ou porque era mais tranquilo que nós ou porque já lidava melhor com as frustrações e expectativas. (Eu até hoje acho que isso era influência de sua mãe, uma enfermeira batalhadora que nós quase nunca víamos porque estava sempre trabalhando para dar conta de criar, sozinha, os dois filhos)

Me lembrei da frase na semana passada, ao ser surpreendido pela associação do nome do amigo que eu não via há anos com um trágico episódio da guerra civil instaurada há décadas no país.

Recordei também de muitos outros detalhes sobre os quais eu há tempos não pensava. Por exemplo, que não me lembro de como o conheci, mas que durante quase uma década, ele foi o mais próximo dos meus amigos mais queridos. Por interesses comuns e, talvez, porque tivéssemos personalidades distintas, mas não conflitantes.

Lembrei do ovo mexido com um resto de carne moída da véspera que ele preparou certa vez. E que foi junto com ele que eu comecei a curtir rock´n´roll em uma loja de metaleiros. Lembrei também que ele era meu parceiro mais frequente nas acirradas disputas do campeonato de duplas de chinebol. E que ele pode ter salvado minha vida ao me segurar na vez em que eu ia cair do teto do Teatro do Sesc. E do quanto aprontamos naquele Sesc.

Pensei nas sessions de skate. Não estou dizendo que lembrei, mas sim que pensei. Porque desse tempo a gente não se esquece (até porque as cicatrizes não deixam). Tanto que, coincidentemente, no dia em que eu viria a saber da notícia, havia me programado para escrever no blog um texto sobre um documentário de skate que acabo de rever e dedicar a ele e a meu outro grande parceiro no esporte na época.

Certa vez fomos andando de skate com outros amigos até o Guarujá . Na hora de voltar tivemos que pedir carona e caminhar muito porque todos os carrinhos haviam se quebrado. Em 1989, comemoramos eu, ele e o Flavinho, na casa dele, o quarto lugar obtido por Lincoln Ueda no Munster Monster Mastership semanas após o encerramento do campeonato alemão. Não havia internet, tv a cabo, a grande mídia não dava a mínima para os skatistas...Fomos saber do resultado histórico para o esporte brasileiro semanas depois, no extinto programa Grito da Rua.

Mas sabe como é, né? O garoto tranquilo foi o primeiro de nós que andávamos de skate a ganhar seu dinheirinho trabalhando honestamente. Depos, cansado de pegar `emprestado´ os livros que eu queria ler e não tinha como pagar, acabou me indicando para trabalhar na mesma livraria em que já trabalhava. E foi nesta livraria que arrumamos nossas primeiras (e, no caso dele, única) namoradas sérias. E então passei eu mesmo a pegar "emprestados" os livros que queria.

Ironicamente, começamos a nos afastar justamente quando trabalhávamos juntos. Ele se casou, teve filhos, se tornou bombeiro. Eu tive outras namoradas e mudei de cidade. Cada um seguiu seu caminho.

O encontrei pela última vez há dois ou três anos, na praia, bem em frente ao prédio onde morávamos quando crianças. Estava com o filho, que eu ainda não conhecia. Conversamos como se tivéssemos estado juntos na véspera. E ele continuava tranquilo. Zen. E visivelmente feliz, sorrindo aquele riso "inconfundível" como lembrou outro amigo na semana passada.

A vida é foda. O garoto tranquilo era meu amigo. Ou melhor, é. Sempre será. Assim como todos os outros com quem andei de skate, tomei keep cooler, comi no CPE, joguei no Embarezinho, procurei emprego e que, acima de tudo, conhecem e respeitam minha história. E eu a deles.

Foi para eles, para os que pude, que eu liguei na semana passada. Depois fui trabalhar. E fiz piadas, dei risadas, conversei amenidades, dei conta das minhas obrigações. O que mais eu podia fazer? Ninguém aqui sabe quem foi o Leitão ou sabe o prazer resultante de descobrir um novo pico e passar horas o reconhecendo de skate na companhia de apenas dois amigos. Ninguém entenderia se eu dissesse que ele jogava chinebol muito bem e que nos divertíamos brincando com um `sonrizal´ na praia. A vida é foda. E eu estou escrevendo isso a 1.2 mil quilômetros de onde nos conhecemos, após ter revisto a mesma matéria sobre o desempenho de Ueda na Alemanha que assistimos juntos há 22 anos. Pensando em meu amigo como se o tivesse visto ontem.

Nenhum comentário: