Durante o dia, Santarém, no Pará, só pode ser a boca do Hades. E o calor, o bafo do tinhoso vindo das profundezas. Impressionante. Localizada no coração da Amazônia, a chamada "Pérola do Tapajós" é uma fornalha erguida às margens do conhecido rio. Na última sexta-feira eu viajei meros 35 quilômetros de ônibus (R$ 2,50) desde Alter do Chão, onde já estava quente, e tive a impressão de cruzar a fronteira com outra dimensão.
Mesmo já estando acostumado ao calor e à secura do Planalto Central, não me aventurei a caminhar os poucos quarteirões que separam a praça onde fica a Igreja de Nossa Senhora da Conceição (construída e em permanente restauração desde 1761) do shopping (aonde mais eu iria buscar refúgio do calor?). Apanhei um moto-táxi e fui reparando que não havia quase ninguém caminhando pelas ruas. Havia sim eram ondas de calor subindo do asfalto e desfocando a paisagem. Ou seja, enquanto na tv os jornalistas comemoravam o fim do inverno e a chegada da primaver, mas anunciavam a continuidade das chuvas, na Região Norte as pessoas comentam a severidade do verão, atribuindo o calor excessivo e a falta de chuvas às mudanças climáticas.
Na volta, arrisquei dar uma volta pela chamada orla, às margens do Rio Tapajós. Do calçadão é possível avistar, ao longe, o encontro das águas marrom-barrentas do Rio Amazonas com as azuis do Tapajós. Os dois rios se encontram bem diante da cidade e, devido à diferenças como densidade e temperatura das águas, avançam paralelamente por quilômetros sem se misturar. No Terminal Fluvial Turístico, na orla, é possível encontrar barqueiros que oferecem passeios que variam de uma hora para ver de perto o fênomeno natural à R$ 20 ou mais o tour pelas praias fluviais próximas. O destaque, segundo me disseram, é Ponta de Pedras, mas ela fica a poucos quilômetros de Alter do Chão e não me entusiasmei de fazer o caminho de volta e encarar a longa estradinha de terra que leva da Rodovia Fernando Guilhon à praia.
Em dias quentes como estes últimos, nenhum outro passeio que não seja o de barco ou a ida às praias é recomendável. Periga você ter uma insolação ou desidratação. Se estiver hospedado no Centro, próximo à Igreja Matriz (recomendo o Hotel Rios (93-3522-5701), limite-se a dar uma volta pelas redondezas para ver um pouco do movimento das ruas, com suas lojas populares, tome um açaí à moda santarense, ou seja, não-congelado e acompanhado com farinha de mandioca e açúcar opcional, e, então, volte a se refugiar no hotel até o sol se pôr. Porque é a partir do final de tarde que Santarém realmente dá as caras.
A noite, a orla da cidade se transfigura. Jovens, idosos, casais, solteiros, turistas e, ah, os morcegos - sim, morcegos -, enfim, muita gente e alguns insetos e animais saem pra caminhar, correr, voar, paquerar, namorar ou simplemente tomar uma cerveja na Avenida Tapajós, onde funcionam vários restaurantes e bares e diversos vendedores ambulantes se instalam. Metade dos bons restaurantes que os santarenos (ou mocorongos, como também são chamados os quem nasce em Santarém) te indicarão caso você peça sugestões ficam ali, a poucas quadras da Igreja Matriz, e se chama Mascote (Prç. do Pescador, 10). A outra metade, ou seja, a Peixaria Raiana, fica na Rua da Salvação, 126, no bairro Liberdade.
Há opções de boates e barzinhos com música ao vivo, mas como eu estava cansado e muito mais interessado em conhecer ao menos uma praia no dia seguinte, me limitei a ficar pelo Mascote mesmo, onde me dei conta de que, ao longo de todos estes seis primeiros dias de meu giro paraense, ouvi muita música boa, sobretudo em Belém. Aqui mesmo, no restaurante em Santarém, vejo na parede o pôster original de um show que Sebastião Tapajós fez na Alemanha em 1978. Enquanto isso, o cantor que se apresenta se reveza entre o rock brasileiro dos anos 1980, a MPB (com ênfase em Adriana Calcanhoto e Marisa Monte) e alguns clássicos do rock internacional. E na mesa ao lado da minha, uma loira na casa dos 30 e já com algumas cervejas na conta insiste em pedir `Como Nossos Pais´ enquanto desanca, com a ajuda do companheiro de mesa, o axé baiano e o sertanejo. Ou seja, nem todo paraense pode ser responsabilizado pela péssima música que o estado tem exportado para outras regiões do país. Vide Sebastião Tapajós ou até mesmo ao popular Beto Paixão, cuja música Dança na Mata, eu só não vou compartilhar aqui porque, infelizmente, o único vídeo disponível no youtube não é oficial e kitsch de doer.
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