_ Senhor, perdoai a minha ira, mas a avareza e a preguiça deles é indigna de vossa graça. Portanto, se não for blasfêmia minha, que esta bolha espúria exploda e eles tenham que se haver com aqueles que destrataram e menosprezaram, clamando por um cliente, inclusive aos finais de semana e feriados.
Mudei-me para Brasília há seis anos, onde já morei em três diferentes lugares. E toda vez que tenho que me mudar é a mesma história: me aborreço profundamente, a ponto de pensar em deixar a cidade de que aprendi a gostar por razões que não a qualidade da prestação de serviços.
O problema não é só o valor superfaturado dos aluguéis cobrados no Plano Piloto (onde a especulação grassa), mas também o péssimo atendimento de quase todas as imobiliárias locais. Do alto do poder de quem sabe que a procura por seu produto é maior que a oferta, a maioria delas beira o descaso no trato com os interessados em alugar algo.
Não exagero e todos os amigos com quem converso tem uma experiência desagradável ou desgastante para contar. A queixa mais frequente diz respeito ao fato de as imobiliárias não funcionarem aos sábados. Ou seja, justamente no dia em que mais gente está de folga e pode procurar um imóvel com calma, elas fecham as portas. A mensagem é clara: os interessados que faltem ao trabalho durante a semana ou se virem durante o expediente, pois não somos nós que precisamos de vocês.
Quando digo que quem insistir em procurar um lugar minimamente satisfatório será obrigado a negociar um dia de folga no trabalho estou me referindo a outra prática muito criticada por todos com quem conversei: a entrega das chaves para a visita ao imóvel. Se você acha que as coisas serão fáceis porque é um eventual cliente prestes a abrir mão de uma dinheirama por um cubículo abafado de 40 m², esqueça.
Ainda que opte por continuar vivendo na mesma região e queira visitar um apartamento no bloco vizinho ao que mora, o interessado terá que cruzar a cidade para apanhar as chaves na imobiliária. E, depois de ver que o pequeno cubículo não foi pintado, tem azulejos quebrados e a lâmpada do banheiro está pendurada ao soquete por um fio, terá que refazer o mesmo percurso para devolver as chaves e apanhar seu documento de identidade de volta. Acho provável que a imobiliária fique com o RG para impedir que alguém revoltado com a perda de tempo arremesse as chaves numa boca-de-lobo. Imagine o que representa em tempo e dinheiro todo este vai-e-vém para um semifosco como eu, que se recusa a ter um carro.
Na capital federal, um corretor só te sorri se você estiver procurando um apartamento à venda (algo em torno de R$ 600 mil por três quartos construídos ainda durante a década de 1960). Água gelada, imagino eu, deve ser tratamento dispensado apenas a quem compra uma cobertura (mais de R$ 1 milhão). Portanto, por que ele iria perder seu precioso tempo e sair à rua, enfrentando o sol e a seca, para negociar um mísero contrato de locação? E competentíssimos que são, jamais irão confiar de deixar as chaves com o porteiro do prédio. Você que vá buscá-las com ele.
Além do mais, os corretores são pessoas muito sensíveis. Se quiser ofendê-los, tente negociar o valor anunciado. Ofereça-se para pagar alguns meses adiantados em troca de um desconto. Argumente que uma quitinete em uma quadra comercial, em cima de lojas, bares ou restaurantes, quase insalubre devido ao calor armazenado pela laje, não vale mais de R$ 1 mil. Alguns fingirão te ouvir e até aceitarão ficar com seu contato, prometendo te dar uma resposta. Não se iluda. Eles jamais ligarão, certos que estão de que logo, logo, aparecerá algum interessado.
O problema todo é que no Plano Piloto há poucos imóveis para pessoas que vivem sozinhas. O financeiramente acessíveis ficam quase que a maioria em quadras comerciais. Ou seja, originalmente, não foram planejados para servir de casa, mas sim de escritórios ou coisa parecida. Quando tem quarto, não tem área de serviço. Quando tem uma cozinha onde cabem fogão e geladeira, não há onde instalar uma máquina de lavar. E como todo dia chegam novos concursados à cidade, quem tem um apartamento sabe que, peça quanto pedir, mais dia, menos dia, encontrará alguém cansado de procurar e com pouca disposição para enfrentar o trânsito para as cidades-satélites. Daí um sujeito ter a desfaçatez de pedir R$ 1.8 mil por um apartamento de 55 m², no final da Asa Norte.
Há pouco o que fazer em relação aos valores. É a lei da oferta e da procura, regra sacra do capitalismo. Ou pague, ou mude-se para uma cidade-satélite e renda-se; conforme-se com pegar ônibus ou metrôs lotados ou comprar um carro, o que, definitivamente, não impedirá que você perca parte de seu precioso tempo no trânsito. Agora, que um mínimo de respeito e atenção por parte dos corretores ajudaria a minimizar esta indignação, ajudaria.
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Para a minha surpresa, a revolta com o mercado imobiliário gerou protestos também em Santos (SP), onde os valores dos aluguéis são comparativamentes muito mais baixos que em Brasília, mas os salários também são. Se tiver interesse, clique no link abaixo para ler a matéria do jornal A Tribuna. Quem sabe o caminho não é este: cobrar das autoridades o respeito a outra lei que não a da oferta e da procura, a constitucional função social da propriedade.
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