sexta-feira, junho 28, 2013

Um poeta bem ao gosto das manifestações


se é para o bem de todos
e felicidade geral da nação
                    diga ao povo
que o buraco é mais embaixo

se é para o bem de todos
e felicidade geral da nação 
diga ao povo 
que salve-se quem puder

se é para o bem de todos
e felicidade geral da nação
                  diga ao povo
que o almoço tá na mesa

se é para o bem de todos 
e felicidade geral da nação
diga ao povo
que mande o rei
à pátria que o pariu

ainda bem 
que ninguém nunca disse 
nada de novo
- posso (se quiser)
dizer tudo outra vez


tô de saco cheio desse vazio


Tem literatura brasiliense na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste manifestabundo ano corrente. Ano em que a onda de protestos inspirou os organizadores do evento a promoverem, de última hora, três mesas onde intelectuais debatam o sentido do clamor popular. 

Nascido em Cuiabá, mas brasiliense desde seus 16 anos, o poeta Nicolas Behr é um sobrevivente da "geração mimeógrafo"  - que reunia novos autores que, lá pelo fim da década de 70 do século passado, vendiam não de porta em porta, mas sim de mesa em mesa, noite etílica a dentro os textinhos que cada um reunia em livrinhos que eles mesmos mimeografavam e grampeavam. Reza a lenda que, Behr, por exemplo, vendeu ao menos oito mil exemplares de seu "best seller" Iogurte Com Farinha.

Não porque tenha sido preso e processado pelo Dops por portar "material pornográfico", mas Behr é um poeta cujos versos mereceriam estampar alguns cartazes das atuais manifestações, emprestando, a exemplo de Maio de 68, um colorido poético às reivindicações.

"Os três poderes são um só: o deles". "eixos [rodoviários] que se cruzam / pessoas que não se encontram". "burocratas de verdade só fazem amor em almofadas de carimbo". "era preciso saber quanto cimento será gasto numa ponte por onde ninguém passará de mãos dadas". "estou começando a perder o medo que tenho das pessoas"

Por fim, a Flip, com o que chama a atenção da imprensa nacional, há de demonstrar que Behr é um escritor anônimo conhecido quase que nacionalmente por jovens que ainda hoje conhecem os cândidos versinhos de Nossa Senhora do Cerrado. 

Nossa senhora do cerrado
protetora dos pedestres
que atravessam o eixão
às seis horas da tarde
fazei com que eu chegue
são e salvo na casa da noélia

Não conhece? Pois então pergunte (ou ouça clicando aqui) a um fã da Legião Urbana, cujo letrista, Renato Russo, homenageou citando não só ao poeta, mas também à banda Liga Tripa, grupo que tem o inexistente sotaque de Brasília e que primeiro cantou a ansiedade dos pedestres obrigados a atravessar o Eixão. 


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