O pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff, ontem (21) a noite, foi uma mera formalidade. Nem o mais jovem e radical dos manifestantes que tomaram as ruas do país esperava que a presidenta viesse a público e, de sopetão, como em um passe de mágica, anunciasse o atendimento à ampla e indistinta pauta de reivindicações apresentadas ou esboçadas. Ainda assim, aguardava-se, ou melhor, exigia-se que Dilma se pronunciasse tanto sobre o espetáculo democrático, quanto sobre os atos de barbárie.
Ao fazê-lo, Dilma acertou no tom com que criticou a violência, a depredação e os saques. E com que legitimou a ação das forças de segurança do Estado para coibir, "dentro dos limites da lei", o "vandalismo". Senso comum.
Já no aspecto mais importante, a interpretação política dos sinais vindos das ruas e a resposta às aspirações populares, ficou claro que nada mudou desde que o ministro Gilberto Carvalho, em um ato de honestidade intelectual, admitiu estar difícil de entender o que se passa nas ruas. A presidenta deixou transparecer estar lendo um texto burocrático e vazio de propostas escrito com a ajuda do marketeiro João Santana. Informação desabonadora vazada à imprensa, já que, uma das constantes críticas à classe política é o fato de ter substituído as propostas políticas pelas estratégias do marketing eleitoral.
Mesmo recorrendo ao publicitário do PT, a presidenta aparentemente não soube falar com os protagonistas dos protestos. Daí ter se comprometido a receber as "lideranças" do movimento, quando todos os militantes, analistas e cientistas políticos destacam que a "horizontalidade" é uma das principais características das manifestações populares que ocorrem não só no Brasil, mas em quase todo o mundo. Como Dilma disse que também irá receber os representantes de entidades sindicais, associações populares e de organizações populares, resta saber se não acabará sentada à mesa com os mesmos interlocutores dos últimos anos, alguns deles hostilizados ao tentar participar das últimas manifestações.
O Palácio do Planalto deve mesmo estar acompanhando "com muita atenção" às manifestações, mas parece tão perplexo que o máximo que conseguiu foi reapresentar a proposta de destinar os royalties do petróleo para a Educação e a polêmica ideia de trazer "milhares" de médicos estrangeiros para trabalhar no país e, assim, ampliar a capacidade de atendimento do SUS. De concreto mesmo, só o reconhecimento de que "não é fácil chegar aonde querem muitos dos que foram às ruas".
Em resposta à principal pauta dos manifestantes, a melhoria dos serviços públicos, a presidenta garantiu que agora sim, agora o tema ganhou "prioridade nacional". Por isso, vem aí um "grande pacto em torno da melhoria dos serviços públicos", com a elaboração do Plano Nacional de Mobilidade Urbana. Só que, para isso sair do campo das boas intenções, será preciso sentar-se à mesa com governadores e prefeitos. Em ano pré-eleições.
O ponto mais sensível do discurso, contudo, diz respeito à organização dos grandes eventos esportivos que o país vai sediar. Como escrevi no começo, esperava-se já há alguns dias que a presidenta se manifestasse publicamente. Por mero acaso ou por necessidade, o pronunciamento acabou indo ao ar no dia em que a imprensa noticiou que a Fifa considera a hipótese de continuar a Copa das Confederações em outro país e que a seleção italiana ameaçou deixar o Brasil caso sua segurança não fosse reforçada.
Com milhares de pessoas nas ruas questionando o empenho do governo brasileiro em construir mega-estádios que correm o risco de subutilização, a presidenta se sai com a pérola maior ao abordar o futebol como algo "que tem a ver com nossa alma e nosso jeito de ser", dando novos argumentos aos manifestantes e à oposição. Apelar para o sentimento de hospitalidade intrínseco ao brasileiro nada tem a ver com a questão e não acredito que desmobilize os críticos à iniciativa.
Aparentemente, Dilma poderia ter terminado sem tocar neste assunto, mas deve ter falado mais alto a preocupação com a suspensão da Copa das Confederações. Afinal, o governo assumiu de forma irresponsável o risco de indenizar a Fifa e as empresas envolvidas com o evento por quaisquer prejuízos às instalações e à realização e transmissão dos jogos. Isso é algo que pouco está sendo dito e que os manifestantes tem que levar em consideração: a conta que já está alta pode ficar ainda maior. E se por um lado a presidenta garanta que nada está saindo dos cofres públicos, é necessário maior clareza e transparência na divulgação de quanto de fato tudo isso custará aos brasileiros.
Mecanismos e instituições que permitam às pessoas não só se informarem sobre gastos, mas principalmente a interferirem ems decisões governamentais como a de sediar a Copa do Mundo poderiam minimizar potenciais conflitos de interesses. Eis aí outro grande nó imposto pelas manifestações: a repulsa da população aos mecanismos partidários e, consequentemente, à política partidária e seu fisiologismo. Embora tenha defendido que nenhuma democracia pode prescindir dos partidos políticos, a própria presidenta reconhece nossa necessidade de "oxigenar o sistema político e encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais transparentes e mais permeáveis à influência da sociedade".
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